“Não estamos contra as empresas, trabalhamos a favor das empresas”

Nuno Cunha Rodrigues: Presidente da Autoridade da Concorrência desde março de 2023, mostrou que a defesa de um mercado competitivo não significa fletir permanentemente os músculos e ter mais olhos do que barriga. O seu perfil meticuloso recolocou a AdC num caminho mais seguro: sem hostilidade às empresas, mas com o dedo no gatilho.

Mai 4, 2025 - 08:07
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“Não estamos contra as empresas, trabalhamos a favor das empresas”

O Tribunal Constitucional deu razão à Jerónimo Martins num processo em que a recolha de documentos e correspondência foi feita sem um mandado de um juiz, apenas o aval do Ministério Público. Parece-lhe correto ter só o mandado do MP?
No passado, a Autoridade procedia dessa forma. Muitas vezes pedia os mandados ao MP, de harmonia com o que estava previsto na Lei da Concorrência. O que eu posso dizer é que, comigo, o procedimento tem sido diverso: pedimos sempre autorização através do MP ao juiz de instrução criminal para que emita os mandados de busca. As questões que se passaram anteriormente foram apreciadas já pelos tribunais e pelo Tribunal Constitucional, mas ainda não há uma decisão definitiva e consensual. Mesmo a nível europeu, podemos questionar se pode o MP, enquanto órgão judicial independente, autorizar esses mandados de busca. Portanto, eu diria que a resposta não é unívoca, não é completa… no sentido de percebermos se, no passado, estava bem ou mal… mas era o procedimento previsto na lei.

Se houver três decisões no mesmo sentido, passa a ser obrigatória a intervenção de um juiz, o que torna tudo mais equilibrado, mais seguro, de certa forma até mais justo. Concorda?
Chamo a atenção para o facto de estar pendente um pedido de reenvio prejudicial no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), que foi suscitado em abril de 2023… e que está a demorar algum tempo. O próprio tribunal já alterou a composição da formação que vai decidir esse caso. Tipicamente, o TJUE decide em formação de três ou cinco juízes e, neste caso, vai ser apreciado por 15. Portanto, é uma questão controversa. Eu acho que, a seguir às eleições legislativas, podemos olhar para a Lei da Concorrência para vermos se pode haver algum ajustamento. Não falo aqui de uma reforma global ou de uma reforma grande. Esse seria um dos pontos [a tratar], mas há outros. Repare, a Lei da Concorrência foi alterada e uma das modificações decorreu da transposição de uma diretiva fundamental da União Europeia. Ora, essa transposição não foi bem concretizada na lei e é preciso afinar.

A intervenção de um juiz oferece mais garantias, mais segurança processual?
Não quero estar aqui a afirmar a minha posição pessoal. Estou aqui a falar enquanto presidente da AdC, que se subordina ao que está na lei. Sublinho que a lei portuguesa permite que os mandados sejam emitidos pelo MP. Como lhe disse, o procedimento que a autoridade tem seguido é o de, nas buscas, pedir, através do MP, um mandado emitido com autorização de um juiz de instrução criminal. Se essa é a posição que está conforme com o direito da União Europeia, é um outro tema. Veremos qual será a posição do TJUE, que até pode contrariar a do nosso Tribunal Constitucional e aí veremos.

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