gamescom latam 2025: entrevistamos Michelle Santos, criadora da aventura narrativa Neve

Em meio à bagunça da gamescom latam 2025, no estande do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), encontra-se uma demo de 15 minutos difíceis de esquecer. O thriller brasileiro Neve conta a história de três “caminhoneiras espaciais” que levam uma carga misteriosa na nave Argo: quando a capitã Jasmina acaba presa dentro de uma cápsula de criogenia, ela deve dirigir as tripulantes Atalanta e Hilas para que consigam consertar a embarcação, com a ajuda da suspeita IA Calais.A jogada é que existe um limite de tempo de uma hora antes que o oxigênio de Jasmina acabe e o tempo passa com cada ação, fazendo com que seja necessário escolher bem o que se faz a cada momento. As relações entre as três são influenciadas pelas escolhas do jogador e podem levar a sete finais diferentes, entre boas e desastrosas conclusões.O GameBlast teve a oportunidade de se sentar com Michelle Santos, idealizadora principal do projeto, e conversar mais a respeito de sua criação. Confira a seguir a entrevista. Observação: as perguntas e respostas foram editadas por motivos de clareza.Hiero de Lima: Primeiro eu gostaria que você se apresentasse, falasse um pouco sobre você e seu jogo.Michelle Santos: Meu nome é Michelle Santos, eu sou criadora de jogos na Ritus Studio, que é um estúdio indie. Neve começou a ser desenvolvido em 2022, quando eu tinha acabado de encerrar outro estúdio e não sabia bem se queria continuar desenvolvendo jogos. Foi aí que meu marido e sócio [Wadson Alvim, diretor e roteirista], que também é responsável pela narrativa do Neve, me estimulou a entrar em um edital de games bem pequenininho, com um protótipo. Foi um momento, assim, catártico, que me reconectou com o desenvolvimento de jogos. A partir daí, começamos a afinar esse projeto ao longo do tempo: quando nós participamos do BIG Festival em 2023, dentro do panorama brasil, tivemos a certeza de que estávamos no caminho certo.Neve tem influências na estética retrofuturista, que se vê em filmes como Alien: O Oitavo Passageiro, Blade Runner e O Enigma de Outro Mundo, e é um jogo que é muito sobre gerenciamento de tempo e do relacionamento entre as tripulantes e a capitã. Também temos puzzles e exploramos bastante a ideia de sincronia dos eventos: a história corre em paralelo para as tripulantes, então mesmo que você escolha ajudar uma, as coisas continuam acontecendo para a outra. Assim, cada jogador vai montando sua narrativa até chegar em um dos sete finais.Hiero: Recentemente eu ando jogando um jogo chamado The Hundred Line [-Last Defense Academy-], do criador de Danganronpa, e esse jogo tem 100 finais, sabe? Entre essa experiência enorme e o Neve, eu fico pensando: como é que se faz para controlar o escopo de um jogo narrativo com tantas escolhas?Michelle: Bem, eu acho que perder a noção do escopo é algo comum para desenvolvedores indie, mas… nossa, 100 finais?! Isso é muita coisa! [risos] A gente normalmente desenha um fluxograma do que vai acontecer. Às vezes, ao longo do processo, pode ser que apareça alguma ideia nova, daí vamos complementando. Como nós somos uma equipe pequena, inicialmente só eu na arte e programação, o Wadson na narrativa e o Arlam Júnior na música, tivemos de dimensionar o que era possível fazer e se apegar a isso, não tentar entregar mais do que conseguimos. Viemos a sentir que quatro horas de jogo, entre sete finais, é o tempo suficiente. Isso tem sido validado pelo reconhecimento que recebemos: ano passado, fomos finalistas no A MAZE. Festival e também fomos selecionados para expor o jogo na gamescom da Alemanha. Tem sido uma experiência muito legal, e a gente tem de se ater à experiência que o jogador está tendo, não inventar finais demais só para ter mais conteúdo. Hiero: O que mais faz vocês terem o interesse em contar uma história de isolamento no espaço? Michelle: Nós escolhemos o tema para dialogar com a situação de ser mulher em um emprego precário, nesse caso de “caminhoneiras espaciais”, e estar sob a pressão dessas expectativas de gênero. Várias coisas mexem com as nossas personagens: a distância, a ausência do lar, a convivência forçada… Essas três não se conhecem direito, porque passam a maior parte do tempo dormindo nas cápsulas de criogenia. Isso cria uma tensão no ar. Elas vão ter de se familiarizar uma com a outra e lidar com todo tipo de mentiras, traumas e dúvidas. Hiero: Dá para sentir bem as personalidades delas se colidindo, mesmo nesse pouco tempo que eu tive com o jogo. A atmosfera ficou muito boa. Michelle: Legal, obrigada! A gente teve de reduzir o tamanho da demo porque o pessoal do estande do Sebrae pediu que fosse menor. Essa versão nova, de 15 minutos, é a que está disponível atualmente no Steam. Hiero: Eu percebi, enquanto jogava, vários motivos da Grécia Antiga nos nomes dos personagens. Você pode falar um pouco mais a respeito dessa temática?Michelle: A intenção é fazer uma brincadeira com o mito dos argonautas, principalmente em relação à questão de estar correndo atrás

