Saída de Baleiras deixa unidade que apoia os deputados em matéria orçamental sem coordenador até às eleições
Com a saída de Rui Nuno Baleiras para a vice-presidência do regulador dos seguros, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) do Parlamento ficou sem coordenador e assim se irá manter até às eleições legislativas de 18 de maio, revelou ao ECO fonte oficial do gabinete da secretária-geral da Assembleia da República, Anabela Leitão Ferreira. […]


Com a saída de Rui Nuno Baleiras para a vice-presidência do regulador dos seguros, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) do Parlamento ficou sem coordenador e assim se irá manter até às eleições legislativas de 18 de maio, revelou ao ECO fonte oficial do gabinete da secretária-geral da Assembleia da República, Anabela Leitão Ferreira. No entanto, os trabalhos da entidade que ajuda os deputados na análise das propostas do Orçamento do Estado, da execução orçamental e dos gastos com parcerias público-privadas estão assegurados, garante.
“Atendendo à dissolução da Assembleia da República e à redução do papel do Parlamento, a nomeação deverá transitar para a nova legislatura, prosseguindo a UTAO a sua atividade, ainda que temporariamente sem coordenador”, segundo a resposta enviada ao ECO.
Ainda que a UTAO não tenha estatutos, que definam as regras para a designação do seu presidente e colaboradores, o conselho de administração do Parlamento refere que, como “a nomeação do professor Rui Baleiras foi feita em articulação com a Comissão de Orçamento e Finanças, deverá ser assumido idêntico procedimento para a nomeação do novo coordenador”.
Rui Nuno Baleiras foi designado pelo atual Governo em gestão para vice-presidente da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) e assumiu funções a 21 de abril, segundo o despacho publicado em Diário da República. Desde então, a UTAO ficou sem coordenador, o qual só deverá ser designado daqui por dois meses, em junho, pela nova Comissão de Orçamento e Finanças (COF) da Assembleia da República, que sair das eleições legislativas.
A falta de um coordenador não é inédita. Antes do professor de Economia da Universidade do Minho, aquela entidade esteve cinco meses sem liderança, após a saída de João Miguel Coelho, em fevereiro de 2018, do cargo de coordenador. Em julho do mesmo ano, Baleiras ficou aos comandos da UTAO, por convite da então presidente da COF, Teresa Leal Coelho, à época deputada do PSD. E sai agora, em abril de 2025, ao fim de cerca de sete anos.
Atendendo à dissolução da Assembleia da República e à redução do papel do Parlamento, a nomeação deverá transitar para a nova legislatura, prosseguindo a UTAO a sua atividade, ainda que temporariamente sem coordenador.
A equipa atual tem quatro analistas, dois dos quais não são trabalhadores parlamentares, mas exercem funções ao abrigo do regime de cedência de interesse público, previsto no Estatuto dos Funcionários Parlamentares. Também Rui Baleiras não era funcionário da Assembleia da República, mas sim docente da Universidade do Minho.
Uma vez que a UTAO não tem enquadramento numa lei orgânica, a escolha e nomeação dos seus membros e a sua relação jurídica de trabalho não se encontram balizados, o que permite que possam ser designados ou “despedidos” de forma discricionária. “De acordo com a lei que se nos aplica, podemos ser despedidos quando a legislatura acaba e também nos podem despedir a qualquer momento, dando apenas um pré-aviso de 30 dias, sem direito a indemnização”, como já tinha alertado Rui Baleiras em entrevista ao ECO.
“Poderão alegar que, na prática, nunca estas normas serviram para sanear um coordenador ou um analista. Poderão não ter servido, mas podem vir a servir. A verdade é que a mera existência das normas dá cobertura legal à Assembleia da República para poder dispensar discricionariamente pessoal da UTAO se discordar do conteúdo dos seus textos. Ora esta é, objetivamente, uma ameaça séria à independência da UTAO e não deixa de condicionar quem nela trabalha”, conclui um relatório produzido pela equipa que apoia os deputados e que foi publicado em março de 2022.
A nomeação do professor Rui Baleiras foi feita em articulação com a Comissão de Orçamento e Finanças. Deverá ser assumido idêntico procedimento para a nomeação do novo coordenador.
A Unidade Técnica de Apoio Orçamental foi criada em 2006, no início da crise de défices excessivos do primeiro Governo socialista de maioria absoluta de José Sócrates, através de uma resolução da Assembleia da República, por proposta de um conjunto de deputados de diversos partidos.
