'Careca do INSS': lobista destinou a servidores dinheiro de entidades investigadas por descontos ilegais de aposentados, diz PF

Antonio Carlos Camilo Antunes movimentou mais de R$ 24,5 milhões em cinco meses. Segundo investigação, ele recebia valores de associações investigadas pelos descontos irregulares. Lobista acusado de participar de desvios no INSS Reprodução A representação da Polícia Federal que levou à operação da última quinta-feira (24) sobre fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) indica que dinheiro descontado ilegalmente de aposentados e pensionistas pode ter sido desviado para servidores do próprio órgão. A figura central apontada pela PF nesse suposto esquema é o lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, de 61 anos. Ele é citado pela própria polícia, nos documentos a que a TV Globo teve acesso, como "Careca do INSS". Ele aparece no relatório como sócio de 21 empresas. Dessas, 19 foram criadas a partir de 2022 – e pelo menos quatro "estão envolvidas e são utilizadas na 'farra do INSS'", segundo a investigação. "Com efeito, verificou-se que as empresas de Antonio Carlos Camilo Antunes operaram como intermediárias financeiras para as entidades associativas e, em razão disso, receberam recursos de diversas associações que, em parte, foram destinados a servidores do INSS", diz trecho do documento. A Polícia Federal ainda aponta que parte das empresas de Antunes possuem personalidade jurídica "Sociedade de Propósito Específico (SPE)", que possibilita "blindar" quais são os verdadeiros sócios controladores. O g1 tenta contato com Antonio Carlos Antunes e com as demais pessoas citadas na reportagem. Organograma da PF mostra suposto esquema intricado de repasses ilegais no INSS Polícia Federal/Reprodução Segundo a Polícia Federal, Antunes repassou "valores" a: Thaisa Hoffmann Jonasson, mulher do procurador-geral do INSS Virgilio Antonio Ribeiro de Oliveira Filho – ele foi afastado do cargo na operação da última semana; Alexandre Guimarães, que foi diretor de Governança, Planejamento e Inovação do INSS no governo Jair Bolsonaro e deixou o cargo no início do governo Lula; Eric Douglas Martins Fidelis, advogado filho do ex-diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão do INSS André Paulo Félix Fidelis. Em nota, a advogada de Virgilio e Thaisa, Izabella Borges, disse que "não há o que ser declarado no momento" e que "a defesa não reconhece essas informações, eis que sequer teve acesso aos autos". Fraude no INSS: como descobrir se você foi uma vítima LEIA TAMBÉM Entenda o esquema de fraudes no INSS que resultou na demissão do presidente do órgão Entidades sem estrutura falsificavam assinaturas para 'associar' aposentados e descontar mensalidades Quem é Alessandro Stefanutto, presidente do INSS demitido após operação que apura desvios de até R$ 6 bilhões em benefícios Operação apreendeu Ferrari, relógios de luxo e obras de arte; veja lista A atuação do 'careca do INSS' De acordo com a Polícia Federal, Antônio Carlos declara sua ocupação profissional como "gerente" e renda mensal de R$ 24.458,23. As movimentações bancárias, no entanto, são declaradas como "muito superiores à sua hipotética renda". "Antônio Carlos realizava repasses no mesmo dia do recebimento, mantendo saldo pouco significativo disponível em conta, indicando possível urgência em dificultar o rastreamento dos valores", mostra o inquérito. Em uma única instituição financeira, ele movimentou R$ 4,27 milhões entre 1º de outubro e 2 de novembro de 2023. Em outra, foram registrados R$ 848,9 mil movimentados de 1º a 30 de setembro de 2023. Em uma terceira, R$ 7,12 milhões entre agosto de 2023 e fevereiro de 2024. Somando os seis bancos em que Antunes fez alguma movimentação, foram R$ 24,5 milhões transitados em pouco mais de cinco meses. "Observou-se também que Antônio Carlos 'realizava repasses no mesmo dia do recebimento, mantendo saldo pouco significativo disponível em conta, indicando possível urgência em dificultar o rastreamento dos valores'", segue a PF. Dentre várias das formas de atuação, a Polícia Federal também aponta que Antunes era o procurador com "total poderes" de várias das associações investigadas. Uma delasera a Associação de Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec), cuja presidente, à época, tinha 69 anos e era "aposentada por incapacidade permanente desde 2008". Todas as presidentes seguintes da Ambec