Gorgonzola em caixa de cottage

Ao fim do segundo turno das eleições de 2024, o governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), não escondia o entusiasmo. Não era para menos: seu partido acabara de fazer 164 prefeitos, o que corresponde a 41% dos municípios paranaenses. Seu apoio havia sido decisivo sobretudo na apertada corrida eleitoral de Curitiba. Nenhum outro governador do país tinha conquistado tantas prefeituras, fosse em números absolutos, fosse em termos relativos. Na crista da onda, ele deu declarações a veículos nacionais, aludindo a uma “vitória da direita popular”. Desde então, seu nome ganhou força como opção nas eleições presidenciais de 2026. Ratinho Junior corre por fora, bem ao estilo que o consolidou: fugindo de confrontos e polêmicas, para que ninguém mexa no seu queijo.  Dentro do PSD, o nome do paranaense se firmou ainda no fim do ano passado. Com a inelegibilidade de Jair Bolsonaro (PL) e embalado pelo êxito nas eleições municipais, Ratinho Junior passou a manifestar ao partido a intenção de ser pré-candidato à Presidência. Com a avaliação de que a legenda deve ter candidatura própria, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, lhe deu aval. “Ele [Ratinho Junior] deixou claro o desejo de se habilitar e o partido deu o sinal verde para ele começar a se preparar para uma eventual candidatura. Ó, é simples assim”, diz Kassab à piauí. “Então, caminha assim, com bastante consistência, a pré-candidatura dele a presidente”, enfatiza. The post Gorgonzola em caixa de cottage first appeared on revista piauí.

Abr 26, 2025 - 17:28
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Gorgonzola em caixa de cottage

Ao fim do segundo turno das eleições de 2024, o governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), não escondia o entusiasmo. Não era para menos: seu partido acabara de fazer 164 prefeitos, o que corresponde a 41% dos municípios paranaenses. Seu apoio havia sido decisivo sobretudo na apertada corrida eleitoral de Curitiba. Nenhum outro governador do país tinha conquistado tantas prefeituras, fosse em números absolutos, fosse em termos relativos. Na crista da onda, ele deu declarações a veículos nacionais, aludindo a uma “vitória da direita popular”. Desde então, seu nome ganhou força como opção nas eleições presidenciais de 2026. Ratinho Junior corre por fora, bem ao estilo que o consolidou: fugindo de confrontos e polêmicas, para que ninguém mexa no seu queijo. 

Dentro do PSD, o nome do paranaense se firmou ainda no fim do ano passado. Com a inelegibilidade de Jair Bolsonaro (PL) e embalado pelo êxito nas eleições municipais, Ratinho Junior passou a manifestar ao partido a intenção de ser pré-candidato à Presidência. Com a avaliação de que a legenda deve ter candidatura própria, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, lhe deu aval. “Ele [Ratinho Junior] deixou claro o desejo de se habilitar e o partido deu o sinal verde para ele começar a se preparar para uma eventual candidatura. Ó, é simples assim”, diz Kassab à piauí. “Então, caminha assim, com bastante consistência, a pré-candidatura dele a presidente”, enfatiza.

Enquanto Kassab não hesita em expor o nome do pré-candidato do partido, o próprio Ratinho Junior evita cravar com todas as letras que é pré-candidato. Costuma tergiversar, repetindo que sua geração tem a obrigação de apresentar uma alternativa ao país. Invariavelmente, menciona outros nomes viáveis no campo da direita, como Tarcísio de Freitas (Republicanos), Eduardo Leite (PSDB), Romeu Zema (Novo) e Ronaldo Caiado (União Brasil) – governadores respectivamente de São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás.

 

“Eu acho muito simplório a pessoa se colocar: ‘Eu sou candidato a presidente.’ Primeiro, que é uma coisa difícil de você construir. Tem que ter partido que dê esse aval e você tem que ter uma construção, de certa forma, de uma parte da sociedade”, disse Ratinho Junior, em 27 de janeiro, em uma entrevista em tom de compadrio, ao programa Pânico, da Jovem Pan. O governador não concedeu entrevista à piauí. Por e-mail, sua assessoria enviou uma declaração em que Ratinho Junior reafirmou que “é dever da minha geração apresentar um projeto de Brasil para o futuro” e citou os outros nomes da direita, concluindo que “precisamos construir alianças em torno de uma transformação”. Não confirmou, e também não desmentiu, sua intenção de concorrer às eleições presidenciais.

