“Ninguém duvida que a Inteligência Artificial irá transformar radicalmente a nossa economia”

Vasco Stilwell d’Andrade está na Morais Leitão desde 2008, sendo sócio desde 2021. É co-coordenador do departamento de propriedade intelectual, tecnologia e dados pessoais, e co-coordenador da Team Genesis. A sua atividade profissional centra-se na área da propriedade intelectual, nomeadamente na proteção, licenciamento, transmissão e avaliação de ativos intangíveis. O advogado patrocina frequentemente clientes em […]

Abr 19, 2025 - 02:34
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“Ninguém duvida que a Inteligência Artificial irá transformar radicalmente a nossa economia”

Vasco Stilwell d’Andrade está na Morais Leitão desde 2008, sendo sócio desde 2021. É co-coordenador do departamento de propriedade intelectual, tecnologia e dados pessoais, e co-coordenador da Team Genesis.

A sua atividade profissional centra-se na área da propriedade intelectual, nomeadamente na proteção, licenciamento, transmissão e avaliação de ativos intangíveis. O advogado patrocina frequentemente clientes em assuntos contenciosos de elevado valor envolvendo marcas, patentes, direitos de autor e segredos comerciais. Dentro da área do contencioso de patentes, tem experiência em litígios de patentes farmacêuticas e a forma como estão interligados com aspetos regulatórios.

Vasco Stilwell de Andrade é Agente Oficial da Propriedade Industrial (AOPI) e Mandatário Europeu de Marcas e Desenhos junto do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (IPIUE), e também tem representado clientes perante a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) e o Instituto Europeu de Patentes (IEP). Está igualmente registado como Representante perante o Tribunal Unificado de Patentes.

Na edição de 2025 dos Managing IP Awards, o advogado foi distinguido com o prémio “Portugal Practitioner of the Year (Law Firms)”. Em 2022, ganhou o prémio de Lawyer of the Year – Sport nos Iberian Lawyer IP & TMT Awards.

Como a Propriedade Intelectual tradicional (patentes, direitos autorais, marcas) se aplica às inovações em IA e novas tecnologias?

Quem desenvolve uma nova tecnologia pode optar por proteger a inovação ou por partilhá-la com a comunidade de forma aberta e livre. Caso a decisão recaia sobre a proteção, é necessário recorrer ao sistema da Propriedade Intelectual, escolhendo o(s) direito(s) mais adequado(s) ao caso concreto.

As inovações em Inteligência Artificial (IA) não são uma exceção. Para garantir proteção sobre um avanço tecnológico nesta área, o inventor – ou a entidade desenvolvedora – deve avaliar as diferentes modalidades de proteção existentes, identificando aquelas que são juridicamente viáveis e, dentro dessas, as que fazem sentido do ponto de vista económico e estratégico. Entre as opções disponíveis, incluem-se os chamados direitos tradicionais (patentes e direitos autorais) e os não tradicionais, como os direitos sui generis sobre software e de bases de dados, bem como a proteção por segredo comercial.

Em suma, a Propriedade Intelectual dita “tradicional” pode continuar a desempenhar um papel central na proteção de algumas inovações em AI e em outras tecnologias emergentes, como a blockchain, os NFTs ou o Metaverso. Cumpre ainda notar que as marcas não servem para proteger inovações tecnológicas, mas serão certamente muito importantes para os utilizadores identificarem essas novas tecnologias no mercado.

Quem é considerado o “autor” ou “inventor” de uma obra ou invenção gerada por IA?

Como seria de esperar, a questão da titularidade de obras ou invenções geradas por IA tem sido amplamente debatida, sobretudo desde que diversas tecnologias de IA Generativa (Generative AI ou GenAI) passaram a estar acessíveis ao público em geral.

Naturalmente, cada jurisdição com um sistema de Propriedade Intelectual terá, mais cedo ou mais tarde, de adotar uma posição clara sobre esta matéria. Até ao momento, a tendência dominante na doutrina e jurisprudência aponta para a exclusão da proteção legal de obras ou invenções geradas exclusivamente por sistemas de IA, por não se verificar o requisito essencial de intervenção humana criativa. Esta é, por exemplo, a posição assumida recentemente pelo US Copyright Office.

