O que ver no cinema? Terror “Until Dawn” e “O Contador 2” são destaques
Lançamentos mais amplos são adaptação de videogame, sequência de thriller de ação e nova animação dos Looney Tunes


A programação da semana oferece opções de cinema para públicos variados. O terror “Until Dawn”, o thriller “O Contador 2” e a animação “Looney Tunes – O Filme: O Dia em que a Terra Explodiu” têm as estreias mais amplas, enquanto o circuito limitado soma mais dois dramas brasileiros com passagens elogiosas por festivais, uma fantasia história portuguesa, um blockbuster sul-coreano, um terror paraguaio e dois documentários.
UNTIL DAWN – NOITE DE TERROR
Inspirado no popular jogo de terror do PlayStation, o filme marca a volta do diretor David F. Sandberg às suas origens, após dirigir dois títulos da franquia “Shazam!”. O cineasta sueco ganhou notoriedade no terror com os sucessos de “Quando as Luzes se Apagam” (2016) e “Annabelle 2: A Criação do Mal” (2017).
A produção não é uma adaptação literal. Em vez disso, usa a própria estrutura típica do videogame para criar um looping de repetição. Um ano após o desaparecimento misterioso de sua irmã, Clover e seus amigos se dirigem ao vale remoto onde ela sumiu, em busca de respostas. Ao explorar um centro de visitantes abandonado, eles se veem perseguidos por um assassino mascarado e acabam brutalmente assassinados um a um… apenas para recomeçar o tormento no início da mesma noite. Presos no vale, eles são forçados a reviver e morrer repetidamente – refletindo a experiência do game, onde a morte faz o usuário reiniciar o desafio. Só que, a cada vez que retornam à vida, o pesadelo é diferente, sempre mais aterrorizante que o anterior. Para piorar, o grupo logo percebe que tem um número limitado de vidas restantes, e a única maneira de escapar é sobreviver até o amanhecer.
O roteiro é assinado por Gary Dauberman, responsável por sucessos como “Annabelle”, “A Freira” e “It: A Coisa”, em parceria com Blair Butler, que trabalhou em “Convite Maldito” e “Morte Instantânea”. O tom mistura referências ao horror dos anos 2000 com metalinguagem, gore estilizado e reviravoltas absurdas.
O elenco inclui Ella Rubin (“The Chair”), Michael Cimino (“Com Amor, Victor”), Odessa A’zion (“Grand Army”), Ji-young Yoo (“Pachinko”), Belmont Cameli (“Saved by the Bell”), Maia Mitchell (“Os Fosters: Família Adotiva”) e Peter Stormare (“Fargo”), que interpretava um psiquiatra no game e faz uma participação como figura enigmática, reforçando o vínculo com o material original.
O CONTADOR 2
A sequência do thriller de ação de 2016 traz novamente Ben Affleck no papel de Christian Wolff, um ex-contador da máfia no espectro do autismo, cuja perícia com números é tão impressionante quanto sua habilidade com armas. Outros personagens também voltam, incluindo o irmão assassino vivido por Jon Bernthal, agora com mais destaque. Desta vez, os dois precisam trabalhar juntos para resolver um assassinato que envolve uma conspiração financeira e agentes do governo, enquanto enfrentam ameaças de grupos armados e tentam superar antigas mágoas.
Foragido após os eventos anteriores, Christian é recrutado para investigar a morte do agente do Tesouro Ray King, interpretado por J.K. Simmons (retomando o papel do primeiro filme). A investigação o leva a formar uma aliança com a agente Marybeth Medina, vivida por Cynthia Addai-Robinson, outra que retorna ao elenco, e a buscar o auxílio profissional de Brax, seu irmão matador. A principal novidade do elenco é Daniela Pineda (“Cowboy Bebop”), intérprete de uma assassina perigosa que se torna um dos principais desafios na missão dos irmãos.
