Se o mercado fosse justo, as mulheres já seriam milionárias
Quando Aretha Franklin transformou “Respect” num hino feminista em 1967, estava longe de imaginar que, mais de meio século depois, as mulheres não estariam apenas a exigir respeito, mas a conquistá-lo por mérito próprio em domínios tradicionalmente masculinos. Num desses territórios aparentemente inexpugnáveis — o mundo das finanças — temos assistido a uma autêntica revolução […]


Quando Aretha Franklin transformou “Respect” num hino feminista em 1967, estava longe de imaginar que, mais de meio século depois, as mulheres não estariam apenas a exigir respeito, mas a conquistá-lo por mérito próprio em domínios tradicionalmente masculinos.
Num desses territórios aparentemente inexpugnáveis — o mundo das finanças — temos assistido a uma autêntica revolução que merece ser celebrada neste Dia Internacional da Mulher: as mulheres estão a provar ser melhores investidoras que os homens. E não sou eu quem o diz, são os números.
Ao longo de décadas, o 8 de março transformou-se de um dia de reivindicação por melhores condições laborais para mulheres no início do século XX, para uma celebração global da luta pela igualdade de direitos e oportunidades.
Esta data relembra-nos que a liberdade tem muitas faces — política, social, sexual e, não menos importante, financeira. Porque não nos enganemos: sem independência financeira, a verdadeira autonomia é sempre uma miragem, tal como Aretha nos lembrou quando exigiu “just a little bit” de respeito, mas também o respeito mútuo através de “propers when you get home”.
Em 2005, o homem médio na Zona Euro ganhava o dobro do que ganhava a mulher média — um gap de 50%. Em 2023, essa diferença reduziu para 35%. Uma melhoria significativa? Sem dúvida. Suficiente? Nem por sombras.
Como pai de uma rapariga e de um rapaz, quero que a minha filha encontre as mesmas oportunidades que o meu filho, que não tenha de trabalhar o dobro para receber metade, e que nunca se sinta constrangida por expectativas baseadas no género. Este não é um tema de “mulheres contra homens”, é uma questão de construir uma sociedade mais justa e próspera para todos. E, sejamos sinceros, o capitalismo funciona bem melhor quando todos os talentos podem florescer, independentemente do cromossoma que carregam.
E a boa notícia é que as mulheres já estão no bom caminho. Segundo um estudo da Fidelity, as mulheres investidoras superam os homens em desempenho em 40 pontos base anualmente. Analisando mais de 5 milhões de contas ao longo de 10 anos, o estudo desmonta o mito de que o género feminino é naturalmente avesso ao risco ou menos competente nas decisões financeiras. Pelo contrário, as mulheres tendem a adotar estratégias de comprar e manter, evitando a negociação frequente que muitas vezes prejudica os retornos a longo prazo.
Durante turbulências de mercado, 51% das mulheres investidoras mantêm-se firmes no seu plano de investimento quando o mercado sofre quedas, comparado com apenas 43% dos homens. Diria que a paciência, virtude tantas vezes atribuída às mulheres, prova ser um ativo valioso quando falamos de investimentos. Tal como Aretha sabiamente cantou sobre “giving what you’re giving”, as mulheres parecem entender melhor o conceito de dar tempo ao mercado.
Mas não cantemos vitória demasiado cedo. Apesar destes resultados impressionantes, apenas um terço das mulheres afirma sentir-se confiante na sua capacidade de tomar decisões de investimento. Estamos perante um paradoxo: melhor desempenho, menor confiança. Como referiu recentemente Christine Lagarde, presidente do BCE, “a literacia financeira entre as mulheres pode facilitar os esforços para enfrentar os desafios económicos da Europa“. É uma questão não apenas de justiça, mas de inteligência económica.
Ao contrário do que alguns possam pensar, a luta pela igualdade de género não é um jogo de soma zero. Quando as mulheres têm mais autonomia financeira, não são apenas elas que ganham – ganham as famílias, as empresas e a sociedade como um todo.
Um recente estudo promovido por sete economistas publicado no site do BCE sobre desigualdade de género no mercado de trabalho europeu mostra-nos que estamos a avançar, mas a um ritmo que faria uma tartaruga parecer-se com Usain Bolt.
