Casa Ásia: uma viagem pelo grande continente, através de 400 peças

No interior da Casa Ásia, há uma colecção rara que percorre 14 países do maior dos continentes, numa viagem que atravessa o último milénio.

Mar 24, 2025 - 13:08
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Casa Ásia: uma viagem pelo grande continente, através de 400 peças
Casa Ásia: uma viagem pelo grande continente, através de 400 peças

As portas abriram em Abril do ano passado e com elas uma colecção que até então se encontrava longe dos olhos do público. Francisco Capelo é, na verdade, um nome familiar entre os lisboetas, pelo menos para os mais atentos. Homem da alta finança, ávido coleccionador e benemérito responsável pela Colecção Berardo como hoje a conhecemos, ganhou destaque em 2002, ano em que o município de Lisboa adquiriu a sua generosa colecção de design, acervo fundador do MUDE, que viria a inaugurar sete anos mais tarde.

Parece que, para Capelo, coleccionar é praticamente uma compulsão. Há cerca de 25 anos, durante uma viagem pelo continente asiático, não resistiu a um conjunto de 74 lacas birmanesas (entretanto, já expostas no Museu Nacional de Arte Antiga) e comprou-as de uma assentada. A história chega-nos numa nota introdutória deixada por Paulo Costa, técnico da casa, no arranque de uma visita guiada aberta ao público, à qual a Time Out se juntou.

Casa Ásia
Sofia Silva

As peças, expostas no segundo andar do edifício, numa sala dedicada ao actual Myanmar, foram o lançar da primeira pedra numa colecção hoje composta por mais de 1300 objectos e que continua a crescer. Dessas, cerca de 400 encontram-se expostos na Casa Ásia – Colecção Francisco Capelo, distribuídas por dois andares e 24 salas, organizadas em função da sua proveniência. São 14 os países representados através de artigos utilitários, do quotidiano, decorativos e de importância religiosa. O que a distingue de outras notáveis colecções de arte asiática expostas em Portugal? A diversidade, mas sobretudo o facto de estarmos perante um acervo de peças criadas por e para os povos asiáticos, logo, sem lugar para as conhecidas adaptações e encomendas que surgiram com o estabelecimento das rotas comerciais com o Ocidente. Um conjunto comparável ao do Museu Guimet, em Paris, de acordo com o guia.

Estamos num edifício do século XVII, comprado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa durante o mandato de Pedro Santana Lopes como provedor. O objectivo parece ter sido sempre a criação de um pólo cultural no Largo Trindade Coelho, onde se aglomeram a Igreja e o Museu de São Roque, o Arquivo Histórico e a Biblioteca da Santa Casa e o Convento de São Pedro de Alcântara, e ainda a Brotéria. As obras prepararam este antigo palácio para receber um museu onde muitas das peças exigem condições de conservação excepcionais.

E é com luz e temperatura controladas – e por entre a sobriedade do design expositivo de Filipe Alarcão – que aterramos no Japão. A par com a Tailândia, este é o núcleo mais extenso do museu e também o favorito do próprio coleccionador, que mantém o acervo de origem nipónica na sua posse, ao contrário de grande parte da restante colecção, que foi doada à Santa Casa. Ao longo de cinco salas, viajamos no tempo com a ajuda de cerâmicas imperfeitas – manifestações de uma cultura que valoriza (e enaltece até) o erro –, de lacas negoro (expressão japonesa que designa os objectos de uso quotidiano), de exuberantes biombos e da tradição têxtil, aqui representada num karaori, quimono utilizado em peças de teatro, bordado a seda e ouro.

Casa Ásia
Sofia Silva

A viagem de Francisco Capelo passa, naturalmente, pela China, onde a cerâmica é rainha e encontramos as primeiras peças anteriores ao ano zero. Na amostra, a delicadeza no trabalho do grés sobrepõe-se à própria porcelana. Os visitantes são ainda apresentados aos principais fornos chineses e ao Verde Celadon, tonalidade pálida, semelhante a jade, que se celebrizou na Europa do século XVII. O museu não quer ficar pelo circuito estático. Além das visitas guiadas que acontecem todas as terças, às 11.00, e quintas, às 15.00 (12€), por anunciar ficam as sessões de introdução à cerimónia do chá.

Depois de uma rápida passagem pela Coreia – região marcada pela dispersão do património, consequência da guerra entre Norte e Sul –, chegamos à Índia. Uma aterragem em grande, na presença de uma seda lampas, tecida com fio de prata e uma das quatro mais conhecidas no mundo, segundo o guia. Os têxteis são, na verdade, um dos maiores tesouros da cultura indiana. A diversidade de estampas e teares fazem desta sucessão de salas uma viagem por técnicas fascinantes, mas caídas em desuso.

A figura de Buda é uma constante ao longo do circuito do museu. Do exemplar japonês, deitado, oficialmente datado do século XII, às silhuetas esguias e verticais da estatuária tailandesa, ao longo dos séculos, o ícone central do budismo prestou-se às mais diversas representações. É precisamente da Tailândia que vem o mais raro dos exemplares – um Buda caminhante (por oposição a uma figura sempre estática), em bronze e ouro. Peça “extraordinária”, nas palavras de Paulo Costa.

Casa Ásia
Sofia Silva

Sri Lanka, Camboja, Vietname, Myanmar e Filipinas (com os únicos vestígios de cristianismo em exposição, lado a lado com elementos islâmicos e animísticos) são paragens que se sucedem. No final, um olhar sobre Timor, inserido num núcleo maioritariamente dedicado ao maior arquipélago do mundo, a Indonésia. As vitrines escuras abrem espaço para a joalharia e peças profusamente trabalhadas, algumas delas pesadas e maciças, ganham protagonismo. Parte da história deste enorme continente está aqui para ser descoberta – pelo próprio pé ou sob o olhar atento de um guia.

Largo Trindade Coelho, 22 (Bairro Alto). 21 323 5250. Ter-Dom 10.00-18.00. 8€ (gratuito aos domingos, até às 14.00, para residentes em Portugal)