A beleza do feio: quando as marcas redefinem o (im)perfeito

Opinião de Gustavo Mendes, Diretor do programa Brand Management da Porto Business School e fundador da Ichika Brand Consulting

Mar 24, 2025 - 21:48
 0
A beleza do feio: quando as marcas redefinem o (im)perfeito

Por Gustavo Mendes, Diretor do programa Brand Management da Porto Business School e fundador da Ichika Brand Consulting

Sempre fomos obcecados por perfeição! Hoje, são os feeds de Instagram (e de todas as restantes redes sociais) milimetricamente impecáveis, as campanhas publicitárias “hipereditadas” com estéticas pasteurizadas que se tornaram verdadeiros filmes de Hollywood, e até as desculpas das marcas são ensaiadas com precisão cirúrgica. Para fora e para dentro (da organização) o culto do perfeito e do belo são o epítome da modernidade.

Mas, ciclicamente, aparece sempre algo ou alguém a querer romper com a fachada, porque estão cansados de filtros, da simetria forçada e de narrativas que não refletem a (confusão da) vida real.

É aqui que o “feio” entra em cena: o imperfeito, o torto, o humano. Para as marcas não é de todo uma tendência – desde sempre foi (um)a oportunidade para romper o molde e criar a contra-corrente que se destaca. Num mundo saturado de beleza (e de inteligência) artificial, há pessoas e marcas que escolhem intencionalmente ser feias (ou será “reais”?)! E, ironicamente, são essas que estão (ou podem vir) a redefinir o que é belo.

O “feio” como estratégia

Na internet há quem goste de lhe chamar “Marketing Lo-fi”, uma opção dos marketeers em usar uma comunicação caracterizada por conteúdos naturais, sem edição e muito menos ensaiados, um termo emprestado do estilo musical “lo-fi”, uma abreviação para “baixa fidelidade”.

Eu acho que é (muito) mais do que isso. É uma opção – de escolher o feio, o imperfeito, o diferente, como estratégia. Basta pensar nos logótipos desalinhados como os da Balenciaga, que já brincou com fontes “erradas” em algumas das suas coleções mais irreverentes, nas cores dissonantes dos anúncios da MSCHF, que desafiam o bom gosto convencional ou a Ugly Drinks, que transformou o “feio” na sua própria identidade. A Liquid Death, por exemplo, recriou o “feio” num posicionamento poderoso: os seus designs de latas com caveiras derretidas e o lema “Murder Your Thirst” rejeitam a suavidade típica das águas engarrafadas, apostando numa crueza que choca (uns) e atrai (outros). A própria Gucci parece querer ser embaixadora deste movimento, ao experimentar narrativas imperfeitas, em campanhas que mostram modelos em poses desajeitadas ou cenários caóticos, ou apresentações de novas coleções – como a Gucci Ciborgues – onde colocou os modelos a carregar réplicas das suas próprias cabeças como se fossem um acessório banal.

Coragem ou oportunismo?

Será o feio o novo belo? Se sim, só para quem o souber usar. Não basta publicar uma fotografia mal tirada e chamar-lhe “autêntica” – isso é preguiça, não é estratégia. O poder do imperfeito está na intenção: exige coragem para abandonar o guião, mostrar as rugas e confiar que o público vai compreender. O poder do imperfeito – e do errado – está em questionar o certo, ou pelo menos o que achamos que é o “certo”. Feito com engenho, chamamos-lhe arte, inovação.

Os riscos? O “feio” mal executado torna-se oportunismo barato, daquele tipo que o consumidor de hoje já deteta a quilómetros de distância. A minha aposta? As marcas que vão destacar-se amanhã não são as que seguem a tendência por seguir, mas as que usam o imperfeito para dizer algo verdadeiro. Porque, no fundo, celebrar este novo feio é sobre repensar a estética – é sobre olhar o erro como arte e o imperfeito como uma forma de ativismo.

Com isto, criamos uma alternativa à perfeição – que é (aparentemente) confortável e previsível. O feio aparece como sinónimo de uma cultura ousada, arriscada, viva. Num mundo onde tudo é editado e polido até à exaustão, as marcas que mostram as suas arestas têm a oportunidade de criar impacto. Hoje, a verdadeira beleza pode estar precisamente naquilo que ninguém ousa mostrar. Isto… até nos cansarmos novamente de tudo e do culto do feio, e voltarmos a enaltecer o (novo) belo. Mas aí, já nada será igual.