Brilha em Marrocos e admite regresso a Portugal: "Terei todo o interesse"

Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, Rui Almeida faz um balanço sobre o que tem sido a carreira de sucesso no campeonato marroquino e não fecha a porta a uma nova aventura na próxima temporada.

Mar 28, 2025 - 09:28
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Brilha em Marrocos e admite regresso a Portugal: "Terei todo o interesse"

Rui Almeida vive uma nova aventura na sua carreira. Depois de ter começado a época na Arábia Saudita, onde esteve cinco jogos ao serviço do Al-Batin, o técnico foi despedido do emblema árabe e regressou ao ativo no início do ano civil de 2025.

 

O técnico de 55 anos, que foi adjunto de Jesualdo Ferreira antes de rumar a carreira a solo, mudou-se de armas e bagagens para Marrocos para orientar o Difaa El Jadidi. A experiência não podia estar a correr da melhor maneira. Ao cabo de seis jogos disputados, Rui Almeida levou a equipa ao nono lugar da tabela e sem sofrer derrotas desde que começou a liderar a equipa técnica do conjunto marroquino.

Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, Rui Almeida fez um balanço sobre como tem corrido esta experiência neste país do Magrebe, no qual destaca a grande qualidade dos futebolistas, e não descarta voltar a Portugal num futuro próximo.

Marrocos? O nível de futebol, que é elevado, não me surpreende

Como é que têm vivido a experiência em Marrocos? Está aí há cerca de dois meses e tem sido um período bastante positivo até agora...

Felizmente bem, em termos de resultados. No futebol, muitas vezes, não se olha muito ao processo e olha-se só aos resultados. Não temos derrotas. Passámos de uma situação um bocadinho mais baixa na classificação para estarmos a três pontos do sexto classificado neste momento, o que é ótimo. Avançámos na Taça, estamos no 16 avos e agora vamos jogar essa eliminatória no fim de semana.

E Marrocos têm-no surpreendido neste curto espaço de tempo?

Eu já tinha jogado em Marrocos com o Zamalek para as competições internacionais. O nível de futebol, que é elevado, não me surpreende. Marrocos, a par do Egito, normalmente são as maiores potências de África em termos de futebol. E não é uma coincidência também que tenha sido atribuído o Mundial'2030 a Marrocos, a par de Portugal e Espanha. É uma liga competitiva, com qualidade e com jogadores de elevada qualidade. Mas não me surpreende. Até pelos meus sete anos em França, em que tive vários jogadores marroquinos e todos eles de enorme qualidade. A Liga vai crescer muito. Estão a ser construídos cinco ou seis novos estádios. Todo o resto do país é desenvolvido.

Do ponto de vista do clube, qual é que foi o primeiro impacto que teve quando aí chegou?

O clube caiu no ano passado na segunda liga, algo inédito na sua história. O Jadida tem estado permanentemente na primeira Liga. É um clube que há três anos disputou a Liga dos Campeões africana. Costuma ficar sempre nos primeiros seis classificados. Sofreu um bocadinho com a despromoção, mas tem história de ficar sempre no top6, no top 8, no máximo dos máximos. É um clube em transformação e que pediu a minha ajuda em termos de trabalho e de classificação. Queriam estabilizá-lo e isso foi feito o mais rapidamente possível. Neste momento dependemos só de nós próprios.

Notícias ao Minuto Rui Almeida leva seis jogos em Marrocos e ainda não perdeu nenhum.© Reprodução  

Como foi esse primeiro embate com o futebol em Marrocos? Treinou recentemente o JS Kabylie na Argélia...

A Argélia faz fronteira com Marrocos, mas tem um futebol muito diferente. A qualidade da Liga em Marrocos é bastante superior e estive no JS Kabylie que é o clube com mais títulos na Argélia. Marrocos tem um campeonato diferente, mais forte, mais competitivo e com jogadores de melhor qualidade. Não há só dois ou três candidatos ao título, há seis candidatos ao título, mais de três ou quatro equipas que disputam aquelas outras duas posições. No início claro que há alguma adaptação, mesmo para alguém que já conhece o mundo árabe e que fala francês. Há sempre uma adaptação, mas é algo mais leve.

A resposta dos jogadores surpreendeu-o neste curto espaço de tempo?

Não diria que é uma surpresa. Antes de ter aceitado este convite, olhei para muitos jogos para ver se realmente o plantel tinha qualidade para fazer algo. E foi isso que me vou aceitar. Depois, eu sabia a qualidade da Liga e tinha essa curiosidade de poder trabalhar em Marrocos. E surgiu a oportunidade. Também essa questão do Mundial e da evolução que vai acontecer em breve trouxe-me essa curiosidade.

Ramadão? Em Marrocos treinamos à noite. Acabamos muitos treinos à meia-noite.

Estamos a viver em plena época do Ramadão, que termina dentro de dias. Como é que isso tem afetado o seu trabalho?

Já passei vários Ramadões, não só no Médio Oriente, mas também em França. Já tive dois ou três jogadores a fazer o Ramadão e também seis ou sete em França. Aqui, a adaptação é maior. Em França, por exemplo, nunca alterávamos o horário do treino. O treino era de manhã ou tarde, mas os jogadores é que se adaptavam. Em Marrocos treinamos à noite. Há uma adaptação a este momento particular da época, que exige, naturalmente, um esforço da nossa parte.

Não estamos habituados a este ponto quando estamos em clubes europeus, onde eu passei muita parte da minha vida. Mas quem vem para o Médio Oriente e nunca passou por isto vai exigir adaptação pelo horário do treino, pelas orações que eles querem fazer. Isto tudo é adaptável e faz parte de nós adaptarmo-nos a isto, sabendo o esforço feito por eles. Há treinos que são feitos antes deles quebrarem o jejum deles. Há também treinos bi-diários e não alteramos nada, em que treinamos antes do jejum e depois à noite. Acabamos muitos treinos à meia-noite.

