Trump como presidente do Brasil daria certo?
Recentemente, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem causado mais polêmica do que o normal ao mexer em questões relacionadas à economia mundial sem qualquer aviso prévio, promovendo com bastante ênfase o seu ‘tarifaço’. Esse movimento c...

Recentemente, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem causado mais polêmica do que o normal ao mexer em questões relacionadas à economia mundial sem qualquer aviso prévio, promovendo com bastante ênfase o seu ‘tarifaço’. Esse movimento consiste em aumentar as tarifas dos EUA sobre os preços de importação e está afetando centenas de países ao redor do mundo, incluindo o Brasil.O comportamento do atual líder da maior potência do mundo divide opiniões e isso me faz questionar se Donald Trump, como presidente do Brasil, daria certo ou não, sendo necessário analisar o funcionamento das instituições, os valores políticos da população e como estilos de liderança se adaptam. Trump ficou conhecido por seu discurso populista, conservador e polarizador, mas será que seu perfil seria compatível com as dinâmicas e atribuições legais da presidência do nosso país?A primeira barreira que ele enfrentaria seria a institucional, visto que o sistema político brasileiro é multipartidário, o que exige uma habilidade para dialogar com grupos diferentes. Trump tem governado com apoio de um sistema bipartidário relativamente estável, mas no Brasil, a sua dificuldade de articulação com os partidos provavelmente geraria crises constantes, como já se viu com outros presidentes de perfil mais centralizador.Trump é um político que aposta no confronto e na polarização, se comunicando diretamente com seus apoiadores, desconsiderando instituições tradicionais da mídia e da política. A tendência é que esse estilo de governo não fosse muito bem aceito por uma parcela do eleitorado brasileiro. Além disso, a população espera que o governo atue em áreas como saúde, educação e programas sociais - temas que não são prioritários na agenda trumpista.Quando voltamos para o tópico ‘economia’, precisamos deixar claro que Trump defende uma economia liberal, com foco na desregulamentação e cortes de impostos. No Brasil, esse modelo enfrentaria barreiras estruturais, como a desigualdade social e o sistema tributário complexo. Um presidente que minimize o papel do Estado dificilmente conseguiria apoio popular em um país onde a população depende de serviços públicos essenciais.Mais um ponto de tensão seria a política externa. De modo contraditório ao liberalismo do corte de impostos, Trump adotou uma postura nacionalista, que é marcada por slogans como “America First” e “Make America Great Again”, onde tentar intervir na economia por meio das tarifas alfandegárias. Se essa lógica fosse aplicada ao Brasil, que busca alianças, provavelmente teríamos prejuízos nas relações com Mercosul, ONU e parceiros estratégicos. O nosso país poderia perder influência e acesso a acordos comerciais importantes.No Brasil, medidas como o aumento de tarifas de importação encontram limites legais e institucionais significativos. Ainda que o presidente possa iniciar esse tipo de alteração por decreto, a decisão precisa passar por uma deliberação técnica da CAMEX (Câmara de Comércio Exterior), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), e respeitar os compromissos firmados no âmbito do Mercosul. Além disso, alterações mais amplas podem demandar aprovação do Congresso.Outra questão que me levou a refletir foi: se Trump tentasse impor essas tarifas como presidente do Brasil, por meio de uma Medida Provisória - será que teria sucesso? Nos Estados Unidos, ele conseguiu adotar medidas protecionistas quase de forma unilateral, graças a instrumentos legais como a Seção 232 (por motivos de segurança nacional) e a Seção 301 (em resposta a práticas desleais). Essas leis conferem ao presidente americano uma ampla margem de manobra para aumentar tarifas rapidamente, sem necessidade de aprovação prévia do Congresso. Trata-se de um modelo que concentra grande parte do poder de decisão comercial no Executivo, permitindo ações rápidas e diretas.No Brasil, o caminho seria mais lento e travado. Uma Medida Provisória (MP), apesar de ser um instrumento com força de lei imediata, precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional em até 120 dias para não perder a validade. E no caso de políticas comerciais, como aumento de tarifas, o Executivo está vinculado à atuação da CAMEX e aos tratados internacionais, o que torna difícil sustentar mudanças radicais sem articulação política e respaldo técnico. Portanto, mesmo com a possibilidade de editar uma MP, a aplicação de medidas similares às de Trump dependeria de condições específicas e da cooperação de instâncias do governo.Trago mais um exemplo: a política migratória. Nos Estados Unidos, o presidente pode emitir ordens executivas com efeitos imediatos. No entanto, medidas mais duradouras ou estruturais precisam, direta ou indiretamente, do aval do Congresso. Os EUA também são signatários de tratados internacionais, como a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, o que impõe barreiras legais à atuação do Executivo.No Brasil, a lógica é parecida. A Lei de Migração (nº 13.445/2017) e seu decreto regulamentador (Decreto nº 9.199/2017) definem que qualquer mudança relevante nas regras de imigração deve passar pelo Congresso Nacional e respeitar os princípios constitucionais e os tratados internacionais ratificados pelo país.Assim, mesmo com forte apoio popular, um presidente brasileiro não conseguiria, por conta própria, alterar profundamente a política de imigração ou impor barreiras comerciais sem enfrentar um processo legislativo formal e, muitas vezes, demorado. Isso mostra que, na prática, a governança por ordens executivas, como no modelo de Trump, não teria o mesmo alcance por aqui.Embora o estilo combativo de Trump tenha conquistado parte do eleitorado americano, a estrutura política e institucional brasileira imporia limites substanciais à sua forma de governar. Suas estratégias dificilmente funcionariam no Brasil sem adaptações profundas - especialmente nas áreas econômica e comercial.Por fim, embora existam diferenças nos instrumentos legais disponíveis para os presidentes dos dois países, ambos os sistemas exigem, em última instância, a mediação do Legislativo para mudanças duradouras. O grau de liberdade varia, mas a lógica democrática de contrapesos é comum aos dois. No Brasil, tentar implementar medidas no estilo trumpista esbarraria não apenas na lei, mas também nas expectativas sociais de um governo mais articulado, com processos burocráticos com mais etapas.
*Por João Victorino, professor de MBA do Ibmec e educador financeiro.