A falta de clareza para se expor como pré-candidato, no entanto, já lhe rendeu dissabores. No fim de fevereiro, colunistas do Paraná especularam que ele estava costurando um acordo com Lula para ser seu vice nas próximas eleições. Logo esse rumor rompeu a bolha paranaense. O colunista Cláudio Humberto, na Rádio Bandeirantes, fez coro à conversa, mencionando que, “segundo fontes do Palácio do Planalto, as conversas já estariam avançadas”. Blogs nacionais mais alinhados à esquerda também reproduziram a história. O rumor chegou a causar alvoroço em Brasília e no Paraná, mas logo ambas as partes se apressaram em desmenti-lo. 

“Seria o pior mundo para ele e para nós, porque ele perde os votos que têm e nós perdemos os votos que temos”, sintetiza o deputado federal Tadeu Veneri (PT-PR). Opositor ferrenho de Ratinho Junior, o presidente do PT do Paraná, deputado estadual Arilson Chiorato, também rechaçou qualquer aproximação. Do outro lado, questionado sobre se faria uma aliança com Lula para as próximas eleições, Kassab reforçou a tese de que “um grande partido tem que ter candidatura própria”. Hoje base do governo, o PSD comanda três ministérios. Nos bastidores, ambos os lados atribuem essa especulação a setores da direita e ao “mercado financeiro” que querem tirar Ratinho Junior do páreo, deixando o caminho livre para Tarcísio de Freitas – o preferido da Faria Lima.

 

No e-mail enviado à piauí, Ratinho Junior classificou as postagens como “mentira” e fake news. “A tentativa de me associar com a esquerda é infantil”, escreveu. Uma eventual aliança entre Lula e Ratinho Junior remeteria ao período em que ambos foram próximos, no início da carreira política do governador.

 

Nascido em Jandaia do Sul, no Norte do Paraná, Carlos Roberto Massa Junior não tinha a política como um desejo imediato em sua vida. Já em Curitiba – para onde se mudou com a família antes dos 3 anos de idade –, pensava em se dedicar à comunicação, seguindo os passos do pai, o então radialista Ratinho. Após anos trabalhando como repórter policial em emissoras locais, Ratinho pai comprou, em 1994, a Rádio Eldorado do Paraná, em São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba. Logo no início, o Junior – como o filho do radialista era chamado pela família e amigos – começou a se interessar pela emissora. Passou a ajudar na parte técnica, trabalhando como “folguista”, ou seja, cobrindo folgas semanais e férias da equipe. Aprendeu rápido e pegou gosto pela coisa.

“Ele, com 13 ou 14 anos, foi dar uma força, ‘fazer mesa’, sonoplastia…”, conta o radialista Celso Schadeck, um dos que ensinaram o ofício a Junior. Logo, o rapaz ofereceu um tostão de sua voz para a programação. Foi apresentador do Microfone Aberto, um programa matutino de variedades, que mesclava músicas e participações de ouvintes, com bom humor. Ratinho Junior permaneceu à frente da atração até junho de 2018, quando se afastou para se concentrar em sua campanha ao governo do Paraná. “[A estreia] foi questão de ele pegar o microfone e ficar. Não se abalou. Como ele observava muito, já tinha pegado o jeito antes de ir ao ar”, acrescenta Schadeck. Fiel ao amigo, hoje Schadeck tem um cargo de comissão na Casa Civil, mas dá expediente na Rádio Paraná Educativa, do governo do estado.

 

Apesar de ser um jovem mão na massa, Ratinho Junior não era lá muito afeito aos estudos. Preferia o futebol com os colegas da rádio e os programas com os amigos aos finais de semana. “Ele jogava bem. Era garoto, corria… Ficava no ataque. Só queria fazer gol”, recorda Schadeck. Junior só concluiu o ensino médio em 2002, aos 21 anos, no Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos (CEEBJA) Paulo Freire, em uma modalidade que substituiu o ensino supletivo. A conclusão do segundo grau coincidiu com sua entrada para a política – também seguindo a trilha paterna. 