também eram mulheres idosas e são classificadas pela auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) como "dirigentes e/ou administradores com perfis incompatíveis". “Associações que possuem presidentes com idade avançada, o que poderia comprometer suas ações à frente da entidade, beneficiários de aposentadoria por incapacidade permanente e/ou sem experiência empregatícia formal, o que pode indicar eventual comprometimento da capacidade para gerenciamento das entidades”, apontou a CGU. E no período investigado, a Polícia Federal identificou que a associação enviou R$ 11 milhões para uma das empresas de Antunes. Do momento em que Antunes assumiu como procurador da associação até hoje, a Ambec recebeu mais de R$

Abr 29, 2025 - 01:12
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'Careca do INSS': lobista destinou a servidores dinheiro de entidades investigadas por descontos ilegais de aposentados, diz PF

Antonio Carlos Camilo Antunes movimentou mais de R$ 24,5 milhões em cinco meses. Segundo investigação, ele recebia valores de associações investigadas pelos descontos irregulares. Lobista acusado de participar de desvios no INSS Reprodução A representação da Polícia Federal que levou à operação da última quinta-feira (24) sobre fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) indica que dinheiro descontado ilegalmente de aposentados e pensionistas pode ter sido desviado para servidores do próprio órgão. A figura central apontada pela PF nesse suposto esquema é o lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, de 61 anos. Ele é citado pela própria polícia, nos documentos a que a TV Globo teve acesso, como "Careca do INSS". Ele aparece no relatório como sócio de 21 empresas. Dessas, 19 foram criadas a partir de 2022 – e pelo menos quatro "estão envolvidas e são utilizadas na 'farra do INSS'", segundo a investigação. "Com efeito, verificou-se que as empresas de Antonio Carlos Camilo Antunes operaram como intermediárias financeiras para as entidades associativas e, em razão disso, receberam recursos de diversas associações que, em parte, foram destinados a servidores do INSS", diz trecho do documento. A Polícia Federal ainda aponta que parte das empresas de Antunes possuem personalidade jurídica "Sociedade de Propósito Específico (SPE)", que possibilita "blindar" quais são os verdadeiros sócios controladores. O g1 tenta contato com Antonio Carlos Antunes e com as demais pessoas citadas na reportagem. Organograma da PF mostra suposto esquema intricado de repasses ilegais no INSS Polícia Federal/Reprodução Segundo a Polícia Federal, Antunes repassou "valores" a: Thaisa Hoffmann Jonasson, mulher do procurador-geral do INSS Virgilio Antonio Ribeiro de Oliveira Filho – ele foi afastado do cargo na operação da última semana; Alexandre Guimarães, que foi diretor de Governança, Planejamento e Inovação do INSS no governo Jair Bolsonaro e deixou o cargo no início do governo Lula; Eric Douglas Martins Fidelis, advogado filho do ex-diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão do INSS André Paulo Félix Fidelis. Em nota, a advogada de Virgilio e Thaisa, Izabella Borges, disse que "não há o que ser declarado no momento" e que "a defesa não reconhece essas informações, eis que sequer teve acesso aos autos". Fraude no INSS: como descobrir se você foi uma vítima LEIA TAMBÉM Entenda o esquema de fraudes no INSS que resultou na demissão do presidente do órgão Entidades sem estrutura falsificavam assinaturas para 'associar' aposentados e descontar mensalidades Quem é Alessandro Stefanutto, presidente do INSS demitido após operação que apura desvios de até R$ 6 bilhões em benefícios Operação apreendeu Ferrari, relógios de luxo e obras de arte; veja lista A atuação do 'careca do INSS' De acordo com a Polícia Federal, Antônio Carlos declara sua ocupação profissional como "gerente" e renda mensal de R$ 24.458,23. As movimentações bancárias, no entanto, são declaradas como "muito superiores à sua hipotética renda". "Antônio Carlos realizava repasses no mesmo dia do recebimento, mantendo saldo pouco significativo disponível em conta, indicando possível urgência em dificultar o rastreamento dos valores", mostra o inquérito. Em uma única instituição financeira, ele movimentou R$ 4,27 milhões entre 1º de outubro e 2 de novembro de 2023. Em outra, foram registrados R$ 848,9 mil movimentados de 1º a 30 de setembro de 2023. Em uma