Alguns países, como o Reino Unido, admitem a possibilidade de reconhecer direitos de Propriedade Intelectual à pessoa que contribui de forma significativa para a criação da obra, designadamente através da introdução de comandos específicos (prompts) que orientam a IA na geração de conteúdos originais que refletem as pretensões do criador humano.

No que respeita às invenções geradas com recurso a IA, a jurisprudência existente – ainda que escassa – tem sido praticamente unânime ao afirmar que apenas um ser humano pode ser considerado um inventor, excluindo assim a IA da titularidade de patentes.

Como seria de esperar, a questão da titularidade de obras ou invenções geradas por Inteligência Artificial (“IA”) tem sido amplamente debatida, sobretudo desde que diversas tecnologias de IA Generativa (Generative AI ou GenAI) passaram a estar acessíveis ao público em geral.

Como os tribunais têm lidado com litígios envolvendo obras criadas por sistemas de IA (ex.: artes, textos, códigos)?

Em Portugal, ainda não são conhecidas decisões judiciais que tratem de litígios envolvendo obras criadas por sistemas de IA. No entanto, noutras jurisdições, esta matéria já foi objeto de algumas decisões relevantes.

Neste contexto, importa destacar a atuação de Stephen Thaler, cientista e inventor norte-americano, que tem vindo a testar os limites das regras de autoria em diversas jurisdições. Thaler desenvolveu um sistema de IA denominado DABUS (Device for the Autonomous Bootstrapping of Unified Sentience), o qual, alegadamente, terá sido o criador de determinadas invenções técnicas. Nos pedidos de patente submetidos, DABUS foi indicado como único inventor. Após rejeições pelos institutos de patentes (exceto na África do Sul, onde o pedido foi aceite por questões administrativas), Thaler recorreu para os tribunais. Em todos os casos analisados judicialmente, o desfecho foi o mesmo: os pedidos foram considerados inválidos pela ausência de intervenção humana no processo inventivo.

No domínio dos direitos de autor, Thaler também tentou registar nos Estados Unidos uma imagem gerada autonomamente por IA, mas o pedido foi recusado pelo U.S. Copyright Office, que reiterou que apenas criações humanas podem beneficiar de proteção autoral.

Este entendimento foi novamente afirmado no caso da banda desenhada “Zarya of the Dawn”, cuja autora humana recorreu a uma ferramenta de IA (Midjourney) para criar as ilustrações. Inicialmente, o registo foi aceite, mas, após o instituto tomar conhecimento da origem não-humana das imagens, o registo foi parcialmente revogado, mantendo-se apenas a proteção sobre os textos.

A jurisprudência que tem vindo a consolidar-se nestes casos não é particularmente surpreendente, tendo em conta precedentes anteriores, como o famoso caso das fotografias captadas por macacos, onde também se concluiu pela inexistência de proteção autoral por ausência de autoria humana.

Quais os critérios para patentear algoritmos de IA?

Na Europa, algoritmos, por si só, não são suscetíveis de serem patenteados devido a restrições legais. Os critérios aplicáveis à patenteabilidade de sistemas de IA são os mesmos que regem as invenções implementadas por computador. Para que um pedido de patente seja admissível, é necessário que a invenção apresente uma interação concreta com hardware e que contribua de forma clara para um efeito técnico ou uma solução técnica para um problema técnico.

Como equilibrar a proteção de uma patente com a necessidade de transparência e acesso aberto em tecnologias disruptivas?

As patentes – ao contrário dos segredos comerciais e industriais – assentam no princípio da divulgação pública da invenção. Em troca dessa divulgação, o inventor obtém um direito de exclusividade temporário, ou seja, um monopólio legal sobre a exploração da invenção.

