As horas antes do conclave: preces, sermões e sorteios de quartos

A rua Borgo Pio, nas imediações do Vaticano, concentra uma série de restaurantes frequentados pela alta cúpula da Cúria Romana em períodos de efervescência, como são os dias que antecedem o conclave de um papa. Mas quem espera encontrar cardeais brasileiros flanando por lá não terá sucesso. A rotina dos dons Odilo Scherer, Orani Tempesta, Jaime Spengler, Paulo Cezar Costa, Sergio da Rocha, Raymundo Damasceno e Leonardo Steiner é mais austera e não contempla carbonaras regadas a taças de Chianti em um dos lugares mais movimentados de Roma. Dom João Braz de Aviz é o único que vive no Vaticano e eventualmente pode ser observado nas imediações. O restante entra e sai de vans que os levam das missas nas basílicas e do salão Sinodal, dentro do Vaticano, até o Colégio Pio Brasileiro, residência de religiosos católicos do país que vão a Roma para estudar. Na segunda-feira, 5, dois dias antes do início do conclave, seis cardeais regressaram ao colégio depois de um estafante dia de debates. Estiveram nas duas congregações gerais que ocorreram — uma de manhã e outra à tarde. Esse nome é dado às doze reuniões que antecederam o conclave, em que os cardeais — votantes e não votantes — falaram sobre o que pensam dos rumos da igreja católica. Suas palavras costumam estar empacotadas em orações e doutrinas. Para quem sabe ler as entrelinhas de uma encíclica, indicam o que os religiosos desejam para o futuro pontificado. A última congregação ocorreu na manhã de hoje. Em seu discurso nas congregações gerais, em 2013, Francisco havia dito que “a Igreja é chamada a sair de si mesma e a ir às periferias, não apenas geográficas, mas também existenciais”, o que acabou se tornando a epígrafe de seus anos como papa. The post As horas antes do conclave: preces, sermões e sorteios de quartos first appeared on revista piauí.

Mai 6, 2025 - 17:52
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As horas antes do conclave: preces, sermões e sorteios de quartos

A rua Borgo Pio, nas imediações do Vaticano, concentra uma série de restaurantes frequentados pela alta cúpula da Cúria Romana em períodos de efervescência, como são os dias que antecedem o conclave de um papa. Mas quem espera encontrar cardeais brasileiros flanando por lá não terá sucesso. A rotina dos dons Odilo Scherer, Orani Tempesta, Jaime Spengler, Paulo Cezar Costa, Sergio da Rocha, Raymundo Damasceno e Leonardo Steiner é mais austera e não contempla carbonaras regadas a taças de Chianti em um dos lugares mais movimentados de Roma. Dom João Braz de Aviz é o único que vive no Vaticano e eventualmente pode ser observado nas imediações. O restante entra e sai de vans que os levam das missas nas basílicas e do salão Sinodal, dentro do Vaticano, até o Colégio Pio Brasileiro, residência de religiosos católicos do país que vão a Roma para estudar.

Na segunda-feira, 5, dois dias antes do início do conclave, seis cardeais regressaram ao colégio depois de um estafante dia de debates. Estiveram nas duas congregações gerais que ocorreram — uma de manhã e outra à tarde. Esse nome é dado às doze reuniões que antecederam o conclave, em que os cardeais — votantes e não votantes — falaram sobre o que pensam dos rumos da igreja católica. Suas palavras costumam estar empacotadas em orações e doutrinas. Para quem sabe ler as entrelinhas de uma encíclica, indicam o que os religiosos desejam para o futuro pontificado. A última congregação ocorreu na manhã de hoje. Em seu discurso nas congregações gerais, em 2013, Francisco havia dito que “a Igreja é chamada a sair de si mesma e a ir às periferias, não apenas geográficas, mas também existenciais”, o que acabou se tornando a epígrafe de seus anos como papa.

Como muitos desejam falar e nem todos respeitam o limite de tempo, de até sete minutos, houve quem não tenha conseguido se expressar até a segunda-feira. Era o caso de dom Sergio. Segundo o monsenhor Valdir Cândido de Morais, reitor do colégio, o cardeal estava com seu discurso pronto por alguns dias e ainda não havia chegado a sua vez. “Ele comentou que talvez já não houvesse mais o que dizer, embora sempre haja algo a se dizer”, diz o padre. Dom Sergio, assim como os colegas Orani, Paulo Cezar, Leonardo e Jaime, vive o seu primeiro conclave. Até o domingo, havia um compromisso adicional na agenda dos cardeais: as missas diárias dos nove dias de luto pela morte de Francisco, chamadas de “novemdiales” (ou Nove Dias Santos), e que acontecem na Basílica de São Pedro.

