Como anda a saúde mental da Geração Z?
A entrada da Geração Z no mercado de trabalho — marcada por expectativas de propósito, autonomia e inclusão — colide com realidades estruturais que ampliam crises de saúde mental entre jovens profissionais. Nascidos entre meados dos anos 1990 e in&iacut...

A entrada da Geração Z no mercado de trabalho — marcada por expectativas de propósito, autonomia e inclusão — colide com realidades estruturais que ampliam crises de saúde mental entre jovens profissionais. Nascidos entre meados dos anos 1990 e início dos anos 2010, esses indivíduos, nativos digitais, enfrentam um cenário paradoxal: enquanto dominam ferramentas tecnológicas e trazem consigo valores progressistas, esbarram em ambientes corporativos hierárquicos, na automação e pouco brilho de vagas iniciais e em pressões por resultados imediatistas. Um choque que gera ansiedade, frustração e, em casos extremos, afastamentos por transtornos mentais, como revelam dados alarmantes. No Brasil, por exemplo, em 2024, houve o recorde de 472.328 licenças médicas relacionadas a questões psicológicas, aumento de 68% em relação ao ano anterior, segundo o Ministério da Previdência Social (esse dado não se refere somente à Geração Z, mas boa parte dos casos pertence a ela).
A dificuldade de ingressar no mercado de trabalho não é algo novo. Historicamente, jovens sempre enfrentaram taxas de desemprego mais altas. Contudo, para a Geração Z, o problema é agravado pela disrupção tecnológica. Empresas, pressionadas por eficiência e redução de custos, substituem funções entry-level por inteligência artificial (IA) e algoritmos. Processos antes destinados a estagiários ou analistas juniores, como organização de dados ou atendimento básico, são cada vez mais automatizados. Especialistas concordam que, por hora, “as vagas iniciais são as mais vulneráveis à IA”. Isso cria um gargalo para quem busca a primeira experiência profissional.
Ao mesmo tempo, os próprios processos seletivos tornaram-se mais impessoais. Ferramentas como a Gupy e similares — plataforma de recrutamento que usa algoritmos para triagem de currículos — são criticadas em alguns fóruns por perpetuarem vieses ou excluírem candidatos por critérios pouco transparentes. Para jovens acostumados à interatividade das redes sociais, a falta de feedback humano durante a busca por emprego intensifica sentimentos de invisibilidade e inadequação.
Expectativas vs. realidade: o choque geracional
A Geração Z foi criada em um contexto de otimismo pós-Guerra Fria, com acesso a informações globais e discursos sobre diversidade e equidade. Seus integrantes esperam ambientes de trabalho horizontais, onde possam questionar processos arcaicos e contribuir com ideias inovadoras. No entanto, muitas organizações ainda operam sob modelos de comando e controle, com hierarquias rígidas e resistência a mudanças.
Tal dissonância gera conflitos. Jovens profissionais buscam feedback constante e crescimento acelerado — “querem ser promovidos em três meses”, como observado em diálogos frequentes em círculos gerenciais. Porém, eles esbarram em estruturas que valorizam experiência linear e senioridade, e na própria vida real, em que a experiência prática tem seu tempo para ser incorporada em capacitação profissional real. A ansiedade por progresso rápido, aliada à comparação constante com o que vivenciam nas redes sociais (“scrollar a carreira como se fosse o TikTok”), cria uma pressão interna para alcançar metas irreais que se choca frontalmente à realidade dos fatos, alimentando quadros de burnout e síndrome do impostor.
A Covid-19 aprofundou feridas. Jovens que entraram no mercado durante ou após a pandemia enfrentaram um mundo remoto e fragmentado, onde laços profissionais são construídos em meio a telas. A falta de mentoria presencial e a dificuldade de estabelecer conexões significativas impactaram o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, como resiliência e gestão de conflitos. Além disso, a crise sanitária escancarou desigualdades: enquanto alguns puderam trabalhar de casa, outros enfrentaram demissões em massa e precarização de seus empregos.
No Brasil, o legado da pandemia é visível nos dados de afastamentos. Psicólogos apontam que as cicatrizes emocionais do isolamento, somadas à instabilidade econômica, exacerbam transtornos como ansiedade e depressão. Profissionais da Geração Z, muitas vezes em empregos informais ou temporários, lidam com a falta de segurança financeira, que é um fator crítico para o adoecimento mental.
O papel das empresas e as novas regulações
Diante da crise, governos e organizações começam a agir. No Brasil, a atualização da Norma Regulamentadora NR-1, que define as diretrizes de segurança e saúde no trabalho, passa a exigir das empresas a identificação de riscos psicossociais e a implementação de medidas preventivas. A partir de maio de 2025, companhias poderão ser multadas se negligenciarem questões como assédio moral, carga excessiva de trabalho ou ambientes tóxicos (como esses fatos serão objetivamente medidos, e quais critérios qualificarão “ambientes tóxicos” ou “carga excessiva de trabalho” ainda é uma incógnita).
Em paralelo, algumas empresas respondem com iniciativas inovadoras e práticas bem interessantes de gestão para tentar minimizar o problema: Cultura ágil e squads multifuncionais: Grupos de trabalho colaborativos, com membros de diferentes gerações, visam integrar a criatividade da Geração Z à experiência de profissionais mais antigos. Inclusão em níveis estratégicos: Multinacionais inserem jovens em conselhos administrativos, garantindo que suas perspectivas influenciem decisões estratégicas e visando à sustentabilidade de longo prazo do business. Well-being Tech: Ferramentas de IA são usadas para monitorar sinais de estresse e oferecer suporte psicológico, embora críticos alertem para a desumanização desses processos.
O paradoxo da IA: entre a ameaça e a oportunidade
A inteligência artificial é tanto vilã quanto aliada. Se, por um lado, substitui vagas iniciais, por outro, oferece caminhos para otimizar a saúde mental. Plataformas de feedback contínuo, baseadas em IA, ajudam gestores a identificar burnout precocemente - enquanto chatbots de saúde mental fornecem suporte imediato. Para a Geração Z, acostumada à interação digital, essas ferramentas podem ser menos estigmatizantes do que abordagens tradicionais.
Contudo, o desafio é equilibrar tecnologia e humanização. Jovens profissionais valorizam autenticidade e propósito — algo que algoritmos não replicam. Empresas que investem em treinamento de líderes para uma gestão empática, combinado ao uso ético de IA, tendem a construir ambientes mais saudáveis.
A saúde mental da Geração Z não é um problema individual, mas sistêmico. Requer políticas públicas que garantam acesso a emprego digno, empresas dispostas a repensar culturas tóxicas e uma sociedade que dialogue sobre expectativas realistas. Jovens precisam de espaços para desenvolver resiliência sem romantizar o hustle culture, enquanto organizações devem reconhecer que inovação e lucratividade dependem de ambientes psicologicamente seguros.
Portanto, incluir a Geração Z não é apenas uma questão ética, mas estratégica. Os jovens são os consumidores e líderes do futuro, e sua saúde mental definirá o sucesso coletivo em um mundo cada vez mais complexo. Enquanto governos ampliam regulações e empresas testam novos modelos, o diálogo intergeracional permanece a chave para transformar desafios estruturais em oportunidades sustentáveis e de interesse geral.
*Por Fernando Moulin, partner da Sponsorb.