Mai 3, 2025 - 16:17
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gamescom latam 2025: entrevistamos Michelle Santos, criadora da aventura narrativa Neve

Em meio à bagunça da gamescom latam 2025, no estande do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), encontra-se uma demo de 15 minutos difíceis de esquecer. O thriller brasileiro Neve conta a história de três “caminhoneiras espaciais” que levam uma carga misteriosa na nave Argo: quando a capitã Jasmina acaba presa dentro de uma cápsula de criogenia, ela deve dirigir as tripulantes Atalanta e Hilas para que consigam consertar a embarcação, com a ajuda da suspeita IA Calais.

A jogada é que existe um limite de tempo de uma hora antes que o oxigênio de Jasmina acabe e o tempo passa com cada ação, fazendo com que seja necessário escolher bem o que se faz a cada momento. As relações entre as três são influenciadas pelas escolhas do jogador e podem levar a sete finais diferentes, entre boas e desastrosas conclusões.

O GameBlast teve a oportunidade de se sentar com Michelle Santos, idealizadora principal do projeto, e conversar mais a respeito de sua criação. Confira a seguir a entrevista. 

Observação: as perguntas e respostas foram editadas por motivos de clareza.

Hiero de Lima: Primeiro eu gostaria que você se apresentasse, falasse um pouco sobre você e seu jogo.

Michelle Santos: Meu nome é Michelle Santos, eu sou criadora de jogos na Ritus Studio, que é um estúdio indie. Neve começou a ser desenvolvido em 2022, quando eu tinha acabado de encerrar outro estúdio e não sabia bem se queria continuar desenvolvendo jogos. 

Foi aí que meu marido e sócio [Wadson Alvim, diretor e roteirista], que também é responsável pela narrativa do Neve, me estimulou a entrar em um edital de games bem pequenininho, com um protótipo. Foi um momento, assim, catártico, que me reconectou com o desenvolvimento de jogos. A partir daí, começamos a afinar esse projeto ao longo do tempo: quando nós participamos do BIG Festival em 2023, dentro do panorama brasil, tivemos a certeza de que estávamos no caminho certo.

Neve tem influências na estética retrofuturista, que se vê em filmes como Alien: O Oitavo Passageiro, Blade Runner e O Enigma de Outro Mundo, e é um jogo que é muito sobre gerenciamento de tempo e do relacionamento entre as tripulantes e a capitã. 

Também temos puzzles e exploramos bastante a ideia de sincronia dos eventos: a história corre em paralelo para as tripulantes, então mesmo que você escolha ajudar uma, as coisas continuam acontecendo para a outra. Assim, cada jogador vai montando sua narrativa até chegar em um dos sete finais.

Hiero: Recentemente eu ando jogando um jogo chamado The Hundred Line [-Last Defense Academy-], do criador de Danganronpa, e esse jogo tem 100 finais, sabe? Entre essa experiência enorme e o Neve, eu fico pensando: como é que se faz para controlar o escopo de um jogo narrativo com tantas escolhas?

Michelle: Bem, eu acho que perder a noção do escopo é algo comum para desenvolvedores indie, mas… nossa, 100 finais?! Isso é muita coisa! [risos] A gente normalmente desenha um fluxograma do que vai acontecer. Às vezes, ao longo do processo, pode ser que apareça alguma ideia nova, daí vamos complementando. 

Como nós somos uma equipe pequena, inicialmente só eu na arte e programação, o Wadson na narrativa e o Arlam Júnior na música, tivemos de dimensionar o que era possível fazer e se apegar a isso, não tentar entregar mais do que conseguimos. Viemos a sentir que quatro horas de jogo, entre sete finais, é o tempo suficiente. 