Para assegurar este equilíbrio entre o interesse público e o direito exclusivo, a lei exige que a invenção seja descrita de forma suficientemente clara e completa, de modo a permitir que um especialista na área técnica correspondente a possa reproduzir sem dificuldade excessiva. Este é o denominado requisito da suficiência descritiva, cuja inobservância pode conduzir ao indeferimento do pedido de patente.

No que diz respeito ao acesso aberto, existe já um mecanismo específico que visa garantir a disponibilização de certas tecnologias essenciais ao mercado. Trata-se do regime aplicável às chamadas patentes essenciais a normas (Standard Essential Patents – SEPs), cujo licenciamento deve ocorrer em condições justas, razoáveis e não discriminatórias (FRAND – Fair, Reasonable and Non-Discriminatory). Este sistema procura assegurar que os implementadores possam aceder a tecnologias fundamentais para a interoperabilidade e normalização, promovendo assim a concorrência e a inovação.

A Comissão Europeia encontrava-se a trabalhar numa proposta de novo regulamento sobre patentes essenciais a normas, que previa alterações ao Regulamento (EU) 2017/1001. No entanto, essa proposta foi oficialmente retirada em 11 de fevereiro de 2025.

Quem responde por danos causados por decisões automatizadas de IA?

Esta é uma das questões mais debatidas na atualidade e a própria Comissão Europeia, reconhecendo a relevância do tema, propôs, em 2022, uma diretiva para adaptar as regras da responsabilidade civil extracontratual à inteligência artificial – a chamada Diretiva Responsabilidade da IA.

No entanto, em fevereiro deste ano, a Comissão Europeia decidiu retirar a proposta legislativa, abandonando, para já, a criação de um regime autónomo de responsabilidade civil para sistemas de IA.

Assim, na União Europeia, continuam a aplicar-se as normas já existentes em matéria de responsabilidade contratual e extracontratual. Cada situação terá de ser analisada casuisticamente, sendo normal, nestes casos, considerar quem controla o sistema de IA; se existe um erro de programação ou defeito técnico; ou se o dano decorre de um uso inadequado ou negligente.

A responsabilidade poderá ainda ser influenciada pelos contratos celebrados entre os diversos intervenientes (incluindo os célebres “disclaimers”), bem como, naturalmente, pela legislação nacional aplicável ao caso concreto.

Que mudanças espera ver no campo da PI nos próximos anos em relação às novas tecnologias?

A resposta a esta pergunta está, em certa medida, ligada às anteriores. Creio que ninguém dúvida de que a Inteligência Artificial irá transformar radicalmente a nossa economia, exercendo uma enorme pressão para que a legislação em matéria de Propriedade Intelectual se adapte a esta nova realidade.

Atualmente, os tribunais estão a aplicar normas jurídicas concebidas antes do surgimento das tecnologias de Generative AI (“GenAI”) para resolver questões relacionadas com a proteção de criações e invenções geradas com recurso à IA. No entanto, é expectável que as próximas reformas legislativas venham a abordar de forma mais direta e específica o impacto substancial da GenAI nos processos criativo e inventivo.

Por outro lado, prevejo que, nos próximos anos, venha a existir maior clareza relativamente à licitude de práticas como o “scraping” para efeitos de treino de modelos de linguagem de grande escala (Large Language Models – LLMs). Atualmente, persistem muitas dúvidas quanto à compatibilidade dessas práticas com os direitos de autor dos titulares dos conteúdos utilizados. Em vários países, os tribunais já começaram a analisar esta questão, sendo previsível que, a breve trecho, se desenvolva jurisprudência relevante.

A meu ver, as novas tecnologias terão também um impacto significativo na deteção e monitorização de infrações de direitos de Propriedade Intelectual, especialmente no que respeita a conteúdos disponibilizados online. Esta transformação já se encontra em curso, sendo previsível que as ferramentas de deteção se tornem cada vez mais sofisticadas e eficazes.