Paralelamente à carreira no rádio, Ratinho pai tinha mantido um pé na vida pública, como tantos repórteres policiais. Havia sido vereador em Jandaia do Sul (entre 1977 e 1984), teve um cargo na Secretaria de Esportes e Cultura no governo de José Richa (MDB), foi vereador em Curitiba (entre 1989 e 1991) e deputado federal (entre 1991 e 1995). O apresentador, no entanto, costuma dizer que se desiludiu com a política. Nessa época, ele já tinha despontado regionalmente como apresentador de tevê, com o 190 Urgente, um programa policialesco do gênero “mundo cão”, no canal CNT. O desempenho estourado e debochado de Ratinho acabou repercutindo fora do estado e ele chegou à Rede Record em 1997 com um programa com o seu nome no título (uma honraria reservada a poucos naquela época), o Ratinho Livre. Em um ano, migrou para o SBT e não saiu mais de lá – quase sempre enfrentando no mesmo horário a principal novela da Globo, segurando bem a onde no Ibope. Seu programa já não é mais um assunto no noticiário sobre tevê, mas segue influente – e, por isso, um ponto de parada preferencial de políticos nos últimos anos – Michel Temer, Jair Bolsonaro, Lula… 

Foi nesse contexto que o pai conta ter sido abordado pelo filho, que lhe manifestou a intenção de se candidatar. “Quando ele chegou com 20 anos, falou assim: ‘Pai, eu quero ser deputado’”, disse o apresentador, em entrevista ao podcast Boa Noite, Brasil, de Cesar Filho. Ratinho relatou ter dito a Junior que “isso aí não dá lucro”. Ante a persistência e o pedido de apoio do filho, Ratinho disse ter respondido: “Eu ajudo. Quanto é que custa a campanha? Eu dou o dinheiro da campanha e peço voto, que é o que eu posso fazer.” Em uma época em que era possível receber dinheiro privado em campanhas e tendo o pai como financiador e cabo-eleitoral, Ratinho Junior elegeu-se deputado estadual pelo PSB em 2002, aos 21 anos. Foi o candidato mais bem votado do estado, com mais de 189 mil votos.

Na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), o jovem deputado era chamado por seus pares apenas por Junior. Mais alinhado à centro-esquerda, tinha a inexperiência e o deslumbre típicos dos estreantes, o que se evidenciou, sobretudo, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Companhia Paranaense de Energia (Copel), da qual foi relator. “O Junior gostava daquela ‘festa’ da CPI, da imprensa em cima. Ele se maravilhava”, recorda o petista Tadeu Veneri. Paralelamente, Ratinho Junior se mexeu para suprir sua deficiência na educação formal: graduou-se em marketing e propaganda, na então Faculdade Internacional de Curitiba (hoje Uninter), uma instituição privada de ensino. Posteriormente, também fez pós-graduação em direito e cursos de especialização no exterior.

Na eleição seguinte, já no PPS (atual Cidadania), Ratinho Junior decidiu disputar uma vaga na Câmara Federal. Com apoio do pai, fez mais de 205 mil votos, elegendo-se como o segundo paranaense mais votado naquelas eleições. No Congresso, Junior (então no PSC) passou a integrar a bancada de apoio a Lula, no segundo mandato do presidente. Além da orientação do partido, a adesão ao governo também tinha um componente familiar: na ocasião, Ratinho pai tinha se aproximado de Lula, em cuja gestão obteve concessões de rádio. Junior se ligou tanto ao PT que chegou a ser cogitado como vice de Gleisi Hoffmann nas eleições de 2008 à prefeitura de Curitiba – o que acabou não se confirmando. 

A ruptura ocorreu nas eleições municipais de 2012, quando Ratinho Junior disputava o segundo turno à prefeitura de Curitiba contra Gustavo Fruet (PDT). Pela aproximação com o PT, Junior esperava apoio declarado do partido. No fim da campanha, no entanto, Hoffmann apareceu no programa eleitoral de Fruet, endossando a candidatura do pedetista: “A mudança tem nome e sobrenome”, ela disse, em apoio a Fruet. 

A frase abalou a família Massa. “Ela não tinha o direito de fazer esse comentário, de colocar isso na televisão, desqualificando o meu filho, me desqualificando. Ela se tornou minha inimiga, minha adversária. Eu quero que ela morra”, disse Ratinho pai ao repórter Rafael Moro Martins, em reportagem publicada pela piauí em 2017.


O ponto de inflexão da carreira política de Ratinho Junior se deu em 2013, quando foi convidado pelo governador paranaense Beto Richa (PSDB) a assumir a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano (Sedu). A pasta era de importância estratégica, porque tinha entre suas atribuições gerir obras do governo em áreas como pavimentação, saneamento e habitação nos municípios. Em síntese, a Sedu estabelecia um elo entre o estado e as prefeituras do interior – e, por conseguinte, aproximava o Palácio Iguaçu de prefeitos, vereadores e líderes políticos de todos os rincões do Paraná, tornando-os aliados do governo.