Responsável pelo primeiro filme, Gavin O’Connor opta por uma abordagem mais leve, sem abandonar o rigor técnico nas cenas de ação, que são limpas, brutais e pontuadas por momentos de introspecção emocional. A evolução da fórmula mostra maior atenção ao elo familiar do que no mistério contábil, sem perder o apelo do protagonista como figura excêntrica e eficiente.
LOONEY TUNES: O FILME – O DIA QUE A TERRA EXPLODIU
A animação resgata o espírito anárquico dos melhores curtas premiados da Warner com a turma Looney Tunes. A trama acompanha Patolino e Gaguinho tentando impedir que alienígenas destruam o planeta. É um pastiche dos filmes B de ficção científica dos anos 1950, com ritmo acelerado, humor físico e explosões nonsense.
O diretor resgata o traço clássico dos personagens e estrutura o filme como um grande curta prolongado. Personagens como Marvin, o Marciano, e Pernalonga aparecem em participações especiais. A trilha orquestral remete à de Carl Stalling, pontuando as gags visuais com precisão.
Apresentado em Annecy, o longa teve recepção calorosa e conquistou 87% de aprovação no Rotten Tomatoes. O lançamento nos cinemas virou um caso polêmico de bastidores: fãs mobilizados nas redes fizeram a Warner reverter a decisão e lançar o filme em streaming. O estúdio acabou vendendo os direitos para uma distribuição alternativa e ele chega no Brasil de forma independente, pela Paris Filmes. Para os fãs dos desenhos clássicos, a dublagem brasileira manteve os dubladores tradicionais.
SERRA DAS ALMAS
Lírio Ferreira, um dos principais nomes do cinema pernambucano, retoma a estética agreste de sua filmografia com “Serra das Almas”, um thriller ambientado no sertão que mistura ação, sátira política e toques de sobrenatural. O diretor de “Baile Perfumado” (1997), “Árido Movie” (2005) e “Acqua Movie” (2019) cria um microcosmo de tensão dentro de uma casa isolada, onde sete pessoas sequestradas após um assalto fracassado confrontam seus segredos e conflitos sob a ameaça de uma força invisível.
O filme é protagonizado por um elenco jovem e vibrante, com Mari Oliveira (“Medusa”), Júlia Stockler (“Verdades Secretas”) e Ravel Andrade (“Aruanas”). A dinâmica entre os personagens acentua o clima de paranoia e colapso moral, enquanto o roteiro avança por reviravoltas que oscilam entre o absurdo e o trágico. A fotografia árida e a trilha que mescla tensão com ritmos regionais reforçam a atmosfera entre o real e o alegórico.
Selecionado para a Première Brasil do Festival do Rio, “Serra das Almas” lotou sessões e foi aplaudido por sua ousadia formal e por revitalizar o cinema de gênero com identidade nordestina. A influência de Quentin Tarantino é assumida, mas reinterpretada com humor caboclo e crítica social.
BETÂNIA
Primeiro longa solo do diretor Marcelo Botta (“Abestalhados 2”), “Betânia” é uma parábola sobre o impacto das transformações ambientais e sociais no interior do Maranhão. A protagonista, vivida com força contida pela estreante Diana Mattos, é uma parteira idosa forçada a deixar o isolamento de seu vilarejo sem eletricidade para reencontrar os filhos na vila natal, próxima aos Lençóis Maranhenses. Entre dunas, lagoas secas e um tecido familiar em erosão, a personagem tenta preservar uma identidade em desaparecimento.
O projeto nasceu de uma pesquisa documental que Botta realizou em 2018 nos próprios Lençóis Maranhenses. Algumas cenas foram inspiradas por relatos reais de vilas soterradas pela areia. O uso ocasional do francês, presente em parte da comunidade retratada, reflete o intercâmbio linguístico pouco explorado na região, conferindo autenticidade ao retrato de um Brasil invisível no cinema comercial.
Filmado em ritmo contemplativo, o longa registra o avanço do deserto e das contradições trazidas pela modernização. A fotografia traduz esse conflito entre o orgânico e o industrial, com destaque para cenas que revelam a beleza em ruína da paisagem maranhense. O elenco, formado por atores locais e figuras da cultura popular como Tião Carvalho, reforça a imersão numa realidade que mistura afeto, memória e resistência.
