“O greenwashing é uma prática consciente das empresas”
Em entrevista ao JE, Ana Costa, Sustainability & Blue Economy Director na Beta-i, abordou o caminho que tem sido feito pelas empresas neste campo, a evolução dos critérios ESG, o greenwashing, a regulação europeia nesta matéria e, também, o papel da inovação e do ecodesign, por exemplo,


Ana Costa, Sustainability & Blue Economy Director na Beta-i, trabalha na área do ambiente desde 2003. Nas últimas duas décadas, passou por vários setores, nomeadamente o petrolífero e o têxtil, nos quais se ocupou da agenda da sustentabilidade.
Em entrevista ao Jornal Económico (JE), Ana Costa, licenciada em Engenharia do Ambiente, abordou o caminho que tem sido feito pelas empresas neste campo, a evolução dos critérios Environmental, Social and Governance (ESG), o greenwashing, a regulação europeia nesta matéria e, também, o papel da inovação e do ecodesign, por exemplo, na redução do impacto ambiental.
Soma mais de 20 anos de experiência nesta área. Quando estava no Oil & Gas, já se ouvia falar de critérios ESG?
A forma como nós trabalhávamos era diferente. Este setor do gás, pela pegada grande que sempre teve relativamente à questão ambiental, creio que foi um dos primeiros a falar do give back. O que acontecia há 20/10 anos é que transformávamos o impacto ambiental em impacto social positivo. Ou seja, quando entrávamos numa grande instalação, sabíamos que tínhamos, de alguma forma, um impacto na sociedade e na economia que ali estava. O que fazíamos era gerar impacto positivo. Trabalhávamos muito nesta perspetiva da educação para a economia. Para que, quando nós saíssemos, a economia estivesse bastante estável e sólida para que a nossa saída não representasse uma diminuição da qualidade de vida das pessoas.
Não era ESG da forma como nós o vemos hoje. Mas havia já esta componente ambiental e social. Também era trabalhado a nível de governance.
Como é que estes critérios têm vindo a evoluir nos últimos anos? Sobre o acompanhamento feito às empresas, são constantes, há fases de quebra, ou é um compromisso verdadeiramente sólido?
Existe uma legislação europeia que obriga as empresas, especialmente as grandes empresas cotadas, que tenham um caminho em termos de ESG, que é bastante focado em termos de compliance e de regras e legislação. Existem, depois, as outras empresas mundiais. Se falarmos dos Estados Unidos, não têm tanto esta perspetiva da taxonomia, mas do Corporate Social Responsibility. Portanto, eles trabalham também com esta vertente, mas acabamos por dar-lhe nomes diferentes.
Hoje, as empresas na Europa têm um quadro regulamentar bastante específico. A taxonomia até define quais são as atividades consideradas, mais a componente ambiental. A componente social e a de governance ainda não estão tão trabalhadas o que, de alguma forma, não permite catalisar tanto nessas componentes como nas ambientais, porque os critérios são bastante claros em termos ambientais.
Quando se fala em comparar toda a perspectiva social de produção em Portugal face à de outros países de fora da União Europeia (UE) – nós temos uma legislação que é bastante rigorosa e criteriosa, que cumprimos, e com a qual temos custos mais elevados -, acaba por não ser uma concorrência justa, porque os custos de produção de fora não têm em consideração todas as questões das externalidades que permitam depois que o preço de venda dos produtos ao público tenham esta componente considerada.
Passando à questão do greenwashing. As empresas incorrem nesta prática por desconhecimento ou, por vezes, é premeditado?
Eu duvido que exista greenwashing que não seja propositado. Quando uma empresa numa prática de comunicação opta trazer claims que não consegue justificar, obviamente toma a decisão de trazer estes claims à frente de outros tantos. Quando uma empresa decide colocar num rótulo que é 100% reciclável, ou que é vegan, ou que uma grande marca de roupa decide criar uma linha que diz conscious, e fala sobre a componente ambiental e desconsidera toda a componente social que está envolvida, na minha perspetiva não é por falta de conhecimento.