“Eu já via um grande potencial de crescimento dele [Ratinho Junior] no cenário político. Entendi que ele preenchia bem os requisitos para a secretaria. E ele tirou de letra. O maior resultado disso é o reconhecimento dos prefeitos”, diz Richa, que já tinha certo relacionamento com Ratinho pai. Foi, aliás, com um cargo na gestão de José Richa, pai do ex-governador, que Ratinho se estabeleceu em Curitiba.

Tido como um político cordial, de bom trato, o então secretário deslanchou. Hoje líder do governo na Alep, o deputado estadual Hussein Bakri (PSD) era prefeito de União da Vitória – município de cerca de 55 mil habitantes – quando conheceu Ratinho Junior. Ele visitou o gabinete da Sedu, em Curitiba, em busca de recursos para a cidade. Bakri descreve o correligionário como um político articulado e atencioso, que atendia os prefeitos independentemente da coloração partidária. “Me lembro como se fosse hoje. Ele foi afável, amigável”, relembra. “Uma das características dele é a calma em escutar. As pessoas têm pressa, querem que o assunto termine rápido. Ele te deixa falar.”

O trabalho na Sedu colocou Ratinho Junior tão em evidência que ele decidiu disputar a eleição para o governo do Paraná em 2018, criando um racha momentâneo no seu grupo político – já que a vice de Beto Richa, Cida Borghetti (PP), era a candidata oficial. “Eu fiz de tudo para uni-los. Como não deu certo, fiquei neutro”, relembra Richa. Borghetti não era uma concorrente qualquer. Ela é mulher de Ricardo Barros, um dos políticos mais influentes do Paraná, que, àquela altura, era ministro da Saúde de Michel Temer (MDB) e já tinha sido ministro de Lula. Além disso, naquele mesmo ano, Cida foi governadora por nove meses, substituindo Richa, que havia se licenciado do cargo para concorrer ao Senado. 

Mesmo contra toda essa força política, embalado pelo apoio do pai e de prefeitos do interior, Ratinho Junior venceu em primeiro turno, com mais de 60% dos votos. Pesaram a seu favor o apoio de Jair Bolsonaro e a prisão de Beto Richa um mês antes da eleição, num desdobramento da Operação Lava Jato, o que ajudou a manchar a candidatura de Cida. Em 2022, após uma gestão sem grandes dissabores, Ratinho Junior repetiu a dose: faturou a reeleição com 69,6% dos votos. Tinha, enfim, consolidado seu nome no topo da política estadual. “Ali [na primeira eleição a deputado estadual, em 2002], acho que foi 80% [de influência] do Ratinho e 20% Ratinho Junior. A segunda, já foi meio a meio. A terceira, foi ele sozinho”, analisou o apresentador Ratinho ao podcast Pod Pai Pod Filho, em junho de 2023.

Em ambos os mandatos, com maioria absoluta na Assembleia Legislativa (são apenas oito deputados de oposição, em um total de 54), Ratinho Junior não tem tido dificuldade para aprovar os projetos que quer. Ainda assim, recorre com frequência ao envio de matérias à Alep para serem votadas em regime de urgência – com tramitação acelerada, sem passar por todas as comissões, abreviando o debate público. Um levantamento feito pela piauí aponta que, de 2020 a 2024, o governo do Paraná enviou 702 proposituras à Alep, entre projetos de lei e projetos de lei complementares. Destes, 274 (quase 40%) foram mandados em regime de urgência.

“Ele não gosta de bola dividida. O pouco de bola dividida que ele tem, geralmente ele manda para a Assembleia em projeto de lei e deixa o pau torar”, resume um deputado estadual da base, sob condição de anonimato.

Entre as propostas encaminhadas com urgência, estava, por exemplo, o projeto de lei que privatizou a Companhia Paranaense de Energia (Copel). A empresa era considerada a “joia da coroa” do estado a tal ponto que o próprio Ratinho Junior tinha se comprometido em campanha eleitoral a não vendê-la. Chegou a gravar um vídeo aos “copelianos” (funcionários da empresa), garantindo que a “Copel vai continuar sendo dos paranaenses”. A promessa virou pó em apenas onze meses de sua segunda gestão. Com o projeto enviado em 21 de novembro, a Alep atuou como um rolo compressor: em dois dias – em sessões realizadas em 23 e 24 de novembro de 2022 –, aprovou a transformação da Copel em uma companhia de capital disperso e sem acionista controlador. Em agosto do ano seguinte, o governo ofertou 5,2 bilhões de reais em ações da empresa na B3. Só no fim de 2024, a Copel pagou 485 milhões de reais em dividendos a seus acionistas.

