O Presidente que comeu o gato

Um dos maiores desafios que se colocam à Europa dos nossos dias é comunicacional. As instituições europeias e os líderes eleitos nos países que as integram persistem há décadas em discursos tecnocráticos onde os processos se sobrepõem aos ideais. A construção europeia transformou-se numa sonolenta pilha burocrática. Trump 2.0 lança um novo desafio comunicacional à […]

Mar 10, 2025 - 15:09
 0
O Presidente que comeu o gato

Um dos maiores desafios que se colocam à Europa dos nossos dias é comunicacional. As instituições europeias e os líderes eleitos nos países que as integram persistem há décadas em discursos tecnocráticos onde os processos se sobrepõem aos ideais. A construção europeia transformou-se numa sonolenta pilha burocrática.

Trump 2.0 lança um novo desafio comunicacional à Europa. O presidente norte-americano personifica um acidente no IC19: quanto mais chocante for, mais difícil se torna desviar o olhar. Trump e Elon desprezam os aparelhos políticos e comunicam com o Mundo diretamente, com vídeos chocantes sobre a Riviera de Gaza ou serras elétricas a voar em encontros diplomáticos.

Trump e Musk tomaram conta das redes sociais e reduziram outra máquina — a dos legacy media — dominando a mensagem a seu bel-prazer.

Nada disto é chocante se pensarmos no consumo dos media das últimas décadas. O homem mordeu o cão deu origem ao presidente que devorou o gato. A série Black Mirror já nos tinha avisado.

Mas se pensarmos o quanto a sociedade contemporânea vive infantilizada pela natureza verdadeiramente mirabolante dos conteúdos das redes sociais, onde os nossos filhos (e nós próprios) vivem a maior parte dos seus dias, percebemos o quanto os líderes norte-americanos estão mais próximos do click e do engagement do que Ursula Von der Leyen, Mark Rutte ou António Costa.

Trump e Musk perceberam a era em que vivemos. Podemos criticá-los em todas as suas dimensões, mas nesta estão a milhas de distância dos seus congéneres europeus, ao estabelecerem uma política pop-choque.

O impacto provocado pelos ataques de J.D. Vance a Volodymyr Zelensky na sala Oval pode ser o rastilho que faltava para que parte da Europa democrática se volte a unir institucionalmente.

Mas fica a faltar uma revolução comunicacional, que prepare e mobilize os cidadãos europeus para os novos sacrifícios que se avizinham.

Quer isto dizer que Macron ou Starmer devem comer o gato? Não iria tão longe, mas a paixão e a criatividade devem voltar rapidamente e em força à comunicação política. E podia começar já no rebranding da “Coalition of the Willing”.