Com todo este esforço e todo este caminho que temos estado a trabalhar em sustentabilidade, com toda a legislação que existe, eu não acredito que hoje em dia existe alguma empresa que não está, no mínimo, consciente do que está a fazer. A minha perspetiva é que o greenwashing é efetivamente uma prática consciente das empresas.
Deve ser combatido de alguma forma, uma vez que se trata de enganar o consumidor? Devia ser penalizado?
A nova diretiva europeia, que entrou em vigor no ano passado, aponta precisamente para isso. Aponta caminhos e sanções também para as empresas que tragam estas claims sem demonstrar factos que as permitam corroborar. O que é bastante interessante nesta nova legislação é que ela traz dimensões: ecodesign, durabilidade…
Existem diferentes dimensões na nova diretiva que, sem dúvida, permitem às empresas que fazem as coisas de forma certa consubstanciar o seu trabalho e divergir cada vez mais das que não o fazem.
A nova diretiva acrescenta muito valor às empresas e, também, aos cidadãos. Especialmente os cidadãos que são mais conscientes, que optam por ter efetivamente um comportamento mais responsável, conseguem investir nestas empresas de forma totalmente clara e transparente e que estejam alinhados com os seus valores enquanto cidadãos e consumidores.
Existe muito valor que se está a perder neste momento, porque o investimento é feito especialmente, quando se fala de greenwashing, muito na perspetiva da comunicação e do marketing. E o que devia estar efetivamente a ser feito era investir este valor em research, em inovação, em criar valor para as empresas e ao planeta. Esta nova diretiva permite que estejamos a colocar dinheiro no sítio certo dentro das empresas.
Quais são as indústrias que incorrem mais nestas práticas?
O grande consumo tem estas práticas em todo o lado.
Que exemplos pode dar?
A questão de nas garrafas de água estar “100% reciclável” em vez de “100% reciclado”. É uma das práticas. Ter estas claims que não acrescentem nada ao produto.
Existe uma questão maior que precisa de ser trabalhada com cada país em termos de ecossistema e de cadeia de valor. Sobre a substituição do plástico em bebidas, por exemplo, por uma mistura de cartão e plástico. A verdade é que, em Portugal, não existe ainda reciclagem desta mistura de plástico e de cartão. Estamos a substituir uma produto que é 100% reciclável por um que não é. É importante isto ser debatido. A mesma coisa com a compostagem. Muitas empresas, principalmente alimentares, trouxeram estas embalagens 100% compostáveis, mas a verdade é que o são em determinadas condições específicas, que nós não conseguimos assegurar nos nossos aterros. Ainda não temos um circuito ao lado que seja só para para produção do composto, portanto não conseguimos assegurar que estas embalagens estão a ir para o sítio certo e têm um encaminhamento adequado. Estas alterações são feitas sem olhar para o ciclo de vida completo do produto, inclusive o que acontece depois de acabar o seu tempo de vida útil.
O que aconteceu para algumas empresas terem dado esse passo? Foi um erro de cálculo? Mau aconselhamento?
Estamos sempre a evoluir em termos de conhecimento. Acredito que muitas delas, especialmente se estivermos a falar de pequenas e médias empresas (PME), não têm recursos humanos suficientes para identificar se “este sítio é o certo ou não”. Mas veem que toda a gente está a ir para lá, por isso acreditam que esse sítio é o certo.
Quando surgiu esta sanção e se teve de preciso banir os plásticos de uso único, efetivamente ainda não existia uma solução que fosse muito interessante no mercado. Mas havia a questão dos plásticos. Até ao nível regulamentar isto foi uma bandeira, que não foi bem considerada porque não teve em consideração o ecossistema como um todo. Não foram ouvidas as diferentes partes da cadeia de valor, e o cidadão colou-se a este movimento. Porque aquilo que nós conseguimos ver é tangível. Vemos ilhas de plástico no mar; peixes a morrer em sacos de plástico. Nós vemos o impacto direto disto.
Teve de existir aqui uma resposta clara por parte dos um dos governos da UE e, também, dos cidadãos. E tomou-se uma decisão que não foi fundamentada com toda a parte da cadeia de valor. Portanto, é muito importante, nesta perspetiva, estarmos sempre a evoluir em termos de conhecimento.