Tanto para aliados quanto para opositores, a privatização da Copel foi um marco da força política de Ratinho Junior, da sua integração com grandes grupos empresariais e do seu método de transferir eventuais desgastes políticos para a Alep. “Ele compõe com o setor empresarial, a ponto de fazer o que nem o [ex-governador Jaime] Lerner conseguiu: privatizar a Copel”, diz o mesmo deputado estadual da base. Quando a abertura de capital da companhia foi sacramentada na Alep, Tadeu Veneri acusou o golpe. O deputado petista se debruçou sobre a bancada, em desalento profundo. Passou a repensar o próprio papel e, depois de cinco legislaturas, decidiu não concorrer a uma nova eleição na Alep. Foi para a Câmara dos Deputados.

“Ele [Ratinho Junior] é o resultado de um processo que vem sendo maturado há dez anos, de esvaziar o Estado, com o argumento de que isso cria receitas, que cria empregos. Criou-se um perfil em que o Estado teve seu papel esvaziado”, diz Veneri. “Ele canibalizou o Estado de tal forma que ficou só o esqueleto. E a Alep fica como mera carimbadora dos projetos do Poder Executivo, com o pires estendido para receber benesses”, completa.

O governo utilizou a mesma estratégia para privatizar, por exemplo, a Ferroeste (empresa que administra a malha ferroviária do Paraná) e a gestão de escolas estaduais. Segundo o líder da oposição, deputado Arilson Chiorato (PT), em seis anos, a bancada só conseguiu se reunir com Ratinho Junior em duas ocasiões. “Não tem diálogo com a oposição e não tem diálogo com a sociedade”, diz Chiorato, enfatizando que os projetos costumam ser encaminhados naquelas óbvias datas estratégicas, próximo a feriados ou perto dos finais de ano, como forma de minimizar o impacto negativo perante a opinião pública. 

“Ele usa sua maioria [na Alep] e tratora todo o processo. Com isso, não entra em polêmica e só aparece na boa”, diz o líder da oposição. “Não ficou nada. Falta só vender o Palácio Iguaçu [sede do governo do Paraná]”, complementa.

Bakri defende o governo. Desde que se tornou líder de Ratinho Junior na Assembleia, chamou para si o papel de conduzir o diálogo com a diminuta oposição, com sindicatos e com a sociedade civil. Para justificar o alto número de projetos enviados em regime de urgência, o deputado recorre a uma tautologia: eram temas urgentes, ele diz. Menciona que a tramitação regulamentar de uma propositura leva, em média, de 45 a 60 dias. 

“Nós já temos maioria, mas existem alguns projetos que dependem de prazo para serem efetivados. Às vezes, [a urgência] é necessária por conta de prazos. Agora, o debate é feito, as emendas são analisadas, mesmo com o regime de urgência”, diz. “Eu não tratoro nada.”

 

Gravado com a câmera na vertical, um vídeo mostra o apresentador Ratinho em primeiro plano, descontraído, com as mãos para trás. Em tom tranquilo, ele diz: “Um dos lugares que eu mais gosto de vir é nessa Fazenda Ubatuba. Olha como é bonito isso aqui. Aqui a gente fica em paz”, diz, antes de a câmera passar a focar em uma área de lazer com piscina. A propriedade é sede da Agropastoril Café no Bule, da qual o apresentador e a mulher são sócios-administradores, tendo Ratinho Junior e os outros dois filhos como sócios. Trata-se de apenas um dos inúmeros negócios do império do comunicador.

Segundo o registro na Receita Federal, a Agropastoril Café no Bule tem capital social de 35,8 milhões de reais. Inúmeros textos de portais de notícias agropecuárias descrevem a Ubatuba como uma fazenda modelo. Segundo reportagem do portal Compre Rural, a propriedade foi adquirida por Ratinho em 2004 por 9 milhões de reais e hoje é avaliada em 80 milhões. Além de ter uma lavoura de 1,3 milhão de pés de café, a fazenda também se destina ao cultivo de soja e milho, com práticas sustentáveis. 

