Tarifas de Trump aliviam preços na Europa, dizem economistas

A chegada de Donald Trump à Casa Branca veio abalar as relações comerciais com a maior economia do mundo, com o republicano a impor novas taxas aduaneiras sobre as importações de todos os países. Ainda que parte das tarifas estejam “congeladas” para dar tempo às negociações, é certo que o aumento dos impostos cobrados aos […]

Abr 28, 2025 - 07:42
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Tarifas de Trump aliviam preços na Europa, dizem economistas

A chegada de Donald Trump à Casa Branca veio abalar as relações comerciais com a maior economia do mundo, com o republicano a impor novas taxas aduaneiras sobre as importações de todos os países. Ainda que parte das tarifas estejam “congeladas” para dar tempo às negociações, é certo que o aumento dos impostos cobrados aos produtos que chegam aos EUA vai ser pago pelos consumidores, colocando pressão na inflação, que vinha a descer. E na Europa? Ainda que haja dúvidas sobre o impacto das tarifas nos preços no Velho Continente, a expectativa é que a tendência na região seja a inversa, com a taxa de inflação a continuar a caminhar para o objetivo de 2% do Banco Central Europeu (BCE).

Depois da escalada após a pandemia da covid-19, os preços na Zona Euro têm traçado uma trajetória descendente, com a taxa de inflação no euro a abrandar para 2,2% em março. Em Portugal, o índice de preços no consumidor caiu para 1,9% no mesmo mês. Um movimento que tem suportado o ciclo de descida de taxas de juro iniciado pelo BCE em junho do ano passado. A entidade já cortou juros por sete vezes, trazendo a taxa de referência para 2,25%.

À semelhança do que acontecia na Europa, também nos EUA o processo de desinflação vinha a revelar-se bem-sucedido, o que permitiu à Reserva Federal dos EUA inverter o ciclo de taxas de juro na região. Contudo, a imposição de tarifas veio abalar esta evolução positiva, com o presidente da autoridade monetária, Jerome Powell, a resistir à pressão de Trump para cortar juros, argumentando que as tarifas anunciadas pelos EUA são “significativamente maiores do que o esperado” e que irão acelerar a inflação e travar a economia, criando incerteza sobre o rumo das taxas de juro

Os receios de uma escala das tensões comerciais têm criado, contudo, dúvidas em relação ao impacto na evolução dos preços. Se nos EUA, a expectativa é de um aumento, na Europa, o caso é diferente. “Desde o início desta ‘guerra comercial’ que sou cético em relação às previsões de subida da inflação, que me parece ser uma análise muito centrada nos EUA. Isso poderá acontecer nos EUA, mas é improvável que suceda na Europa“, defende Filipe Garcia. O economista da IMF aponta vários motivos para que tal não aconteça.

Por um lado, “uma eventual desaceleração económica implicará uma diminuição da procura agregada e, por essa via, menores pressões inflacionistas“. Por outro lado, “a maior dificuldade em colocar produtos nos EUA deverá levar a uma maior entrada de produtos na Europa, sejam de fabricação europeia sejam de outras origens, sendo a China um fornecedor evidente“.

Desde o início desta ‘guerra comercial’ que sou cético em relação às previsões de subida da inflação, que me parece ser uma análise muito centrada nos EUA. Isso poderá acontecer nos EUA, mas é improvável que suceda na Europa.

Filipe Garcia

Economista da IMF

Por fim, “a descida do dólar e moedas conexas bem como do petróleo são desinflacionistas; estamos também numa fase do ano em que os custos com o gás tendem a descer, tornando a eletricidade menos cara”, remata.

O economista reconhece que esta “guerra comercial” poderia ter implicações em alta nos preços, “nomeadamente se a Europa retaliar de forma abrangente, o que não parece ser o cenário mais provável, ou se estivermos perante fenómenos de escassez em alguns produtos ou pressão em cadeias logísticas”. “Mas, como se pode ver pelas decisões recentes, o BCE também não parece preocupado com uma eventual subida dos preços”, acrescenta.

Tiago Correia, economista do Banco BPI, concorda que “a expectativa de aumento da inflação centra-se sobretudo nos EUA, dada a imposição de tarifas aduaneiras expressivas e quase generalizadas (embora parte delas estejam suspensas até final de julho)”.

Os preços da energia (petróleo e gás) têm retrocedido face às perspetivas de deterioração do crescimento económico global o que, em conjunto com a apreciação do euro, contribui para minorar as pressões inflacionistas.

Tiago Correia

Economista do BPI/CaixaBank

As estimativas do BPI/CaixaBank são que, “ao encarecer o preço dos produtos importados de uma forma geral, dada a dependência da economia dos EUA de bens importados, estima-se que a inflação possa vir a superar já em 2025 os 4%; mesmo que as designadas tarifas recíprocas não venham a ser reativadas”. Quanto à Zona Euro, onde o banco antecipa uma inflação de 2,4% este ano e de 1,9% em 2026, o especialista refere que “por ora não temos praticamente retaliação ou esta é pelo menos bastante mais contida”.

