Brasileiro não recorre ao atendimento básico de saúde
Levantamento mostra que 62% dos cidadãos evitaram os postos para se consultarem sobre problemas de menor complexidade. Entre os motivos, destacam-se a demora e a burocracia no atendimento, além da automedicação

Fernanda Ghazali*
Aproximadamente 62% dos brasileiros que precisaram de atendimento na Atenção Primária à Saúde (APS), em 2024, não buscaram ajuda. É o que mostra uma pesquisa, divulgada ontem, que aponta como principais razões a superlotação e a demora no atendimento (46,9%), a burocracia no processo de encaminhamento (39,2%), o hábito de automedicação (35,1%) e a crença de que o problema de saúde não era grave (34,6%).
Desenvolvida pela organização Vital Strategies e pela Umane — com colaboração técnica da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e apoio do Instituto Devive e da iniciativa Resolve to Save Lives —, especialistas envolvidos no levantamento salientam que os dados escancaram a urgência de investimentos e melhorias estruturais no setor. "Como porta de entrada do SUS e em seu papel de ordenadora do cuidado, a Atenção Primária à Saúde deve estar organizada de modo a garantir que a maioria das questões de saúde da população sejam preveníveis e tratáveis, sem que evoluam para quadros mais complexos", avalia Thais Junqueira, superintendente-geral da Umane.
Outro dado preocupante apontado pelo estudo é que, mesmo entre aqueles que buscaram atendimento nos últimos 12 meses, 40,5% não conseguiram realizar a consulta desejada. Os principais obstáculos relatados aos pesquisadores incluem o tempo de espera considerado excessivo (62,1%), a ausência de equipamentos necessários (34,4%), a falta de profissionais capacitados (30,5%) e a baixa qualidade do atendimento prestado (29%).
A percepção da população em relação à última consulta, seja em serviços públicos ou privados, também foi tema da pesquisa. Em seis dos oito aspectos avaliados, os índices foram considerados positivos. O respeito à privacidade do paciente e à confidencialidade dos dados foi o item mais bem pontuado (79,2%). Também se destacaram a clareza das explicações dadas pelos profissionais (75,1%) e a confiança neles depositada (67,8%).
Encaminhamento
Em contrapartida, o tempo de espera e a facilidade de encaminhamento ainda são, respectivamente, os principais pontos negativos, com avaliações insatisfatórias de 57,6% e 51,5% entre aqueles que responderam à sondagem. "Os dados mostram que, embora muitos usuários relatem experiências satisfatórias nas consultas, persistem barreiras estruturais importantes que comprometem o acesso e a efetividade da atenção primária", analisa Luciana Sardinha, diretora adjunta de Doenças Crônicas Não Transmissíveis da Vital Strategies.
"Um ponto a se observar é que a atenção primária tem um custo menor, a pessoa usa para prevenir a doença ou promover a saúde e não para uma recuperação mais avançada. Essas questões podem retardar o tratamento. As pessoas podem deixar de buscar o serviço e só ir atrás quando o problema já estiver muito maior", acrescenta Luciana.
A pesquisa é baseada em entrevistas realizadas entre agosto e setembro de 2024 com 2.458 brasileiros, e inclui tanto usuários da rede privada quanto da rede pública. A coleta das informações foi feita digitalmente — por meio de anúncios veiculados na internet. Isso permitiu reunir uma amostra nacional em apenas 14 dias, com rapidez e custo reduzido.
Segundo Pedro de Paula, diretor executivo da Vital Strategies, o formato metodológico tem potencial para ser replicado em estudos futuros. "Esse modelo pode ser extremamente útil em situações emergenciais, como epidemias, em que respostas rápidas são cruciais. Ele oferece dados relevantes que podem embasar decisões estratégicas e contribuir para o aprimoramento das políticas públicas de saúde", salienta. (Com Agência Estado)
*Estagiária sob a supervisão de Fabio GrecchiSaiba Mais