Isto é jornalismo: o outro lado do espelho, onde também espreitam raios de luz
Felizmente não vão faltando peças jornalísticas que nos compensam de tanta caça ao clique, tanto texto medíocre, tanto palavreado sem nexo, tanta irrelevância sob o pomposo e algo ridículo rótulo "comunicação social". Compensam, sim. Porque informam, esclarecem, enquadram, sensibilizam. Porque nos rasgam horizontes, suscitam empatia, demonstram que nenhum ser humano é uma ilha. Porque nos põem a pensar. Porque têm a capacidade de nos elevar a uns palmos do chão. Foi o que senti no sábado, ao ver no Jornal da Noite da SIC uma reportagem intitulada "Em Nome do Pai, do Filho e da Índia". Centrada em quatro jovens sacerdotes indianos que vieram completar estudos teológicos em Portugal sem conhecerem do nosso país senão «Fátima, Cristiano Ronaldo e Vasco da Gama» e vivem no amplo espaço do Seminário dos Olivais, prestando serviço pastoral nas paróquias do Patriarcado de Lisboa. Falam-nos do choque cultural que sentiram, das hesitações que tiveram, do modo como superaram todos os obstáculos inspirados pela fé. Admirável trabalho de equipa assinado por João Maldonado, Fernando Silva, Ricardo Piano e Nuno Gonçalves. Senti o mesmo ao ler, no Observador, uma admirável reportagem escrita por Carla Sofia Luz e fotografada por Pedro Martins e Rui Miguel Pedrosa. O título diz-nos muito sobre o conteúdo: "A longa marcha de Carlos para recuperar a vida depois do AVC". Longe do habitual tom de lamúria que contamina em excesso o nosso jornalismo, é uma lição de vida. Centrada na quase-ressurreição de um programador cultural bem conhecido em Castelo Branco que esteve confrontado com o pior dos cenários mas pode hoje relatar-nos a sua história. Que só foi bem-sucedida graças a uma extraordinária rede de apoio que abrangeu família, amigos e cuidadores do Hospital Amato Lusitano. Jornalismo é isto: ver o outro lado do espelho, onde também espreitam raios de luz. Reforcei esta convicção ao ler com a atenção devida o extenso trabalho assinado por Christiana Martins na revista do Expresso de 28 de Março - seleccionado, com todo o mérito, para capa dessa edição. Centrado em Isabel da Nóbrega, que durante quase vinte anos foi companheira e musa de José Saramago, ela própria escritora de mérito, tão evidente no seu original romance Viver Com os Outros. Gosto de tudo, a começar no título da edição impressa: "Este amor deu um Nobel". Mostra-nos a luminosa face da escritora falecida em 2021, aos 96 anos, injustamente obscurecida durante décadas. É mais que justo desvendá-la agora junto de quem nunca dela tinha ouvido falar. Elevação e sensibilidade: eis dois admiráveis condimentos das crónicas - verdadeiras crónicas, quase contos, não "colunas de opinião" - assinadas no Público por Carmen Garcia, enfermeira de profissão, especializada em geriatria. Ela tem a rara capacidade de partilhar connosco histórias com gente lá dentro. Gente verdadeira, de corpo e alma. Histórias repassadas de encantamentos e frustrações narradas com genuíno sentimento de partilha. E muito bem escritas, como concluímos ao ler, por exemplo, "Quando é que deixou de ser Dia do Pai?" ou "A missa de sétimo dia do amor". Alguns, mais apressados, dirão que estes exemplos pouco ou nada terão a ver uns com os outros. Mas têm. E devolvem-me o orgulho de ser jornalista - ofício tão vilipendiado, tão abastardado, tão incompreendido, mas que nunca foi tão necessário. E tão urgente.

Felizmente não vão faltando peças jornalísticas que nos compensam de tanta caça ao clique, tanto texto medíocre, tanto palavreado sem nexo, tanta irrelevância sob o pomposo e algo ridículo rótulo "comunicação social".
Compensam, sim. Porque informam, esclarecem, enquadram, sensibilizam. Porque nos rasgam horizontes, suscitam empatia, demonstram que nenhum ser humano é uma ilha. Porque nos põem a pensar.
Porque têm a capacidade de nos elevar a uns palmos do chão.
Foi o que senti no sábado, ao ver no Jornal da Noite da SIC uma reportagem intitulada "Em Nome do Pai, do Filho e da Índia". Centrada em quatro jovens sacerdotes indianos que vieram completar estudos teológicos em Portugal sem conhecerem do nosso país senão «Fátima, Cristiano Ronaldo e Vasco da Gama» e vivem no amplo espaço do Seminário dos Olivais, prestando serviço pastoral nas paróquias do Patriarcado de Lisboa. Falam-nos do choque cultural que sentiram, das hesitações que tiveram, do modo como superaram todos os obstáculos inspirados pela fé.
Admirável trabalho de equipa assinado por João Maldonado, Fernando Silva, Ricardo Piano e Nuno Gonçalves.
Senti o mesmo ao ler, no Observador, uma admirável reportagem escrita por Carla Sofia Luz e fotografada por Pedro Martins e Rui Miguel Pedrosa.
O título diz-nos muito sobre o conteúdo: "A longa marcha de Carlos para recuperar a vida depois do AVC". Longe do habitual tom de lamúria que contamina em excesso o nosso jornalismo, é uma lição de vida. Centrada na quase-ressurreição de um programador cultural bem conhecido em Castelo Branco que esteve confrontado com o pior dos cenários mas pode hoje relatar-nos a sua história. Que só foi bem-sucedida graças a uma extraordinária rede de apoio que abrangeu família, amigos e cuidadores do Hospital Amato Lusitano.
Jornalismo é isto: ver o outro lado do espelho, onde também espreitam raios de luz.
Reforcei esta convicção ao ler com a atenção devida o extenso trabalho assinado por Christiana Martins na revista do Expresso de 28 de Março - seleccionado, com todo o mérito, para capa dessa edição. Centrado em Isabel da Nóbrega, que durante quase vinte anos foi companheira e musa de José Saramago, ela própria escritora de mérito, tão evidente no seu original romance Viver Com os Outros.
Gosto de tudo, a começar no título da edição impressa: "Este amor deu um Nobel". Mostra-nos a luminosa face da escritora falecida em 2021, aos 96 anos, injustamente obscurecida durante décadas.
É mais que justo desvendá-la agora junto de quem nunca dela tinha ouvido falar.
Elevação e sensibilidade: eis dois admiráveis condimentos das crónicas - verdadeiras crónicas, quase contos, não "colunas de opinião" - assinadas no Público por Carmen Garcia, enfermeira de profissão, especializada em geriatria. Ela tem a rara capacidade de partilhar connosco histórias com gente lá dentro. Gente verdadeira, de corpo e alma.
Histórias repassadas de encantamentos e frustrações narradas com genuíno sentimento de partilha. E muito bem escritas, como concluímos ao ler, por exemplo, "Quando é que deixou de ser Dia do Pai?" ou "A missa de sétimo dia do amor".
Alguns, mais apressados, dirão que estes exemplos pouco ou nada terão a ver uns com os outros. Mas têm. E devolvem-me o orgulho de ser jornalista - ofício tão vilipendiado, tão abastardado, tão incompreendido, mas que nunca foi tão necessário. E tão urgente.