O valor do craft

Por Judite Mota

Mai 4, 2025 - 12:51
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O valor do craft
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Por Judite Mota

Recentemente assisti à apresentação dos trabalhos de fim de curso dos alunos da EPI – Escola Profissional de Imagem –, uma escola em que a tecnologia e a criatividade caminham lado a lado.

Por entre ideias e demonstrações técnicas muitíssimo impressionantes por parte de alunos de 17 e 18 anos, uma das alunas começou a apresentação quase pedindo desculpa por ter feito as ilustrações do seu videojogo à mão. E também explicou que como não gostava de nenhuma das fontes disponíveis teve que desenhar uma original com o mesmo tom ligeiramente apologético.

Digo-vos já que o trabalho dela era muito bom, das ilustrações à fonte, do conceito à execução. Mas ela quase pedia desculpa por ter usado as mãos. Como se este tipo de técnicas já não tivesse tanto valor como a tecnologia recente.

Tal como no início da industrialização a preferência por produtos industriais veio deixar na sombra (e em alguns casos na miséria) os artesãos, também a revolução digital em curso nos deixa deslumbrados com as possibilidades tecnológicas, fazendo-nos esquecer o poder e o valor da mão humana para criar.

O valor de um artesão no trabalho criativo, quer seja no desenho de ilustrações para um videojogo, na produção de peças de comunicação originais ou até na produção de cestos de verga, está no erro, não na perfeição. As máquinas podem fazer bem e muito depressa, mas raramente atingem a originalidade que é consequência do erro. Só o craft humano nos dá a sensação da verdade que resulta da imperfeição. E se antes buscávamos a perfeição, acredito que, nas marcas e na comunicação das mesmas, vamos começar a valorizar as imperfeições.

Acredito também que (com o tempo) vamos também aprender a valorizar o tempo que as peças de artesão demoram a fazer e a dar-lhes mais valor. Quem muito e muito depressa? Peçam a um LLM. Querem original e valioso? Peçam a um ser humano. Viram o que aconteceu com o vídeo de making of da carteira Chanel? O vídeo mostrava o processo de produção de uma carteira de 5 mil dólares. E mostrava as máquinas da fábrica. Caiu o Carmo e a Trindade do mundo fashionista. Então, não são produzidas à mão, uma a uma, por senhores e senhoras franceses num palais de Paris? Como podem custar uma fortuna se são produzidas por máquinas? Imediatamente a Chanel retirou o vídeo das suas redes e substituiu-o por outros dos vários artesãos que emprega nas mais diversas funções.

A percepção de valor que atribuímos a uma marca ou produto está directamente ligada à forma como é produzido. A utilização de máquinas implica massificação e esta é o contrário da escassez associada ao luxo. Acredito que na comunicação de marcas vamos também começar a fazer esta separação de águas. Valorizar o que é feito por pessoas com tempo para errar, esbarrar em obstáculos e enfrentarem o erro que leva a caminhos inesperados.

Só os humanos têm a capacidade de reconhecer as oportunidades que se criam quando se erra. Só os humanos têm a experiência pessoal que alimenta a sua criatividade e a empatia necessária à inspiração. E tudo isto tem também a ver com craft. A atenção ao detalhe, as escolhas pessoais, o domínio das técnicas, que de tão pessoais se podem chamar quase artesanais.

Só o craft cria diferenciação.

E não foi sempre diferenciação que as marcas procuraram?

Artigo publicado na edição n.º 345 de Abril de 2025