De recordar que, em 2005, na elaboração do Orçamento de Estado para 2006, Sócrates propôs reduzir o saldo negativo de 6,2% do PIB para 4,8%, uma operação que, na altura, classificou de “muito exigente”. Neste momento, vamos com um excedente previsto de 0,7% do PIB, relativo ao ano passado. Para 2025, o Governo projeta um saldo positivo de 0,3%.
Na altura, e rendo em conta a situação de défice excessivo, a oposição acusou o Ministério das Finanças, tutelado por Fernando Teixeira dos Santos, de falta de transparência, porque dava pouca informação. Por isso, decidiram pedir apoio técnico para ajudar a analisar as contas públicas e assim foi criada a UTAO.
Além de Portugal, mais 10 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), incluindo Brasil, têm uma entidade semelhante, como EUA, Grécia, Irlanda, Itália, Brasil, Áustria ou Austrália, segundo o relatório da UTAO que identifica as fragilidades institucionais desta entidade.
A resolução de 2006 que criou a unidade técnica ditou que, no prazo de três anos, isto é, em 2009, o Parlamento deveria reavaliar a sua continuidade. Naquele ano e com o fim da legislatura, a manutenção desta entidade chegou a estar em risco, mas o presidente da Assembleia da República de então, Jaime Gama (PS), impôs a sua manutenção.
No ano seguinte, a resolução da Assembleia da República n.º 57/2010, de 23 de junho, tornou-a numa unidade parlamentar permanente, fixou limites mínimos e máximos para o número de analistas, entre oito a 10, e alargou as suas competências a todos os subsetores na monitorização periódica da dívida pública e especificou algumas variáveis a incluir no acompanhamento regular da execução orçamental. De salientar que a equipa atual, de cinco elementos, incluindo o coordenador, está longe do limite máximo de 10 elementos, como dita o diploma legal.
Em 2014, as competências da UTAO foram novamente reforçadas, através de um novo diploma, que aditou competências referentes à avaliação e ao acompanhamento de parcerias público-privadas (PPP). Em 2018, o Parlamento procedeu à sexta alteração. E a UTAO passou a ser uma unidade orgânica integrada na direção de apoio parlamentar, embora mantendo o reporte direto à comissão parlamentar de orçamento e finanças.
Novo Governo pode afastar Baleiras da ASF
A nomeação de Baleiras para a vice-presidência da ASF foi contestada pelo PS pelo facto do Executivo demissionário de Luís Montenegro se encontrar em gestão e, por isso, limitado nos seus poderes.
Aliás a lei-quadro das entidades administrativas independentes com funções de regulação da atividade económica dos setores privado, público e cooperativo determina que: “Não pode ocorrer a designação ou proposta de designação entre a convocação de eleições para a Assembleia da República ou a demissão do Governo e a investidura parlamentar do Governo recém-designado, salvo se se verificar a vacatura dos cargos em causa e a urgência da designação, caso em que as referidas designação ou proposta de designação de que não tenha ainda resultado designação dependem de confirmação pelo Governo recém-designado”.
No entanto, o Governo invocou o risco de falta de quórum para designar Baleiras para a vice-presidência da ASF, cargo que se encontrava vago há mais de dois anos. “Cessou, em dezembro de 2024, o mandato de Manuel de Herédia Caldeira Cabral. […] Por conseguinte, torna-se indispensável e urgente proceder à designação de, pelo menos, um vice-presidente e um vogal, sob pena de aquele órgão poder vir a ficar, em breve, sem quórum para assegurar a gestão da entidade”, lê-se no diploma de nomeação, assinado pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro.
O ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, já tinha apresentado o mesmo argumento, em entrevista ao ECO: “Corríamos o sério risco da Autoridade de Seguros ficar, durante algum tempo, sem quórum. Não estou a ver como é que o regulador, ainda por ser uma área tão sensível, pode funcionar sem quórum”.
Permanecem, contudo, dúvidas se a nomeação cumpriu as condições exigidas por lei: existência de “vacatura do cargo e urgência da designação”. Independentemente da interpretação, o próximo Governo, que sair das eleições, terá de confirmar a indicação de Rui Nuno Baleiras, podendo, se assim o entender, afastá-lo das funções de vice-presidente e designar outra personalidade.