Exibido na mostra Panorama do Festival de Berlim e vencedor do prêmio Coup de Coeur no Cinélatino – Rencontres de Toulouse, “Betânia” também passou pelo Festival do Rio e pelo Festival de Brasília, onde conquistou o prêmio de Melhor Filme.
SOBREVIVENTES
O último longa do português José Barahona (“O Manuscrito Perdido”) parte de uma inversão histórica provocadora: após o naufrágio de um navio negreiro no século XIX, um grupo de ex-escravizados e brancos se vê obrigado a conviver em uma ilha deserta, onde antigas hierarquias se invertem. A partir dessa premissa, o filme constrói uma fábula sombria sobre poder, moralidade e sobrevivência, questionando se o ciclo da opressão pode ser quebrado ou apenas reproduzido por quem assume o controle.
O roteiro, assinado por Barahona em parceria com o escritor angolano José Eduardo Agualusa, evita estereótipos e trabalha com nuances. Cada personagem representa uma posição ética e política diante da reconstrução social imposta pelo isolamento. Miguel Damião e Anabela Moreira interpretam brancos confrontados com sua fragilidade, enquanto Allex Miranda dá vida a um dos líderes da nova ordem, com dignidade e força. Rodado em preto e branco, o filme remete visualmente à alegoria e ao realismo poético.
O longa teve estreia mundial no IndieLisboa e percorreu festivais como a Mostra de SP, o Festival de Cinema Brasileiro de Paris e o Cine PE. Sua recepção foi marcada pela leitura de que se trata de uma obra-testamento. Barahona morreu meses após finalizar o filme, o que deu à estreia comercial em 2025 o tom de despedida.
Barahona concebeu “Sobreviventes” como uma resposta direta às críticas ao filme “Vazante”, de Daniela Thomas — especialmente no que se refere à ausência de protagonismo negro. Seu último plano, com um branco ajoelhado diante de um antigo escravizado, resume com potência o gesto ético que a obra propõe. A crítica o saudou como um dos retratos mais instigantes da escravidão no cinema recente, justamente por mostrar brancos em condição inferiorizada.
NÃO ENTRE
O terror em estilo “found footage” acompanha dois jovens aspirantes a youtubers que invadem uma mansão abandonada para criar conteúdo sobrenatural e viralizar nas redes, mas acabam presos e se tornam vítimas de forças reais ligadas ao passado macabro da casa. O diretor paraguaio Hugo Cardozo, que já havia se destacado com “Morgue” (2019), retorna ao gênero com uma produção caseira, filmada em Altos e San Bernardino, no Paraguai, com equipe e elenco majoritariamente locais.
Lucas Caballero e Pablo Martínez interpretam os youtubers Aldo e Cristian, que conduzem o público com suas câmeras por corredores escuros, alçapões e passagens tortuosas da mansão amaldiçoada. A montagem investe em tensão crescente e sustos tradicionais, mas intercala elementos de humor e regionalismo, incluindo trechos em jopara (mistura de espanhol e guarani). A química entre os protagonistas e o uso de efeitos práticos são os destaques das gravações baratas.
12.12: O DIA
O drama histórico se passa durante o golpe militar de 12 de dezembro de 1979, que culminou no fim da Quarta República da Coreia do Sul. Após o assassinato do presidente Park Chung-hee em 26 de outubro de 1979, o governo interino declarou lei marcial, nomeando o chefe do Estado-Maior do Exército, Chung Seung-hwa, como comandante dessa lei. Em 12 de dezembro de 1979, o comandante do Comando de Segurança, Chun Doo-hwan, lidera um golpe de Estado. O obstinado Comandante da Defesa da Capital acredita que o exército não deve agir politicamente e enfrenta Chun para detê-lo. A obra retrata as nove horas críticas desses eventos, destacando os conflitos entre oficiais militares e as consequências políticas que moldaram a história sul-coreana.