 

Às 19h30, duas vans chegaram trazendo de volta os exauridos cardeais — dom Orani não veio na van, e sim num carro com motorista, que, segundo um dos padres, pertence ao próprio colégio. Iriam jantar no refeitório do local e dormir cedo. Para hoje, véspera do conclave, estavam agendadas mais congregações e, no fim do dia, a ida aos aposentos que cada um terá na Casa Santa Marta, onde ficarão enclausurados durante o conclave. Eles haviam recebido naquele dia o resultado do sorteio de quartos. Como a área reformada da Casa tem pouco mais de 100 apartamentos, alguns teriam de ser alojados na parte antiga. Para que nenhum papável se sentisse desprestigiado pela burocracia da Cúria, houve sorteio.

O arcebispo emérito de Aparecida, dom Damasceno, do alto de seus 88 anos, preferiu passar a segunda-feira descansando no colégio e não compareceu às congregações. Em razão da idade, ele já não vota. Mas, dada a sua experiência, sempre é consultado pelos novatos sobre o funcionamento do conclave. Segundo Morais, Dom Paulo Cezar, arcebispo de Brasília, recentemente recorreu a Damasceno. “Ele queria saber como era o ritual dentro da Capela Sistina, a questão do registro do voto, se tem de ser por escrito mesmo. Aí o dom Paulo até brincou: ‘e se o nome for muito difícil?’”, conta o padre.

 

Enclausurados, os cardeais não poderão ter contato com o mundo exterior e houve recomendação para que deixassem seus celulares nas residências ou hotéis. As tevês, os relógios inteligentes ou qualquer outro aparato eletrônico de comunicação também estão proibidos. Na noite de segunda-feira, a Cúria emitiu um aviso de que as antenas das operadoras de celulares do Vaticano seriam desligadas de quarta-feira até o fim do conclave — ou seja, nem que queiram, nenhum cardeal ou qualquer pessoa trabalhando no Vaticano poderão ter contato com o mundo. O decreto quase absolutista não fere as transmissões das redes de tevê, que funcionarão a partir de antenas da Itália, não do Vaticano. 

 

O isolamento impede o vazamento de informação, mas também tem um fundo místico: favorece o estado meditativo em que os religiosos dizem se encontrar no momento em que tomam a decisão — imbuídos pelo “Espírito Santo”. Em meio às divergências dentro da própria igreja sobre quais devem ser os rumos daqui para frente, atribuir a escolha ao divino também é um elemento pacificador, pois permite que correntes antagônicas trabalhem em sintonia depois do fato consumado, acreditando que, na dimensão espiritual, tudo fará algum sentido. Mesmo assim, não será fácil para um cardinalato tão conectado ficar offline por esse período. Entre os brasileiros, dom Orani é visto como o mais ligado nas telas. Um de seus auxiliares diz que é porque há muito trabalho no Brasil.

Dos cardeais brasileiros, dom Odilo e dom João eram os mais próximos de Francisco. Antes, era dom Cláudio Hummes, morto em 2022, que sugeriu ao amigo, recém-eleito papa, que não se esquecesse dos pobres — conselho que o fez adotar o nome Francisco. Dos novatos, nomeados em seu pontificado, a maioria não teve experiências permanentes no Vaticano nos últimos anos ou uma convivência próxima com o papa. Apenas dom Sérgio ocupou função na Cúria, no Conselho dos Cardeais, dividindo-se desde 2023 entre sua arquidiocese, em Salvador, e a Praça São Pedro.

Numa das últimas audiências com religiosos brasileiros, em fevereiro, na qual bispos da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) foram visitá-lo, Francisco já estava muito debilitado, mas encontrou forças para fazer uma piada recorrente. Depois que os bispos terminaram de falar, ele encerrou a conversa: “Pronto! Dito tudo isso, e a cachaça?”, brincou, já que sempre recorre à lembrança da bebida ao falar com brasileiros. Francisco não esperava, mas dom Paulo Jackson Nóbrega, arcebispo de Olinda e Recife, tinha uma garrafa a tiracolo para dar de presente ao pontífice. Quando a mostrou, Francisco lançou um olhar surpreso e agradeceu: “Obrigada!”

 

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