Como é sabido, muitas áreas da Propriedade Intelectual envolvem um elevado grau de subjetividade – por exemplo, determinar se uma marca é confundível com outra marca previamente registada ou se um novo design infringe os direitos de um concorrente. É bastante provável que, no futuro, venham a ser desenvolvidas tecnologias que contribuam para reduzir a imprevisibilidade frequentemente associada a estes processos de análise e registo.

Naturalmente, outras evoluções tecnológicas – como o blockchain, os NFTs ou o Metaverso – também terão repercussões relevantes no domínio da Propriedade Intelectual. Contudo, em minha opinião, será a Inteligência Artificial a tecnologia com efeitos mais profundos e transversais neste campo.

As gigantes multinacionais podem dar-se ao luxo de patentear todas as invenções que são geradas nos seus centros de I&D. Contudo, essa abordagem dificilmente será viável para maioria das PME, que operam com orçamentos mais limitados. Nestes casos, é essencial adotar uma estratégia seletiva e criteriosa.

Como a proteção da PI (patentes, marcas, segredos industriais) estimula a inovação dentro das empresas?

Desde pelo menos 1474 – ano da promulgação da primeira lei de patentes em Veneza – que se reconhece que a proteção da Propriedade Intelectual é um elemento essencial para o estímulo à inovação.

Como dizia Thomas Edison, “génio é 1% inspiração e 99% transpiração”. Ou seja, uma boa ideia, por si só, não é suficiente. Criar e lançar uma nova tecnologia exige um esforço significativo, dedicação e, muitas vezes, anos de trabalho árduo. Atualmente, o desenvolvimento de novas tecnologias implica investimentos financeiros consideráveis. Naturalmente, quem investe espera não apenas recuperar o capital aplicado, mas também obter um retorno proporcional ao risco e esforço envolvidos. A proteção conferida pelos direitos de Propriedade Intelectual cumpre precisamente essa função: premiar o esforço criativo e financeiro, atribuindo ao titular um direito de exclusividade temporário que lhe permite explorar economicamente a sua inovação.

A indústria biotech é frequentemente apontada como um exemplo paradigmático deste princípio. O lançamento de um novo medicamento é precedido por um processo longo, complexo e dispendioso, que envolve investigação científica, ensaios clínicos rigorosos e exigentes processos de aprovação regulatória. Sem um sistema eficaz de proteção da Propriedade Intelectual, que permita à indústria recuperar o investimento realizado, o incentivo para continuar a investir em inovação científica seria drasticamente reduzido – com claros prejuízos para o progresso científico e, em última instância, para toda a sociedade.

Como uma estratégia robusta de patentes pode diferenciar uma empresa no mercado?

Não existe uma estratégia “one size fits all” em matéria de patentes. Cada empresa deve analisar o seu modelo de negócio e as soluções inovadoras que desenvolve internamente.

As gigantes multinacionais podem dar-se ao luxo de patentear todas as invenções que são geradas nos seus centros de I&D. Contudo, essa abordagem dificilmente será viável para maioria das PME, que operam com orçamentos mais limitados. Nestes casos, é essencial adotar uma estratégia seletiva e criteriosa.

Obter uma patente apenas para emoldurar o título de concessão ou para fins simbólicos não constitui uma política sensata – sobretudo para empresas de menor dimensão. O verdadeiro valor de uma patente reside na capacidade de conferir um monopólio efetivo e uma vantagem competitiva tangível no mercado.

Em suma, mais do que o número de patentes, o que verdadeiramente distingue uma empresa é a qualidade e relevância estratégica do seu portefólio, isto é, possuir patentes que protejam produtos ou serviços exclusivos, com impacto direto na diferenciação e no sucesso comercial.

Em setores altamente competitivos (ex.: tecnologia, farmacêutico), como as empresas podem usar patentes para manter liderança?

É um cliché, mas continua a ser verdade: quem não inova, fica para trás. A patente confere um direito exclusivo sobre um avanço tecnológico ou científico durante um determinado período de tempo. Se o novo produto ou serviço for útil e alcançar sucesso no mercado, a titular da patente beneficiará de uma vantagem competitiva face à concorrência.