Ratinho pai também não falou à piauí. Em entrevistas que concedeu ao longo dos últimos anos, mencionou números divergentes sobre suas fazendas: já disse ter nove, treze e dezenove propriedades agropecuárias. Entre elas, estão duas fazendas que Ratinho comprou em 2002 no município de Tarauacá, no Acre, que somam 175,3 mil hectares. Localizadas próximo à BR-364, as terras são reivindicadas por indígenas da etnia Yawanawa. Em 2005, a Organização Yawanawa chegou a publicar uma carta aberta em que dizia recusar qualquer diálogo sobre venda de suas terras e que a comunidade indígena lutaria por seus direitos. 

Ratinho tem negócios diversificados. É dono de um resort no interior do Paraná e de uma rede de hotéis. Em outra frente, é sócio da Água de Cheiro, rede de franquias do setor de perfumaria. Também tem investimentos em marcas de ração, de tintas e de cerveja. Nenhum empreendimento, no entanto, lhe deu tanto poder quanto o Grupo Massa de Comunicação. O conglomerado inclui cinco emissoras de tevê afiliadas ao SBT, uma rede de rádios com mais de 75 emissoras – a segunda maior do país –, além de um portal digital.

Aliados e opositores concordam em um ponto: Ratinho Junior é o braço político do pai. Quando foi eleito para seu primeiro mandato como governador, ele até tentou se desvincular da sombra paterna, a começar pelo nome: queria ser chamado de Carlos Massa Junior. Não deu certo. “Ele passou a refinar sua imagem e evitar ser alguém ao estilo do pai. Passou a construir uma imagem de alguém mais refinado, que vai se preparando ao longo do tempo. Ele não entra em bola dividida, em polêmicas, diferentemente do pai”, aponta Gustavo Fruet, que o enfrentou na disputa pela prefeitura de Curitiba em 2012. 

 “O Ratinho pai é o alter ego do filho. É o projeto de poder dele [Ratinho pai]”, define Tadeu Veneri.


Aos 43 anos de idade (completará 44 no próximo sábado), mas como um político à moda antiga, Ratinho Junior faz o tipo boa-praça. É descrito como um sujeito simples, que gosta de contar piadas e de passar finais de semana em churrascos ou eventos com a família. Em coletivas de imprensa, é cordial com os jornalistas. Escolhe, porém, a dedo as entrevistas exclusivas que concede, optando por ocasiões em que pressente que não será confrontado – como a participação cheia de platitudes no Pânico, da Jovem Pan. Apresenta-se quase sempre usando terno sem gravata ou blazer em tonalidades azuis. No início de 2023, submeteu-se a um procedimento de transplante capilar em São Paulo.

No aspecto político, sobressaem-se dois aspectos, que estão interligados: a defesa do encolhimento do papel do Estado e a participação da iniciativa privada na gestão, seja a partir de privatizações ou Parcerias Público-Privadas (PPPs). “Tem gente que fala que o Estado tem que ser mínimo. Não sei se é mínimo. Tem que ser enxuto. Eu acho que é possível você ter o privado prestando serviço público. A gente não tem que inventar a roda, a gente tem que ver o que os países de primeiro mundo já fizeram lá atrás”, disse, em entrevista ao Pânico.

Nessa esteira, o governador comemora realizações. Em 2024, o Paraná destinou 6,4 bilhões a investimentos em infraestrutura – comemorado por Ratinho Junior como “o maior investimento público da história”. Entre as obras propaladas pelo governador, estão a construção da Ponte da Integração (que liga o Brasil ao Paraguai) e da Ponte de Guaratuba (no litoral), a duplicação de rodovias em diversos pontos do estado, a pavimentação de estradas rurais e a engorda da orla de Matinhos, além do Plano Paraná Mais Cidades (que leva um pacote de programas a municípios do interior).

Paralelamente, o estado ostenta índices muito positivos. Desde o início dos anos 2000, o Paraná estava estacionado como a sexta economia do país. No período da gestão de Ratinho Junior, o estado deu um salto para o quarto lugar, ultrapassando o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, com um Produto Interno Bruto de 718,9 bilhões de reais. Só em 2023, o crescimento paranaense foi superior a 5% – mais que o dobro da média nacional. Além disso, terminou o quarto trimestre de 2024 com taxa de desemprego de 3,3% – menos da metade da média brasileira e o menor índice desde o início da série histórica, em 2012. Ratinho Junior também costuma destacar a força do agronegócio, dizendo que “o Paraná é o maior produtor de alimentos por metro quadrado do mundo” – apesar de não haver comprovação disso. O estado é, por exemplo, líder nacional na avicultura (responde por um terço dos abates nacionais de frango) e vice-líder na produção de soja e suínos.

