"Não existe mais no Brasil o 100% presencial", afirma gestor educacional

Niskier aposta em modelo de financiamento estudantil tripartite, envolvendo governo, instituições e empresas. Ele defende que noções de empreendedorismo e de sustentabilidade socioambiental devem permear a formação de graduandos

Abr 14, 2025 - 11:28
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"Não existe mais no Brasil o 100% presencial", afirma gestor educacional

A qualidade e o acesso ao ensino superior, o papel dos professores, além da combinação entre as didáticas presenciais e a distância, são assuntos que permeiam os debates em torno da graduação brasileira. De acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022, a proporção da população maior de 25 anos com nível superior foi de 18,4%, enquanto no ano de 2000, esse dado foi de 6,8%.

Boa parte desses estudantes realizaram a graduação em alguma universidade privada. De acordo com o Censo do Ensino Superior no Brasil, produzido em 2023 pelo Ministério da Educação, 88,6% — 4.424.903 pessoas — dos estudantes que iniciaram o nível superior estão nas entidades privadas de ensino.

Chama a atenção, ainda, o fato de que, conforme os dados do Ministério da Educação (MEC), 66,4% dos alunos de graduação no Brasil entraram no ensino superior por meio de um curso na modalidade a distância (EaD).

Em meio ao aumento do número de estudantes de graduação — sobretudo em cursos presenciais ou on-line oferecidos pela rede privada —, surgem questões sobre melhores diretrizes e as metas para os próximos anos na educação. Em entrevista ao Correio, o gestor educacional Celso Niskier discutiu esses e outros temas que englobam a didática em instituições de ensino superior no país.

Membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), Niskier também é diretor-presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) e fundador e reitor do Centro Universitário UniCarioca. Entusiasta da tecnologia e inovação na educação, ele defende que nações de empreendedorismo e de sustentabilidade socioambiental devem permear a formação de graduandos. Confira os principais trechos da entrevista.

Como avalia o cenário atual da educação superior no Brasil?

Acho que estamos em um momento decisivo para a educação em geral, especialmente na educação superior. Isso porque são várias discussões em andamento, uma delas é o próprio PNE (Plano Nacional de Educação), que está em debate no Congresso e vai estabelecer as metas na educação para os próximos 10 anos. Outra discussão importante é o novo Marco Regulatório da Educação a Distância. Esse decreto será publicado em 9 de maio.

Qual a importância do novo Marco Regulatório da Educação a Distância?

Na minha visão, o acesso de estudantes ao nível superior cresceu muito nos últimos anos. Esse aumento certamente foi impulsionado pelo setor de educação a distância. Diante disso, um novo marco regulatório vai estabelecer padrões de qualidade na formação EaD. Em síntese, nós (setores de ensino) contribuímos para a democratização do ensino superior nos últimos 20 anos. Ou seja, já tivemos o crescimento quantitativo e agora é o momento de zelar pela qualidade acima de tudo. Diante disso, tanto o Marco Regulatório da Educação a Distância como o Plano Nacional de Educação vão estabelecer metas para o futuro do nível superior no Brasil.

E quanto à qualidade, os cursos superiores a distância conseguem atender essa eficiência?

Educação é educação, seja presencial ou a distância. Não existe mais no Brasil o 100% presencial ou 100% a distância. A educação superior deve preencher um contínuo calendário de atividades presenciais e não presenciais. Nos dois casos, o papel do professor é essencial e deve sempre ser valorizado.

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Como atingir esse equilíbrio com qualidade?

Alguns cursos superiores têm mais ou menos flexibilidade para atividades presenciais ou a distância. A palavra é equilíbrio, e esse equilíbrio não é homogêneo. Para atingirmos esse grau, temos que nortear a nossa política com base em princípios para os dois modelos de educação (presencial e a distância). O primeiro é a valorização do professor. Em qualquer circunstância, o docente nunca será substituído, ele precisa ser valorizado a ponto de adquirir um papel mais importante na promoção do conhecimento.

Qual o papel do professor neste contexto?

Eu chamo de um professor mentor, o professor curador do conhecimento, não um mero entregador de conhecimentos. Isso a Inteligência Artificial consegue fazer. O professor, seja ele de ensino presencial ou a distância, deve atuar como um estimulador da capacidade de pensamento crítico dos alunos. Essa qualificação do professor.

Como a inovação entra no contexto de qualificação de professores?

A inovação é o que permite, por exemplo, o uso crescente da inteligência artificial para melhorar a qualidade do ensino, personalizar a aprendizagem do aluno, reduzir a evasão de cursos superiores e melhorar a eficiência da gestão. No Conselho Nacional de Educação, discutimos exatamente a aplicação da IA na educação. O último ponto é a acessibilidade. Como nós ainda estamos aquém nas metas do Plano Nacional de Educação, nós precisamos garantir que haja uma expansão ainda maior do que a que tivemos nos últimos anos, com qualidade.  

Essa expansão viria com financiamentos estudantis?

Sim, ainda temos jovens que completam o ensino médio, mas não têm condições de fazer um curso superior. Iniciativas como o Pé-de-Meia são boas notícias e podem trazer mais jovens para o ensino superior. Proponho, também, uma revisão no financiamento estudantil que incorpore o papel das empresas, que muitas vezes precisam de profissionais que possam financiar seus estudos. Podemos pensar em um modelo tripartite de financiamento envolvendo governo, instituições e empresas.

Seria uma forma de parceria entre o setor produtivo, que entraria com financiamento, e as universidades?

Isso. E envolvendo os incentivos que o governo pode dar, por exemplo, formas de reduções tributárias para aquelas instituições de ensino superior que resolvam investir na capacitação desses profissionais. Enfim, são ideias que estamos debatendo. No Brasil Educação (fórum presidido por Niskier que reúne entidades educacionais privadas), desenvolvemos uma agenda trienal com 20 objetivos estratégicos para a educação superior e básica nos próximos anos e um deles é a expansão dos programas de financiamento e a parceria com o setor produtivo para garantir que nós não fiquemos para trás na competitividade por talentos que vai ser cada vez mais na era da inteligência artificial. Cada vez mais importantes, talentos criativos, talentos humanos, empreendedores, que é o que eu acho que o mundo exige neste nesses novos tempos.

No Conselho Nacional de Educação, seu foco é na promoção da inteligência artificial e do empreendedorismo. Poderia comentar sobre a relação entre esses temas e a educação superior?

É fato que a tecnologia, especialmente a inteligência artificial, atua na educação superior como facilitadora na melhora da qualidade do ensino, do aprendizado dos alunos e da eficiência da gestão educacional. Sobre a formação empreendedora, acredito que os cursos superiores devem proporcionar que seus estudantes sejam protagonistas da própria vida. Nós, no Conselho Nacional de Educação, elaboramos pesquisas com estudantes e vimos que a grande maioria dos jovens querem um ambiente que estimule o empreendedorismo. As instituições e os professores, no entanto, ainda não estão preparados para essa realidade. Então, considero que um dos desafios para as universidades em todo o Brasil é trabalhar a educação empreendedora.

Comumente, Influenciadores digitais dizem ser banal a formação superior a quem deseja ser um bom empreendedor. Qual sua opinião sobre isso?

Eu diria que essa alegação é uma fake news. É uma fake news porque essa afirmação não se baseia em fatos concretos. Não dá para generalizar o caso de empreendedores bem-sucedidos sem diploma superior. São pouquíssimos os que se tornam. Já as pessoas que concluem o nível superior conseguem concretamente um aumento na renda maior do que quem não fez faculdade. Por último, a faculdade agiria para proporcionar maior conhecimento crítico e social aos empreendedores.