Mais do que a reciclagem ou a reutilização, há quem defenda o caminho da redução.
É uma questão complexa, como acho que são todas em termos de sustentabilidade. Não existe uma resposta única. Até quando falamos do oil & gas e quando nós pensamos no futuro, falamos sempre desta perspetiva de haver aqui um mix de produtos que estão disponíveis ao mesmo tempo para os consumidores.
Estamos em período de transição e conhecemos cada vez mais o sítio onde vivemos, o impacto que a nossa economia e a nossa sociedade traz ao planeta. E estamos neste momento a agir. O que nós precisamos de entender é que vamos estar em transição e nesta transição tudo vale. Não um “tudo vale” com greenwashing. Vamos ter produtos que são recicláveis, que são reciclados, vamos trazer também a oportunidade de trabalharmos esta perspetiva do descartável para os vários ciclos. Até porque muitos materiais ainda não são recicláveis e outros não são ainda seguros para o consumidor.
Neste momento, precisamos de ter muito a perspetiva da inovação, do research, de novas matérias primas que estejam mais de acordo com os nossos desafios. Trabalhar muito, também, ao nível dos ciclos de vida do produto, de serem cada vez maiores. Temos, neste momento, de ser completamente inclusivos e integradores, enquanto não estamos numa fase em que a sustentabilidade acaba por não ser algo tão cinzento, seja em termos de conhecimento, até de soluções, e que permite até estar bastante acessível às pessoas.
Temos bastantes respostas responsáveis e sustentáveis a acontecer ao mesmo tempo, enquanto não há uma resposta que seja totalmente certa, se é que isso alguma vez vai acontecer.
Essa resposta deve ser dada a nível europeu e estatal? Acha que é uma responsabilidade também individual?
Temos de trabalhar efetivamente ao nível do poder local, regional, dos cidadãos, da sensibilização, mas também ao nível da indústria, mas também ao nível desta identificação e teste de novas matérias primas que permitam responder àquilo que nós sabemos hoje.
Em termos de inovação, que tendências existem no campo da sustentabilidade?
O ecodesign. Ao nível do peso das embalagens, por exemplo. Existem algumas empresas que reduziram o peso da embalagem através da redução da quantidade de plástico que colocavam. Só isso permite reduzir bastante a pegada carbónica de cada garrafa. E pequenas alterações que, às vezes, até parecem não ter sentido, como o facto de a tampa estar agarrada à garrafa. Tem um propósito, embora, mais uma vez, seja complexo. Depois, em triagem, tem de haver uma desagregação de uma das duas peças, porque são de matérias-primas diferentes. Portanto, em termos de reciclagem, vão para dois caminhos diferentes. Mas é importante, porque estávamos a ver tampas rolhas de garrafas de água em todo o lado, nas praias, no mar… Efetivamente, foi uma resposta. Se a resposta mais adequada ou não, não sabemos porque estamos em fase de transição.
Vemos, também, o desenvolvimento cada vez maior de biomateriais, ou seja, materiais cuja base não está relacionada com combustíveis fósseis, muito na perspetiva de reduzir o impacto de carbono, seja ao nível da produção, seja na cadeia de valor, seja ao nível da geração de resíduos.
Também, a forma como acrescentamos qualidade às matérias-primas. Por exemplo, o têxtil. Vemos hoje o mercado inundado de fibras de baixa qualidade que não permite depois, na reciclagem, que tenhamos um bom produto final com qualidade suficiente para ir ao mercado. Tem sido um esforço bastante elevado nos últimos anos, mas efetivamente agora é que vai começar a ter impacto, porque vai entrar em vigor toda a componente da reciclagem obrigatória. Primeiro a separação, depois triagem e reciclagem obrigatória das duas matérias-primas têxteis. Isto vai ser um problema, porque vamos reciclar e não vamos ter matéria-prima secundária com qualidade suficiente para voltar a entrar no produto.
Temos de trabalhar nestas vertentes: nas cadeias de valor, quer da parte do ecodesign, quer era parte da qualidade do material, e também na parte a montante das cadeias de produção, mas também a jusante, no que acontece depois, quando os produtos são colocados no lixo.