Em suma, as patentes podem não só ajudar uma empresa a manter-se na liderança, como também permitir que empresas mais pequenas desafiem – e até superem – os incumbentes do setor.

Como evitar conflitos de marcas em mercados globais e digitais?

O primeiro passo é fazer o trabalho de casa de forma rigorosa. Antes do lançamento de uma nova marca é aconselhável realizar uma pesquisa de anterioridade em bases de dados de marcas e de nomes de domínio. A opção por uma marca de fantasia (palavra inventada ou usada fora do seu contexto habitual) ajuda a aumentar a probabilidade de sucesso.

Seguidamente, é aconselhável proceder ao registo da marca pretendida nos mercados onde se prevê a sua utilização, bem como garantir o registo do nome de domínio correspondente. Esta prática ajuda a prevenir situações de cybersquatting e usurpação de marca no futuro.

Após a formalização dos registos, torna-se essencial monitorizar o mercado e acompanhar as publicações de novos pedidos de marca, de modo a identificar eventuais conflitos. Em geral, quanto mais cedo for detetado um problema, maiores serão as hipóteses de o resolver por via extrajudicial.

No passado, a monitorização de uma marca a nível mundial e em suportes digitais era uma tarefa complexa e dispendiosa. Contudo, têm vindo a surgir ferramentas tecnológicas cada vez mais acessíveis, muitas das quais baseadas em Inteligência Artificial, que prometem democratizar e facilitar a vigilância internacional de marcas.

Quando uma empresa deve optar por proteger sua inovação via segredo industrial em vez de patente?

A regra de ouro é simples: não recorrer à proteção por segredo comercial ou industrial quando a solução ou o modo de funcionamento do produto pode ser descoberto por meio de “reverse engineering”.

Existem ainda setores específicos – como o farmacêutico – em que é obrigatório divulgar toda a base científica subjacente ao produto (medicamento), por razões de segurança e de regulamentação. Por conseguinte, o segredo comercial ou industrial não é uma opção viável para todas as indústrias.

Assim, sempre que uma empresa desenvolve uma tecnologia inovadora, deve proceder a uma avaliação cuidadosa das diferentes formas de proteção disponíveis, identificando as que são viáveis e mais adequadas, com base numa lógica custo-benefício.

A proteção através de segredo comercial pode ser uma opção bastante atrativa, já que dispensa registos ou formalidades administrativas e, em teoria, pode perdurar indefinidamente – ao contrário das patentes, cujo prazo de validade na Europa é limitado a 20 anos.

Como startups e empresas de tecnologia podem usar a PI para atrair investidores e parcerias?

Para a esmagadora maioria de startups e empresas de base tecnológica, a Propriedade Intelectual (“PI”) constitui o principal ativo nos primeiros estágios da sua atividade.

É precisamente a PI que, em muitos casos, protege as soluções inovadoras que distinguem a startup no mercado e lhe conferem uma vantagem competitiva. Em suma, é na PI que reside grande parte do valor e do potencial de crescimento da empresa.

De forma geral, investidores e parceiros estratégicos valorizam empresas que protegem adequadamente as suas inovações através de instrumentos de PI – como patentes, marcas ou segredos comerciais – pois isso constitui uma forma eficaz de evitar cópias e apropriações indevidas por concorrentes. Isto tornou-se muito visível para o público em geral através de programas televisivos como o “Shark Tank” e outros do mesmo género.

Por outras palavras, não basta ter uma boa ideia para atrair investidores. É preciso algo mais para convencer que o negócio é escalável e haverá boas probabilidades de obter um retorno compensador.

A PI oferece aos investidores um maior grau de segurança e confiança num contexto de elevado risco, característico do ecossistema empreendedor.

Como agir contra violações de PI em marketplaces digitais e redes sociais?

Não há dúvida de que os marketplaces digitais e as redes sociais vieram introduzir novos desafios à proteção dos direitos de Propriedade Intelectual. A principal característica destas plataformas é o facto de grande parte dos conteúdos ser carregada diretamente pelos próprios utilizadores, o que gera, com frequência, situações de violação de direitos exclusivos (normalmente marcas e/ou direitos de autor).