Dirigido por Kim Sung-soo (“Musa”), que vivenciou a história de 1979, o enredo retrata uma noite de reuniões tensas, traições e mobilizações militares. O roteiro dramatiza o impasse entre legalismo e autoritarismo sem recorrer a maniqueísmos, e a montagem imprime urgência cinematográfica ao golpe em andamento. O elenco conta com atuações intensas de Hwang Jung-min (“Livrai-nos do Mal”), Jung Woo-sung (“Operação Hunt”), Lee Sung-min (“Maldito Dia de Sorte”), Park Hae-joon (“The 8 Show”) e Kim Sung-kyun (“Em Movimento”). O próprio diretor aparece em uma ponta como morador que escuta os tiros ao longe — um gesto de memória pessoal que ancora o filme em uma vivência real.
Vencedor dos principais prêmios do cinema sul-coreano — Blue Dragon, Baeksang e Buil Awards —, o longa também foi a submissão da Coreia ao Oscar de Filme Internacional. Além disso, foi um grande sucesso local, arrecadando mais de US$ 97 milhões, o que representou a quarta maior bilheteria da história do cinema sul-coreano.
NOEL ROSA – UM ESPÍRITO CIRCULANTE
O documentário de Joana Nin revisita a presença do sambista Noel Rosa na memória afetiva e urbana da Vila Isabel. A diretora, que morou no bairro carioca onde o compositor viveu, conduz uma investigação poética sobre a permanência simbólica de Noel em ruas, bares e nas vozes de novos artistas que o regravaram ou se inspiraram em seu legado.
O filme intercala material de arquivo — áudios de Aracy de Almeida, imagens de época — com pequenas reencenações líricas, como a aparição breve de um ator vestido como Noel entre os transeuntes de Vila Isabel, além de interpretações contemporâneas de suas músicas por nomes como Mart’nália, Moacyr Luz e Dori Caymmi. Não se trata de um documentário biográfico, mas de uma evocação: a música de Noel atravessa o tempo como um “espírito circulante”, expressão que dá título ao projeto.
Exibido no Festival do Rio e no In-Edit, o longa inclui curiosidades como o fato de a sirene da fábrica real que inspirou “Três Apitos” ainda tocar no bairro e a descoberta, por parte de Mart’nália, de uma partitura original de Noel em um sebo.
UM OUTRO FRANCISCO
Dirigido por Margarita Hernández, “Um Outro Francisco” acompanha dois fotógrafos italianos que viajam até Canindé, no sertão do Ceará, para registrar a maior romaria dedicada a São Francisco de Assis no Brasil. O que começa como um ensaio artístico se transforma em descoberta: os estrangeiros se deparam com uma tradição local de fotografia popular que rivaliza, em força e beleza, com qualquer produção autoral.
O documentário propõe um encontro entre olhares: o europeu, técnico e esteticamente elaborado, e o popular, instintivo e carregado de fé. Hernández alterna registros observacionais, arquivos raros e depoimentos para refletir sobre a função social da imagem. Entre câmeras rudimentares, retratos de promessas e missas ao ar livre, o filme revela como a fotografia popular é, também, uma forma de devoção.
Uma das curiosidades é que um dos fotógrafos locais retratados é cego de um olho, e mesmo assim tira fotos com impressionante precisão. As filmagens acompanharam quatro edições consecutivas da festa de São Francisco, entre 2017 e 2020, captando mudanças e permanências. A própria diretora viveu por anos em Canindé, o que confere intimidade rara ao tratamento do tema.
Premiado no Cine PE e exibido na Mostra Internacional de Cinema de SP, seu sucesso em festivais se deve, em parte, à autenticidade das situações documentadas e à inversão da lógica colonial do olhar — aqui, os estrangeiros aprendem a ver com os romeiros.
Produções como “Until Dawn”, “O Contador 2” e Looney Tunes em destaque visual no Pipoca Moderna.
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