Em 2005, o homem médio a residir num dos países da União Europeia ganhava o dobro do que ganhava a mulher média — um gap de 50%. Em 2023, essa diferença reduziu para 35%. Uma melhoria significativa? Sem dúvida. Suficiente? Nem por sombras. Esta diferença tão substancial de rendimentos explica-se por três fatores principais:
- Diferentes taxas de participação no mercado de trabalho: em 1992, a taxa de emprego das mulheres na Europa era 27,8 pontos percentuais inferior à dos homens. Em 2023, este fosso reduziu-se para 9 pontos percentuais.
- Mercado de trabalho diferenciado: As mulheres continuam significativamente mais propensas a trabalhar em part-time do que os homens. Segundo o estudo publicado no site do BCE, esta diferença chegou a 26,9 pontos percentuais em meados dos anos 2000.
- Diferença salarial por hora: Em 2023, a diferença salarial por hora esta estava nos 13,4%, tendo diminuído dos 17,8% em 2005. Como diria Aretha, “all I’m askin’ is for a little respect when you come home” – ou neste caso, quando se chega ao local de trabalho.

As barreiras persistem e são multifacetadas: acesso limitado a redes de contactos tradicionalmente masculinas, vieses conscientes e inconscientes, responsabilidades desproporcionais de cuidado familiar e disparidades na educação. Estas barreiras são particularmente evidentes na literacia financeira, com o Eurobarómetro de 2023 realizado pelo BCE a revelar que as mulheres têm uma probabilidade 12 pontos percentuais inferior que os homens na compreensão do conceito de inflação.
Mais alarmante ainda é que 52% dos europeus carecem de literacia financeira básica, e 60% deste grupo são mulheres. Como podemos esperar uma participação igualitária nos mercados financeiros quando o campo de jogo começa tão desnivelado? É como tentar tocar piano sem conhecer as notas – pode-se até acertar algumas teclas por sorte, mas dificilmente se cria uma obra-prima.
Mas também é importante não nos esquecermos do passado e particularmente do caminho percorrido, para compreender verdadeiramente o significado das conquistas do presente. Tomemos como exemplo a história de Muriel “Mickie” Siebert, que a 28 de dezembro de 1967 fez história ao tornar-se a primeira mulher a comprar um lugar na Bolsa de Valores de Nova Iorque ao fim de 175 anos desde a fundação deste templo do capitalismo, e permanecendo como a única mulher entre 1.365 homens na década seguinte.
Se Aretha Franklin transformou uma canção de submissão numa declaração de independência, precisamos agora de transformar a narrativa sobre mulheres e dinheiro. É vital que a educação financeira seja vista como uma competência essencial a ser desenvolvida desde cedo, independentemente do género.
Espero que no futuro, quando a minha filha e o meu filho estudarem a história da luta pelos direitos das mulheres, o conceito de “teto de vidro” financeiro pareça-lhes tão antiquado quanto um telefone de disco.
Ao contrário do que alguns possam pensar, a luta pela igualdade de género não é um jogo de soma zero. Quando as mulheres têm mais autonomia financeira, não são apenas elas que ganham – ganham as famílias, as empresas e a sociedade como um todo. A diversidade de perspetivas leva a melhores decisões, seja na mesa de jantar ou na sala de reuniões.
No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer. A disparidade salarial persiste. Os vieses inconscientes continuam a influenciar decisões de contratação e promoção. E sim, ainda existem quem acredite que investir é “coisa de homem”, apesar das evidências que mostram o contrário.
Neste Dia Internacional da Mulher, vale a pena recordar que a verdadeira igualdade não se mede apenas pelo direito ao voto ou pela representação política. Mede-se também pela liberdade económica, pela capacidade de tomar decisões financeiras independentes e pela confiança para navegar no mundo dos investimentos.
Como pai, espero que no futuro, quando a minha filha e o meu filho estudarem a história da luta pelos direitos das mulheres, o conceito de “teto de vidro” financeiro pareça-lhes tão antiquado quanto um telefone com disco. Espero que ambos vivam numa sociedade onde ninguém questione a capacidade das mulheres de gerirem dinheiro ou fazer investimentos inteligentes simplesmente porque é mulher.
Se em 1908, quando 15 mil mulheres marcharam em Nova Iorque por melhores salários e direito ao voto, alguém lhes dissesse que, mais de um século depois, estariam a discutir taxas de juro em vez de taxas de sobrevivência, teriam provavelmente respondido com um eye roll digno de uma influencer do TikTok. A ironia é que, em 2025, o debate ainda não está encerrado. O Dia Internacional da Mulher mantém-se como um lembrete anual: a igualdade é uma maratona sem linha de chegada, e os sapatos de salto alto, embora elegantes, não são os melhores para correr.