Este sábado tem um jogo da Taça de Marrocos diante do CR Khemis Zemamra. O objetivo é fazer uma boa prestação nesta prova?

O objetivo no campeonato é ficar o mais acima possível. Podemos escalar por aquela tabela classificativa o máximo possível. Na Taça vai ser jogo a jogo para podermos chegar o mais longe possível. Sabemos que faltam quatro jogos para a final. Queremos ganhar o jogo do próximo sábado contra o Zemamra para avançar.

Notícias ao Minuto Rui Almeida chegou a Marrocos no final de janeiro deste ano© Reprodução  

Falou aí do objetivo no campeonato. Com cinco jogos pela frente até ao final, vai lutar para terminar o mais acima possível na tabela?

Sim, acima de tudo porque essa é a história do clube. Quando eu cheguei há sete jogos, o clube não estava preocupado com isso, queria outros objetivos. Neste momento, e estando quase matematicamente resolvidos na classificação, estamos a três pontos do sexto lugar. É olhar para cima, fazer o nosso trabalho e ganhar os jogos. Depois logo se vê como é que os adversários vão fazer. Vamos ter jogos contra adversários diretos, nomeadamente o Raja Casablanca e o FUS Rabat que estão acima de nós. Vamos jogar ainda com o Berkane, que já ganhou o título esta época. Mas é olhar jogo a jogo. O próximo jogo é da Taça. Depois vamos tentar chegar o mais rapidamente possível aos sexto lugar e logo veremos se é possível ou não subir mais.

O Rui, dada a carreira que tem feito, é um treinador sem medo de apostar na formação. Qual a sua opinião sobre a formação em Marrocos?

Não tenho 100% do conhecimento total. Sei que, neste momento, Marrocos tem uma particularidade. A Federação tem uma série de diretores técnicos em clubes e depois tem diretores regionais. Por exemplo, o meu clube, neste momento, tem um diretor técnico que é o Pedro Santos, que estava no Rio Ave, e que coordena toda a formação. A Federação está muito atenta a isto. Depois tem uma academia própria que engloba tosos os escalões de formação até aos sub-19. É patente a qualidade do jogador marroquino não só localmente, mas a nível mundial. Há jogadores marroquinos em quase todos os campeonatos europeus. 

De onde é que vem essa qualidade do jogador? Daquilo que deixou de haver em Portugal e tem havido muita conversa sobre isso. Há verdadeiramente jogo de rua em Marrocos. Os miúdos jogam em qualquer lado. Passam em qualquer lado de Marrocos e os miúdos estão a jogar. Na praia, na estrada, no jardim, eles estão a jogar a futebol. Nós quase deixámos de ver isso em Portugal. Aqui há verdadeiramente futebol de rua. Todos os miúdos são tecnicamente evoluídos, intensos, agressivos, porque eles jogaram na estrada, jogaram descalços e andaram a jogar 2 contra 2, 3 contra 3, a vida inteira. Há um potencial enorme de crianças. Depois, eles estão a organizar-se em termos de formação, estão a trazer pessoas do estrangeiro para os ajudar a formar esses miúdos que têm uma qualidade já um bocadinho inata. Estão a educá-los para crescerem como melhores jogadores.

Olhamos para a seleção marroquina e vemos que acontece por lá o que acontece em muitas equipas europeias

Não é descabido, portanto, que daqui a uns anos vejamos a seleção de Marrocos com grande percentagem de jogadores convocados e a jogar no campeonato local?

Marrocos tem uma particularidade, que acontece com alguns países aqui no Magrebe, que é a de alguns jogadores já terem nascido na Europa, como em França ou noutros países. O jogador local tem muitas vezes tem essa dificuldade. Tem a concorrência de um jogador que já cresceu na Academia do AS Monaco, do Rennes ou outras. Aí a evolução é muito elevada. Há também um número elevado de jogadores. Olhamos para a seleção marroquina e vemos que acontece por lá o que acontece em muitas equipas europeias. Os titulares, na sua grande maioria, jogam no estrangeiro e não na Liga nacional. Eu diria que, neste momento, Marrocos teria duas equipas e faria uma equipa competitiva com os jogadores locais também.

O Rui tem contrato até final de época com o El Jadida. Pretende continuar em Marrocos para lá do fim desta temporada?

Eu aceitei este convite com o objetivo de abrir portas, no sentido de conhecer e ser competitivo aqui também até porque já tinha um passado no mundo árabe. E, de repente, naturalmente, os resultados trazem interesse. Como não tive derrotas até hoje e tenho tido resultados interessantes, tem surgido o interesse. Eu não fecho portas a mercado nenhum, nomeadamente ao mercado europeu Estou atento, vou aguardar, vou fechar a época e depois decidir o que vai ser melhor. Mas não fecho portas a nenhum mercado, seja europeu, seja de outro país ou continente.

Notícias ao Minuto Rui Almeida esteve na Argélia em 2023/24 e começou a época 2024/25 na Arábia Saudita© Reprodução  

Está fora do futebol português desde 2020, quando foi despedido do Gil Vicente. Há planos para regressar a Portugal num futuro próximo?

Há sempre planos. Sou um treinador internacional, naturalmente, pelas minhas experiências internacionais, marcadamente em França. Mas Portugal não deixa de ser o meu país. Se surgir um convite que me traga a ambição dentro daquilo que eu procuro na minha carreira nesse momento, sem dúvida que vou analisar essa situação. Essa hipótese é sempre válida, mais que válida. Porque é o meu país e o futebol e a Liga portuguesa são muito competitivos. Terei todo o interesse em regressar também.

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