O governador também investiu em grandes eventos. No início deste ano, ao longo de sete finais de semanas consecutivos, levou shows gratuitos a duas praias – em Matinhos e em Pontal do Paraná –, em uma iniciativa chamada de Verão Maior Paraná. Segundo o governo, mais de 1,8 milhão de pessoas assistiram às apresentações de artistas como Alexandre Pires, Jota Quest, Titãs, Luan Santana, Zezé di Camargo & Luciano, César Menotti & Fabiano, entre outras 25 atrações. Doze apresentações principais foram transmitidas ao vivo pelas tevês Band, SBT, TV Paraná Turismo e TVCI e pelas rádios Band e Nativa FM. O evento custou 120 milhões de reais – bancados por patrocinadores, segundo o governo.

Nessa onda, Ratinho Junior surfa como um dos governadores mais bem avaliados do país. Segundo pesquisa divulgada em fevereiro pela Genial/Quaest, o governador paranaense tem índice de aprovação de 81% e 14% de desaprovação – ele só perde para o goiano Caiado, com 86% e 9%. Os números do comunicador melhoraram em relação à pesquisa realizada em abril de 2024, quando tinha aprovação de 79% e desaprovação de 17%. Mesmo a oposição reconhece o bom momento vivido pelo governador ante a opinião pública.

“O que ele tem de melhor é a comunicação. A comunicação com a sociedade, com a mídia. Ele transforma um ovo em uma dúzia. Vende a ilusão de que o Paraná vive em uma ilha de prosperidade”, diz Chiorato. “Depois do grande ‘ajuste fiscal’ que fiz, tinha um volume expressivo de recursos liberados para os municípios. Ele [Ratinho Junior] operacionalizou isso […] Ele tem feito um bom papel, no sentido de ser um governador municipalista [que privilegia os municípios]. E pegou o estado em uma condição bem mais favorável que eu”, define Beto Richa.

 

O indício mais recente de que Ratinho Junior rompeu definitivamente a bolha estadual e passou a figurar como alternativa viável à direita se deu no início de abril. Em pesquisa divulgada pela Quaest no último dia 3, o paranaense apresentou um desempenho celebrado por seu staff. Uma das questões foi quem deveria ser o candidato da direita, caso Bolsonaro não possa concorrer às eleições presidenciais de 2026. Em pesquisa estimulada, Ratinho Junior foi escolhido por 9% dos entrevistados – ficando atrás de Tarcísio de Freitas, apontado por 15%; de Michelle Bolsonaro (PL), mencionada por 14% e de Pablo Marçal (PRTB), por 11%. Ele desbancou outros nomes fortes, como Eduardo Bolsonaro (PL), Zema e Caiado (todos citados por 4%), e Eduardo Leite (3%). O nível de confiança da pesquisa é de 95% e a margem de erro, de dois pontos percentuais.

Mas o que mais animou sua equipe foi a performance de Ratinho Junior em um eventual segundo turno contra Lula. O paranaense perderia por sete pontos percentuais: 35% a 42%, segundo a pesquisa. Tarcísio e Michelle seriam derrotados para o petista por seis pontos percentuais. Tudo muito parecido.

“Quem não gostaria de ser presidente deste país maravilhoso e continental, que é o Brasil? Ele tem esse desejo, não vou negar para você”, disse o deputado Hussein Bakri. “Com todo respeito ao Bolsonaro, mas são os fatos: aqui no Paraná, de fato, o Ratinho [Junior] foi o grande vencedor das últimas eleições”, acrescenta.

No dia seguinte – em 4 de abril –, Bolsonaro veio a Curitiba para um almoço com Ratinho Junior. Ainda no aeroporto, foi questionado pelo repórter Geovane Barreiro, do portal Nosso Dia, se Ratinho Junior seria um bom nome para “pacificar o Brasil”, caso ele, Bolsonaro, não pudesse concorrer. O ex-presidente saiu com uma evasiva: “Não está na pauta discutir isso aí.” Em seguida, fez uma breve avaliação do governador paranaense. “Sempre gostei dele. Tivemos uma boa parceria no passado”, limitou-se a dizer.

Desde as eleições de 2018, Ratinho Junior apoia Bolsonaro, embora de forma não tão incisiva, tentando passar uma imagem de moderação. No segundo turno da corrida eleitoral de 2022, chegou a declarar que mobilizaria “mais de 70% dos prefeitos” do Paraná para a campanha de Bolsonaro. Meses antes, tinha feito um aceno a Lula. Em março de 2022, o petista veio ao estado cumprir agenda do partido em Curitiba e visitar um assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Londrina. Além de determinar o reforço à segurança de Lula, Ratinho Junior mandou um recado ao ex-presidente: não é seu adversário nem seu inimigo. Uma no cravo, outra na ferradura.

