No filme À Sua Imagem, através da experiência de uma jovem fotógrafa, o actor e realizador Thierry de Peretti evoca as convulsões da ilha da Córsega ao longo das décadas de 1980-90: um invulgar fresco histórico que é também um subtil retrato íntimo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 abril).
Que sabemos nós da ilha da Córsega e dos movimentos independentistas que, por vezes de modo violento, têm pontuado a sua história social e política? Na verdade, muito pouco (falo por mim, bem entendido). Por isso mesmo, há qualquer coisa de tocante e pedagógico no facto de, ao fazer um filme como
À Sua Imagem, o actor e realizador
Thierry de Peretti (nascido em Ajaccio, em 1970), sabendo evitar qualquer simplismo panfletário, nos propor um fresco histórico em que as personagens existem como entidades carnais, contrastadas e contraditórias — numa palavra, humanas.
O filme baseia-se no romance À Son Image (ed. Actes Sud, 2018), de Jérôme Ferrari (distinguido com o Prémio Goncourt de 2012, por Le Sermon sur la Chute de Rome). No centro de uma narrativa desenvolvida ao longo de duas décadas (1980-90), encontramos a personagem da jovem Antonia — interpretada por uma notável estreante: Clara-Maria Laredo —, fotógrafa do jornal Corse Matin cuja paixão pela fotografia marca todas as dimensões da sua existência, da observação da política à mais radical intimidade.
Assim, o título À Sua Imagem deverá ser entendido de forma plural. Por um lado, e até por causa do seu envolvimento amoroso com Pascal (Louis Starace), militante pela independência, as imagens de Antonia reflectem as convulsões da sua ilha e as paixões desencontradas da sua geração; por outro lado, a visão que daí resulta é totalmente “sua”, uma vez que aquilo que ela procura não se confunde com nenhuma bandeira, embora mantendo-se ligada à infinita complexidade da experiência humana — será mesmo por isso que, a certa altura, contra a opinião dos pais, decide fazer uma reportagem sobre a guerra da Bósnia.
Thierry de Peretti, também intérprete de Joseph, sacerdote e padrinho de Antonia, filma tudo isso de forma francamente inusitada, contornando todos os clichés do melodrama ou do “thriller” político. E não é todos os dias que podemos descobrir um sentido do tempo (ou melhor, da duração) que nos leva a pressentir os incidentes emocionais que habitam as personagens, mesmo nas situações aparentemente mais transparentes — observe-se a paciência do olhar e a sensualidade dos movimentos de câmara na cena em que Antonia fotografa o tronco nu de Pascal, enquanto este atende um telefonema motivado pelo seu combate político.
À Sua Imagem é narrado por uma voz assumidamente literária que nos vai ajudando a perceber o ziguezague de emoções em que vive Antonia. Também nesse aspecto, o realizador sabe explorar o enigma, com o seu quê de “suspense”, dessa voz cuja identidade só nos será confirmada depois do meio do filme. É também uma maneira de nos fazer sentir que, sempre que contamos uma história, fazêmo-lo a partir de um olhar que não é neutro — ou seja, à nossa imagem.