Isso tem sido validado pelo reconhecimento que recebemos: ano passado, fomos finalistas no A MAZE. Festival e também fomos selecionados para expor o jogo na gamescom da Alemanha. Tem sido uma experiência muito legal, e a gente tem de se ater à experiência que o jogador está tendo, não inventar finais demais só para ter mais conteúdo. 

Hiero: O que mais faz vocês terem o interesse em contar uma história de isolamento no espaço? 

Michelle: Nós escolhemos o tema para dialogar com a situação de ser mulher em um emprego precário, nesse caso de “caminhoneiras espaciais”, e estar sob a pressão dessas expectativas de gênero. Várias coisas mexem com as nossas personagens: a distância, a ausência do lar, a convivência forçada… 

Essas três não se conhecem direito, porque passam a maior parte do tempo dormindo nas cápsulas de criogenia. Isso cria uma tensão no ar. Elas vão ter de se familiarizar uma com a outra e lidar com todo tipo de mentiras, traumas e dúvidas. 

Hiero: Dá para sentir bem as personalidades delas se colidindo, mesmo nesse pouco tempo que eu tive com o jogo. A atmosfera ficou muito boa. 

Michelle: Legal, obrigada! A gente teve de reduzir o tamanho da demo porque o pessoal do estande do Sebrae pediu que fosse menor. Essa versão nova, de 15 minutos, é a que está disponível atualmente no Steam

Hiero: Eu percebi, enquanto jogava, vários motivos da Grécia Antiga nos nomes dos personagens. Você pode falar um pouco mais a respeito dessa temática?

Michelle: A intenção é fazer uma brincadeira com o mito dos argonautas, principalmente em relação à questão de estar correndo atrás de algum desejo e à sensação de estar em um drama ou tragédia grega. Os nomes estão relacionados ao que cada personagem representa: por exemplo, a Atalanta original é uma mulher que finge ser um homem, e a Jasmina tem o nome tirado do Jasão, o líder dos argonautas. Quisemos fazer uma referência ao destino desses personagens dentro da mitologia grega, brincando e dialogando com os textos originais.

Hiero: Você acha que existem elementos na sua história que indicam a quem joga que Neve é um jogo brasileiro? 

Michelle: Eu espero que sim, porque eu me inspirei em algumas histórias da minha mãe, que trabalhou numa cozinha de restaurante. Também trago um pouco da minha própria vivência entre uma cidade-satélite e a capital: eu morava em Aparecida e trabalhava em Goiânia, e perdia muito tempo nesse deslocamento. Eu quis trabalhar essa questão e dialogar com pessoas de outros lugares. 

Também deixamos os nomes e sobrenomes com a dicção da língua portuguesa: Jasmina Aleixo, Atalanta Rocha e Hilas Paiva. Esses são sobrenomes que se perderam na minha família e na do meu marido, então resolvemos colocá-los no jogo como homenagem.

Hiero: Você mencionou que é de Goiás. Quais são os maiores desafios de ser indie no Brasil fora do eixo Rio-São Paulo?

Michelle: Eu acho que a gente sente bem o quão isolado está quando vem a eventos como a gamescom latam. Eu estava agora há pouco conversando sobre isso, sobre como eu moro numa cidade com qualidade de vida muito boa, mas mesmo assim não tenho tantos acessos como aqui. Acaba sendo difícil deixar nosso trabalho em evidência. 

É sempre um desafio chegar aonde chegamos. Agora, conseguimos uma parceria com a Agência Masamune, que está ajudando bastante com a divulgação do jogo. Se resume a isso: acessos e contatos, além do acesso de informação que temos por lá. Mas as coisas também estão mudando em Goiás, porque estamos nos unindo como comunidade e apoiando um ao outro. 

Hiero: Algum conselho para quem quiser se tornar desenvolvedor? 

Michelle: Falem sobre vocês mesmos. Encontrem suas próprias vozes e suas próprias motivações para fazer jogos. Talvez seja difícil ler o seu jogo como brasileiro na hora, mas coloque seu toque pessoal, como a gente fez aqui no Neve, inclusive colocando coisas da nossa trajetória para fazer o jogo. Esse fator único, que só você pode trazer, é o que pode ser o diferencial que vai fazer as pessoas se conectarem com o seu trabalho. Honestidade é fundamental.

Hiero: Então é uma questão de se colocar na sua arte.

Michelle: Acho que sim, acho que sim. E eu vejo jogos como arte, não como tecnologia, né? Então eu acho que é muito bom isso. 

A gamescom latam acontece no Pavilhão Anhembi, em São Paulo (SP), entre os dias 1 e 4 de maio. Ingressos estão esgotados.