Distribuição de 97 peças do Novo Banco por museus terminou. Mas 'jóia da coroa' fica no cofre

Há sete anos, chegou a falar-se da ida das mais de 1000 fotografias adquiridas pelo Novo Banco para Coimbra. Mas a colecção milionária mantém-se numa cave da Praça do Marquês de Pombal. E é visitável.

Abr 26, 2025 - 12:53
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Distribuição de 97 peças do Novo Banco por museus terminou. Mas 'jóia da coroa' fica no cofre
Distribuição de 97 peças do Novo Banco por museus terminou. Mas 'jóia da coroa' fica no cofre

Este artigo foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 672 — Inverno 2025

É uma cave com sistema de refrigeração e de regulação de humidade, uma estrutura de arquivo exemplar e, o mais importante, o local onde está a maior e mais valiosa colecção de fotografia contemporânea do país – e uma das mais importantes da Europa. Nas gavetas que guardam as perto de 1000 fotografias do Novo Banco (BES, na altura em que a colecção se montou), há Cindy Sherman (autora de um auto-retrato vendido por 3,89 milhões de dólares), Andreas Gursky (que assina terceira fotografia mais cara da história), Marina Abramović, Hiroshi Sugimoto ou os portugueses Paulo Nozolino, Edgar Martins e Pedro Cabrita Reis.

Com o fim do BES, em 2014, e a compra do Novo Banco (NB) pelo fundo de investimento Lone Star, o acervo artístico avaliado em mais de 50 milhões de euros (fotografia incluída) passou para o grupo americano. Quatro anos depois, o Ministério da Cultura e o NB assinaram um protocolo de cedência de 97 obras para museus nacionais. A distribuição foi feita, com o Museu Soares dos Reis, no Porto, a ser a última instituição a receber peças, há poucos meses. O saldo actual são “obras em 42 museus do país, em todos os distritos, 95% pintura”, informa o director de comunicação do banco, Paulo Tomé.

 

Visita guiada ao acervo, com Alexandra Conde
Rita ChantreVisita guiada ao acervo, com Alexandra Conde

 

Mas a fotografia, a "jóia da coroa" da colecção, como lhe chegou a chamar o então primeiro-ministro António Costa, ficou de fora do acordo. “As pinturas não obedeciam a uma lógica de colecção, e têm de estar expostas. A fotografia é outra coisa, completamente diferente. Mas não pomos entraves à saída temporária de obras do acervo”, continua Paulo Tomé. No espaço Fidelidade Arte (antigo Chiado 8), no Largo do Chiado, por exemplo, pode ver-se até 2 de Maio "Car Radios Photographed while Good Music Was Playing", o trabalho realizado por Hans-Peter Feldmann entre 1970 e 1999 em torno das memórias (e da nostalgia) construídas sobre a música que ouvimos no carro.

Acervo de fotografia do Novo Banco
Rita ChantreAcervo de fotografia do Novo Banco

Todos os anos, há “entre sete e dez saídas” de obras para instituições culturais estrangeiras ou nacionais, como a Fundação Serralves ou o Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT). Também o cofre-forte, onde se guardam as fotografias de mais de 300 artistas, é visitável sob marcação e a orientação da curadora Alexandra Conde, de segunda a sexta-feira, entre as 09.00 e as 17.00. “Estarão sempre aqui umas 800 obras, as outras vão rodando”, dá conta a responsável. 

Já na sala ao lado, acontecem exposições de longa duração (também conferências e masterclasses, pouco divulgadas), abertas ao público. “Des Américains II”, de Andres Serrano, é a actual. E estas são as formas de se aceder à colecção de fotografia mais importante do país. Talvez merecesse mais. “Não há muitos espaços disponíveis para receber grandes exposições em Portugal. Temos muita pena”, justificam e lamentam Alexandra Conde e Paulo Tomé.

Da ida para Coimbra ao fim do grande prémio

Em 2018, chegou a falar-se (e a garantir-se) da ida da colecção de fotografia, na íntegra, para o Convento de São Francisco, em Coimbra, numa tentativa de valorizar a tal “jóia da coroa” do espólio do NB. Mas “o espaço não tinha condições”, assegura Paulo Tomé.

Também os importantes prémios de fotografia do antigo banco ficaram em banho-maria. Apenas em 2024, após uma pausa iniciada na pandemia, deu-se o regresso do prémio de fotografia Novo Banco Revelação, em colaboração com a Fundação de Serralves. Já o BESPhoto, que entre 2005 e 2016 inaugurou exposições de fotografia contemporânea de grande relevo, de artistas como Helena Almeida, Daniel Blaufuks ou Pauliana Valente Pimentel (no ainda Museu Berardo) e que se assumia como um dos momentos altos da fotografia em Lisboa, não voltará.

Acervo de fotografia do Novo Banco
Rita ChantreAcervo de fotografia do Novo Banco

Embora o número nunca tenha sido confirmado, um artigo do Expresso de 2010 referia um investimento de um milhão de euros por ano em arte contemporânea por parte do então BES, com a fotografia à cabeça. A última fotografia a entrar para a colecção milionária, em 2014, é da autoria do americano Mike Kelley. Faz parte de um dos tesouros mais escondidos, que merece ser visitado. Mesmo enquanto acervo, em gavetas deslizáveis.

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