Tal como nos mercados tradicionais, existem tanto medidas preventivas como medidas reativas que podem – e devem – ser adotadas.

Do ponto de vista preventivo, algumas plataformas oferecem mecanismos específicos para os titulares de direitos. Por exemplo, é possível registar marcas junto do próprio marketplace digital, beneficiando assim de ferramentas adicionais de proteção e monitorização, nomeadamente contra produtos contrafeitos. O Amazon Brand Registry é, porventura, o exemplo mais conhecido nesta área.

No que respeita às medidas reativas, a legislação e os best practices evoluíram consideravelmente nas últimas décadas. Atualmente, a maioria das plataformas digitais dispõe de procedimentos próprios para denunciar infrações de direitos de Propriedade Intelectual e solicitar a remoção de conteúdos ilícitos. O recurso a mecanismos como o “notice and take down” constitui, em muitos casos, a forma mais rápida e eficaz de atuação nestes ambientes.

Naturalmente, continuam disponíveis as vias tradicionais de reação, como o envio de notificações extrajudiciais (cartas de interpelação) ou o recurso aos tribunais, que podem ser acionadas para resolver litígios, obter medidas cautelares ou requerer indemnizações por danos sofridos.

Como a due diligence de PI impacta avaliações e negociações em M&A?

A importância da Propriedade Intelectual na atividade de uma empresa depende, em grande medida, do setor em que opera e do modelo de negócio adotado. Como já referido, para muitas empresas – incluindo startups – grande parte do valor das mesmas reside precisamente nos seus ativos de Propriedade Intelectual.

Por esse motivo, é crucial identificar eventuais fragilidades ou riscos associados a esses ativos no contexto de operações de fusões e aquisições (M&A), sendo essa análise realizada através de processos de due diligence.

Naturalmente, caso sejam detetadas deficiências, omissões ou aspetos menos claros no portefólio de direitos de Propriedade Intelectual durante estas auditorias legais, tal poderá ter um impacto significativo na avaliação da empresa ou dos ativos em causa.

Existem, aliás, vários casos conhecidos em que uma análise deficiente dos direitos de Propriedade Intelectual em sede de due diligence acabou por resultar em prejuízos de muitos milhões de euros para o comprador. Assim, o processo de due diligence em matéria de Propriedade Intelectual deve ser encarado com rigor e a atenção que merece, nunca sendo menosprezado.

A importância da Propriedade Intelectual na atividade de uma empresa depende, em grande medida, do setor em que opera e do modelo de negócio adotado. Como já referido, para muitas empresas – incluindo startups – grande parte do valor das mesmas reside precisamente nos seus ativos de Propriedade Intelectual.

Na sua visão, quais setores terão os maiores conflitos de PI nos próximos anos?

Dada a dimensão dos investimentos envolvidos e o papel central que as patentes desempenham, a indústria farmacêutica continuará a ser, previsivelmente, um dos setores com maiores níveis de litigância no domínio da Propriedade Intelectual. Trata-se, muitas vezes, de litígios com impacto determinante no futuro das empresas – verdadeiros casos de “bet the company” – nos quais não existe alternativa viável senão recorrer aos tribunais.

O setor das telecomunicações e da Internet das Coisas (IoT) deverá igualmente manter-se como uma fonte relevante de litígios, sobretudo no que respeita ao acesso a patentes essenciais a normas (SEPs) e à determinação de valores justos de licenciamento.

Paralelamente, o setor dos media, detentor de vastos repositórios de conteúdos protegidos por direitos de autor, continuará a ter fortes incentivos para contestar judicialmente os operadores de sistemas de Inteligência Artificial. Em causa estão, por um lado, utilizações não autorizadas de conteúdos protegidos no treino de Large Language Models (LLMs) e, por outro, as disputas emergentes sobre o reconhecimento (ou não) de direitos de autor em criações geradas de forma autónoma por ferramentas de IA generativa (GenAI).