Além disso, “os preços da energia (petróleo e gás) têm retrocedido face às perspetivas de deterioração do crescimento económico global o que, em conjunto com a apreciação do euro, contribui para minorar as pressões inflacionistas”, explica o economista. “Por isso, a nossa previsão para a inflação, apesar desta conjuntura não deverá afastar-se muito dos 2,4%, eventualmente poderá mesmo vir a ser ajustada ligeiramente em baixa“.

O Fórum para a Competitividade também estima um abrandamento da inflação nacional, de 2,4% em 2024 para entre 2% a 2,3% em 2025 e para entre 1,9% e 2,2% em 2026.

Tarifas pressionam dólar e petróleo

As declarações de Donald Trump sobre uma eventual demissão de Jerome Powell — caso o pudesse fazer legalmente — e as sucessivas críticas à atuação do presidente da Fed acelerou nos últimos dias um sell-off dos mercados e fragilizou ainda mais o dólar, que negoceia atualmente em mínimos de três anos e meio face ao euro, em torno de 1,15 dólares.

Por outro lado, o receio que as tarifas prejudiquem o crescimento global tem-se refletido negativamente nas cotações do petróleo. O barril de Brent, negociado em Londres, está atualmente a ser transacionado em torno de 66 dólares.

Para já, os potenciais efeitos relacionados com um abrandamento económico (influenciado pela diminuição de confiança dos agentes) e preços de energia mais baixos parecem sobrepor-se aos riscos de uma escalada nos preços.

Tiago Correia

Economista do BPI/CaixaBank

“Para já, os potenciais efeitos relacionados com um abrandamento económico (influenciado pela diminuição de confiança dos agentes) e preços de energia mais baixos parecem sobrepor-se aos riscos de uma escalada nos preços”, considera Tiago Correia.

O economista destaca ainda que, por ora, a retaliação da União Europeia às tarifas de Trump ficou circunscrita a um conjunto restrito de bens e ficou em pausa por 90 dias, “dando margem para a negociação, pelo que o contexto de incerteza é elevado”.

“Acresce que a possibilidade de redirecionamento da produção asiática num contexto de escala das tensões com os EUA poderá mesmo vir a induzir pressões deflacionistas a médio prazo. Mas, por ora, mantemos o cenário central que é de aproximação da inflação à fasquia dos 2%”, complementa.

Com a valorização do euro face ao dólar, o custo das importações pagas em dólares deverá diminuir, o que, juntamente com a descida dos preços da energia, constitui um fator positivo para os esforços de controlo da inflação. No entanto, o clima de maior protecionismo e as quase certas disrupções nas cadeias logísticas globais poderão ter um impacto negativo nos preços ao consumidor.

Ricardo Evangelista

CEO da ActivTrades

Ricardo Evangelista, CEO da ActivTrades Europe, refere que “com a valorização do euro face ao dólar, o custo das importações pagas em dólares deverá diminuir, o que, juntamente com a descida dos preços da energia, constitui um fator positivo para os esforços de controlo da inflação”. “No entanto, o clima de maior protecionismo e as quase certas disrupções nas cadeias logísticas globais poderão ter um impacto negativo nos preços ao consumidor”, alerta o mesmo responsável.

O CEO da ActivTrades considera que “é provável que os preços aumentem na Europa”. Contudo, “ainda é cedo para saber se se tratará apenas de subidas transitórias ou de aumentos estruturais, com tendência para serem mais duradouros”.

FMI e BCE veem inflação nos 2% ainda este ano

Os membros do Banco Central Europeu também se têm mostrado otimistas em relação ao processo de desinflação na Europa, estimando que a taxa recue para o objetivo de 2% nos próximos meses, apesar das tarifas anunciadas por Trump. Em entrevista esta semana à CNBC, Lagarde reforçou que o processo de desinflação na região está quase completo, antecipando que a taxa de inflação se situe em 2,1%, em 2025.

Quanto ao impacto das tarifas, “podemos prever que terá algum impacto no crescimento, mas o impacto líquido na inflação só se tornará mais claro com o passar do tempo”, assumiu após a última reunião do BCE.

Também o Fundo Monetário Internacional (FMI), que reviu em baixa as estimativas para o crescimento no euro, está convicto que o índice de preços vai continuar a baixar. “Temos uma recomendação muito clara para o BCE, o que vimos até agora é um enorme sucesso no esforço de desinflação e a política monetária funcionou… então esperamos atingir de forma sustentável a meta de inflação de 2% no segundo semestre de 2025″, adiantou Alfred Kammer, diretor do departamento europeu do Fundo Monetário Internacional (FMI), também à CNBC.

A nossa recomendação é que há espaço para mais um corte de 25 pontos base, no verão, e depois o BCE mantenha essa taxa de juro de 2%, a menos que ocorram grandes choques e haja necessidade de recalibrar a política monetária”, defendeu Alfred Kammer.