Inclusão ou segregação? The Town concentra artistas negros no palco Quebrada
Mesmo com propostas estéticas distintas, artistas como Belo, Criolo e Black Pantera foram direcionados ao mesmo espaço por origem social - não por afinidade musical


Um palco periférico para o som da periferia
Ao anunciar o palco Quebrada como novidade da edição 2025, o The Town reforçou uma tradição inaugurada no Rock in Rio com o Espaço Favela: criar um espaço exclusivo para a produção cultural das periferias. A proposta oficial é valorizar a arte das quebradas por meio de batalhas de rima, trap, slam, passinho e linguagens visuais de rua.
Entretanto, não deixa de ser um palco periférico para o som da periferia. Essa formulação evidencia que criar um espaço apartado, mesmo com um discurso positivo, carrega a marca da exclusão, pois reafirma a ideia de que o “som da periferia” deve ser contido em um palco menor, relegado a uma posição secundária dentro da estrutura do evento. A presença está garantida, mas limitada a um espaço específico, que não se comunica diretamente com o “centro” do festival.
Encenação da cultura de rua
Essa exclusão simbólica não acontece apenas pela localização ou pelo tamanho do palco, mas também pela forma como ele é esteticamente construído. O Quebrada parece montado para reforçar um tipo de espetáculo esperado quando se fala em periferia: um ambiente cenográfico onde se encena uma ideia idealizada e congelada da cultura de rua. Os elementos do hip-hop aparecem como marca obrigatória — rima, grafite, dança, performance — compondo uma caricatura previsível do que seria uma “quebrada em estado de show”.
Quando o critério deixa de ser musical
A escalação inclui artistas que dialogam com esse formato — como MC Hariel, Kayblack, Criolo e Tasha & Tracie —, cujas trajetórias estão diretamente ligadas ao rap, ao trap e à cultura urbana. Mas é nesse contexto que surgem os contrastes mais evidentes. Belo, expoente do pagode romântico, e Black Pantera, banda de rock pesado, não têm nenhum vínculo estético com esse universo. Ainda assim, foram alocados no mesmo espaço, não por afinidade musical, mas por perfil social e racial.
Belo está ali como representante de uma trajetória de ascensão popular a partir da periferia, mesmo que sua música não dialogue com as linguagens do hip-hop. Já o Black Pantera, cujo trabalho pertence claramente ao universo do rock pesado — gênero celebrado no palco principal com nomes como Green Day, Bruce Dickinson e CPM 22 —, foi retirado desse eixo e transferido para um espaço onde seu som destoa completamente.
Inclusão delimitada é contenção
Não há razão estética que justifique essa decisão. O que define a presença de ambos no Quebrada não é o que eles tocam, mas o lugar de onde vieram e a cor de sua pele. Trata-se de uma lógica de contenção: artistas negros e periféricos ganham visibilidade, desde que permaneçam em seu espaço delimitado — um palco secundário, periférico, e temático, que organiza a diversidade sem integrá-la de fato à estrutura central do festival.
A criação do Quebrada funciona, nesse sentido, como um token institucionalizado — uma representação visível da diversidade que o festival quer promover, mas que não altera a lógica estrutural de quem pode estar no centro. Cria um espaço exclusivo para artistas negros e periféricos, o que acaba justificando barrá-los dos palcos centrais – afinal, já têm um espaço próprio, delimitado, onde devem permanecer.
O contraste com o palco Supernova
A lógica é diferente, por exemplo, do palco Supernova do Rock in Rio. No Supernova, a proposta é dar visibilidade a artistas emergentes de diferentes gêneros e perfis, escolhidos por curadoria baseada em relevância artística e dados de streaming — não por origem social ou identidade racial. Ali, o que define a presença não é de onde o artista veio, mas o tipo de público que ainda não alcançou. São músicos e bandas que, por não terem apelo comercial suficiente para os palcos principais, ganham uma chance real de serem descobertos. No Quebrada, o princípio é outro: artistas negros e periféricos são agrupados não por nicho musical, mas por perfil de origem — mesmo quando, como no caso do Black Pantera, pertencem estética e sonoramente ao eixo central do festival.
O perigo da inclusão virar segregação
Inclusão real não é criar um palco temático. É ver Belo, Black Pantera, Criolo, MC Hariel ou Kayblack ocupando todos os palcos, em igualdade de condições — não como exceções, mas como parte da linha de frente. Quando isso não acontece, o palco Quebrada pode até parecer homenagem, mas a aparência precária de inclusão pode servir, na prática, como segregação inconsciente.