Após desembarcar na região metropolitana de Curitiba, Bolsonaro e o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Netto, foram diretamente ao Palácio Iguaçu, onde foram recebidos por Ratinho Junior, por secretários de Estado, pelo prefeito da capital, Eduardo Pimentel (PSD) e pelo vice-prefeito, Paulo Martins (PL) – um bolsonarista de primeira hora. Uma foto divulgada pelo governo do Paraná mostra Ratinho Junior e Bolsonaro, perfilados entre outros dezoito políticos. Todos almoçaram a portas fechadas – um cardápio que incluía churrasco, salada e guarnições. 

A reunião se estendeu por três longas horas, fazendo supor que se costurava um grande acordo político. Interlocutores ouvidos pela piauí, no entanto, relataram que o encontro tratou apenas do apoio de Ratinho Junior à anistia aos envolvidos na tentativa de golpe de Estado e ao cenário eleitoral de 2026 em âmbito estadual. Pelo acordo aventado, Bolsonaro indicaria a candidatura ao Senado do deputado federal Filipe Barros (PL), enquanto o PSD ficaria com a outra indicação. A conversa foi tão morna que Bolsonaro pediu para tirar um cochilo. O ex-presidente dormiu por cerca de meia hora em um quarto anexo ao gabinete do governador, enquanto os políticos permaneceram na sala de Ratinho Junior. “Foi bem constrangedor”, disse um dos políticos paranaenses.

O encontro foi o primeiro aceno mais direto de Ratinho Junior a Bolsonaro, após o ex-presidente ter perdido a reeleição e se tornado réu por tentativa de abolição do estado democrático de direito. Diferentemente de Tarcísio, que costuma ser mais contundente na defesa de Bolsonaro e participar de atos públicos, o paranaense evita se manifestar. Quando o faz, é em tom muito mais brando. “Acho que, por se tratar de um ex-presidente, o julgamento [de Bolsonaro] não poderia ser feito por uma Turma, mas pelo plenário [do STF]”, disse Ratinho Junior sobre as denúncias contra Bolsonaro, durante evento do Grupo de Líderes Empresariais (Lide), de Pernambuco, no fim de março.

Após o almoço no Palácio Iguaçu, Ratinho Junior e Bolsonaro viajaram a Londrina, a cerca de 380 km de Curitiba. Lá, participaram da abertura da feira agropecuária ExpoLondrina. Apesar da agenda conjunta, os afagos entre ambos foram tímidos e protocolares. Na caminhada pelo recinto, o governador parecia se incomodar com o assédio ao ex-presidente. No ato oficial em que autoridades discursaram, Ratinho Junior não se sentou logo ao lado dele, que, por sua vez, não aplaudiu as ocasiões em que o paranaense foi elogiado em pronunciamentos. Um dos aliados presentes ao evento disse que a estratégia do governador é se manter a uma distância segura: nem tão perto, nem tão distante de Bolsonaro.

Ao fim da abertura da feira, Bolsonaro desprezou as pretensões do governador paranaense à Presidência. Respondendo à imprensa sobre seu apoio às candidaturas ao Senado pelo Paraná, o ex-presidente empurrou Ratinho Junior para a disputa. “O [deputado federal paranaense] Filipe Barros [PL], do nosso partido, está certo. A outra vaga é do Ratinho”, disse Bolsonaro a jornalistas. “O resto a gente vê depois”, concluiu.

Ainda assim, com todas as chapuletadas que levou do ex-presidente, pela primeira vez Ratinho Junior decidiu subir no caminhão de som em manifestações organizadas por bolsonaristas. O governador chegou a adiar uma viagem oficial aos Estados Unidos apenas para conseguir participar do ato realizado em 6 de abril, na Avenida Paulista, em São Paulo, pela anistia aos atos golpistas. Em suas redes, postou duas fotos do evento. Em uma, ele aparece com Bolsonaro e mais seis governadores. Em outra, postada com a legenda “Juntos pela anistia!”, o paranaense sorri sobre o caminhão de som, entre Zema, Tarcísio e Caiado – todos com pretensões de se consolidar como alternativa à direita. Ratinho Junior sabe que sairá dali o sucessor de Bolsonaro. Corre por fora, mas não fica parado.

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