terceira, R$ 7,12 milhões entre agosto de 2023 e fevereiro de 2024. Somando os seis bancos em que Antunes fez alguma movimentação, foram R$ 24,5 milhões transitados em pouco mais de cinco meses. "Observou-se também que Antônio Carlos 'realizava repasses no mesmo dia do recebimento, mantendo saldo pouco significativo disponível em conta, indicando possível urgência em dificultar o rastreamento dos valores'", segue a PF. Dentre várias das formas de atuação, a Polícia Federal também aponta que Antunes era o procurador com "total poderes" de várias das associações investigadas. Uma delasera a Associação de Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec), cuja presidente, à época, tinha 69 anos e era "aposentada por incapacidade permanente desde 2008". Todas as presidentes seguintes da Ambec também eram mulheres idosas e são classificadas pela auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) como "dirigentes e/ou administradores com perfis incompatíveis". “Associações que possuem presidentes com idade avançada, o que poderia comprometer suas ações à frente da entidade, beneficiários de aposentadoria por incapacidade permanente e/ou sem experiência empregatícia formal, o que pode indicar eventual comprometimento da capacidade para gerenciamento das entidades”, apontou a CGU. E no período investigado, a Polícia Federal identificou que a associação enviou R$ 11 milhões para uma das empresas de Antunes. Do momento em que Antunes assumiu como procurador da associação até hoje, a Ambec recebeu mais de R$ 492 milhões a partir de descontos realizados nas aposentadorias de idosos e pensionistas. O valor saiu de R$ 1,2 milhão por mês, em abril de 2022, para R$ 20,2 milhões. Governo promete devolver dinheiro de fraude no INSS Relação com ex-servidores Antunes ainda é apontado pela Polícia Federal como tendo relações com ex-servidores do INSS, André Fidelis e Virgílio de Oliveira Filho, que foram demitidos após a operação da semana passada. A investigação também aponta relação com o ex-diretor de Governança, Planejamento e Inovação do INSS, Alexandre Guimarães. A polícia entende que Antunes recebia informações privilegiadas dos ex-servidores, como dados cadastrais de aposentados e pensionistas, e as utilizava para registrar os descontos indevidos diretamente no contra-cheque dos beneficiários. Essa ação era possível graças aos Acordo de Cooperação Técnica (ACTs) assinados pelas associações com o INSS, que diminuem a burocracia no processo permitindo que os descontos fossem processados sem a necessidade de analise pelos órgãos públicos. "i) os operadores financeiros são encarregados, pelas entidades associativas, de realizar o pagamento de vantagem indevida aos servidores do INSS; e ii) os servidores do INSS, em razão de sua função, ainda que fora dela, receberam, direta ou indiretamente, vantagem indevida desses operadores financeiros identificados", afirma o inquérito. Engenharia financeira A investigação também mostra que Antonio Carlos redistribuia os valores indevidos repassados pelas associações em várias contas bancárias de empresas diferentes como forma de dificultar a rastreablidade do dinheiro. Num período de nove meses as empresas de Antonio movimentaram entre si mais de R$ 49 milhões. E a polícia aponta que a "Arpar Administração, Participação e Empreendimento S/A" era a principal empresa usada para transferir os recursos recebidos para contas de terceiros. Exclusivo: o ministro da Previdência foi alertado sobre denúncias de fraudes a aposentados Lupi foi alertado um ano antes Reportagem exclusiva do Jornal Nacional, da TV Globo, revelou que o ministro foi alertado sobre o aumento de descontos não autorizados nas aposentadorias e pensões em 2023 e levou quase um ano para tomar as primeiras providências. Lupi foi o responsável pela indicação de Alessandro Stefanutto, que foi afastado e demitido da presidência do INSS na semana passada, após a operação da PF em conjunto com a CGU. Stefanutto estava à frente do INSS desde julho de 2023. Outra incompatibilidade com a renda de Antunes foi identificada nas Ilhas Virgens Britânicas, onde ele é procurador de uma empresa, que adquiriu quatro imóveis em São Paulo e Brasília, com um custo total de R$ 11 milhões. Num período inferior a cinco meses, Antunes gastou R$ 14 milhões na aquisição de cinco imóveis. Junto com a esposa, ele ainda comprou uma casa R$ 3 milhões no Lago Sul, em Brasília.