Crítica | Mickey 17
Uma exagerada sátira do corporativismo religioso do século XXI O post Crítica | Mickey 17 apareceu primeiro em O Vício.

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Mickey 17 (2025) não é a primeira ficção científica a abordar a lógica do mercado sobre trabalhadores descartáveis, nem a primeira a refletir sobre o propósito da vida. Dezenas, talvez centenas de obras já exploraram esses temas, mas nenhuma sob a visão única de Bong Joon-ho, o grande diferencial do filme.

Não há dúvida de que o diretor sul-coreano teve total controle sobre a montagem, pois a obra exala sua energia cômica e caótica. Robert Pattinson é contagiado com isso e entrega algumas das performances mais interessantes de sua carreira.
O protagonista, seguindo a linha Ezra Miller em The Flash (2023), consegue se sair ainda melhor na diferenciação entre o Mickey ingênuo e o audaz. Talvez sua principal competência seja a criação de um meio-termo entre eles, produto de um grande desenvolvimento de personagem.

Enquanto Pattinson é digno de elogios, o mesmo não pode ser dito de Mark Ruffalo. Interpretando uma espécie de fusão entre Donald Trump e Elon Musk, o ator tem dificuldade em se encaixar no tom cômico característico de Bong Joon-ho. Com uma abordagem dissonante e caricata, seu vilão se torna mais patético do que ameaçador, o que poderia comprometer a tensão, se não fosse pelo ótimo trabalho de Toni Collette, que está genuinamente amedrontadora.
Os demais personagens sofrem para encontrar destaque, pois há pouco espaço para desenvolvimento além dos Mickeys. Sim, esses são os protagonistas da história e, em uma situação natural, isso nem deveria ser uma questão. No entanto, o roteiro, da forma como foi escrito, pede por aprofundamento nos arcos de Kai (Anamaria Vartolomei), Nasha (Naomi Ackie) e Timo (Steven Yeun), que até são brevemente desenvolvidos, mas abruptamente encerrados.

O roteiro de Mickey 17 (2025) não é o mais impressionante escrito por Bong Joon-ho. Veja bem, um bom roteiro não se mede apenas pela história que conta, pois esse tipo de material não se resume à trama de um filme, mas também à sua estrutura. Quanto a isso, há claros sinais de que o cineasta teve dificuldades para encontrar o foco da história.
Há narração demais no filme. Não que exista um limite para esse recurso em um roteiro, mas, da forma como está, prejudica a fluidez da história. A primeira meia hora é cansativa, e o retorno de um longo período de narração no segundo ato esfria bastante o avanço da trama. Mickey 17 (2025) é excessivamente expositivo. A estratégia do 'mostre, não conte' quase nunca é utilizada.
A impressão é que Bong Joon-ho se apegou demais às suas ideias e se perdeu ao tentar abraçar mais do que cabia nos braços. Como resultado, há oscilação na fluidez e o desperdício de algumas boas ideias, como a ausência da discussão sobre o impacto gerado pela fragmentação da memória e personalidade de um indivíduo.

Tanto as falhas quanto os acertos de Mickey 17 (2025) refletem a personalidade de Bong Joon-ho. O filme é engraçado e oferece um ponto de vista interessante sobre o colonialismo e a precarização do trabalho no século XXI. A forma como a história questiona se a reimpressão de Mickey o ressuscita ou cria um ser diferente com as memórias de outro evoca até mesmo o arco de Hari, a esposa de Kevin, em Solaris (1972), de Tarkovsky.
O maior ato de coragem do cineasta, entretanto, é usar o humor para abordar o poder de manipulação do corporativismo religioso. Discutir isso de forma tão explícita, num mundo de redes sociais onde figuras messiânicas são adoradas sem questionamento, é algo incomum para um blockbuster, principalmente se tratando de um blockbuster de uma megacorporação. É verdade que essa discussão também é abordada em Duna: Parte 2 (2024), mas de forma bem mais delicada e menos aparente.

Seja positiva ou negativamente, Mickey 17 (2025) tem tanta substância que transborda. Um trabalho de Bong Joon-ho marcado pelo exagero, mas com o frescor da visão de um grande cineasta sobre assuntos contemporâneos. Uma espécie de blockbuster em extinção.
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