Entre razões e emoções, a saída

Após nove dias de protesto, Glauber Braga anunciou o fim de sua greve de fome na tarde de quinta-feira (17). O deputado fluminense saiu do prédio da Câmara vestindo uma camiseta branca e uma calça preta, e estava de mãos dadas com a esposa, Sâmia Bomfim, e Luiza Erundina, ambas congressistas paulistas do seu partido, o Psol. “Estou suspendendo a greve de fome. Agora, estou em um momento de recuperação, mas espero ter a oportunidade, assim que recuperado, de estar junto de outras mobilizações que serão feitas”, disse Braga. Uma das médicas que acompanhou o parlamentar ao longo da greve de fome disse à piauí que ele passará a noite em uma unidade da Rede D’Or, em Brasília, recebendo soro na veia. Depois, as primeiras refeições serão com dieta pastosa e pouca proteína.  Foi um episódio que movimentou Brasília. Braga anunciou a greve de fome no dia 9 de abril. No início da madrugada do dia 10, uma quinta-feira, o franciscano Frei Sérgio desembarcou no aeroporto Juscelino Kubitschek, na capital, em uma comitiva do Movimento dos Pequenos Agricultores, do qual é representante. Depois de poucas horas de sono, logo pela manhã, foi ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e à Secretaria de Relações Institucionais para discutir pautas do movimento. Terminada a agenda oficial, por volta do meio-dia, partiu para um compromisso que não estava previsto: uma ida ao Congresso Nacional para visitar o deputado Glauber Braga (Psol-RJ), que estava em seu segundo dia de greve de fome, ato político contra o processo de cassação do seu mandato por quebra de decoro parlamentar. The post Entre razões e emoções, a saída first appeared on revista piauí.

Abr 18, 2025 - 01:59
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Entre razões e emoções, a saída

Após nove dias de protesto, Glauber Braga anunciou o fim de sua greve de fome na tarde de quinta-feira (17). O deputado fluminense saiu do prédio da Câmara vestindo uma camiseta branca e uma calça preta, e estava de mãos dadas com a esposa, Sâmia Bomfim, e Luiza Erundina, ambas congressistas paulistas do seu partido, o Psol. “Estou suspendendo a greve de fome. Agora, estou em um momento de recuperação, mas espero ter a oportunidade, assim que recuperado, de estar junto de outras mobilizações que serão feitas”, disse Braga. Uma das médicas que acompanhou o parlamentar ao longo da greve de fome disse à piauí que ele passará a noite em uma unidade da Rede D’Or, em Brasília, recebendo soro na veia. Depois, as primeiras refeições serão com dieta pastosa e pouca proteína. 

Foi um episódio que movimentou Brasília. Braga anunciou a greve de fome no dia 9 de abril. No início da madrugada do dia 10, uma quinta-feira, o franciscano Frei Sérgio desembarcou no aeroporto Juscelino Kubitschek, na capital, em uma comitiva do Movimento dos Pequenos Agricultores, do qual é representante. Depois de poucas horas de sono, logo pela manhã, foi ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e à Secretaria de Relações Institucionais para discutir pautas do movimento. Terminada a agenda oficial, por volta do meio-dia, partiu para um compromisso que não estava previsto: uma ida ao Congresso Nacional para visitar o deputado Glauber Braga (Psol-RJ), que estava em seu segundo dia de greve de fome, ato político contra o processo de cassação do seu mandato por quebra de decoro parlamentar.

A reunião do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, na tarde do dia anterior, decidira pela cassação de Braga, por 13 votos a 5, em resposta à agressão do deputado a um militante do Movimento Brasil Livre (MBL), em abril do ano passado, nas dependências da Câmara. Ao saber da resolução final da reunião, Braga fez um pronunciamento anunciando que ficaria no Plenário de número 5, local da reunião do Conselho, sem se alimentar, até que o caso fosse concluído. “Eu fui vendo as notícias e senti que precisava ter um papo com ele”, explicou Frei Sérgio à piauí. Filiado ao PT, o religioso conta que já fez cinco greves de fome em seus cinquenta anos de vida política, sendo a última delas em 2018, por 26 dias, em frente ao Supremo Tribunal Federal, em protesto à prisão do presidente Lula. 

 

Antes da visita de Frei Sérgio, Braga passara uma manhã relativamente  tranquila. Ele havia dormido por cerca de quatro horas em um colchão de solteiro alocado no canto direito da mesa diretora do plenário. Conversou com sua esposa, a deputada federal Sâmia Bomfim, e com a equipe de assessores que o acompanhava, em torno de sete pessoas. Bebeu dois copos de isotônico e alguns de água. Ainda teve tempo de tomar banho no vestiário que fica no subsolo do Anexo II da Câmara. 

Durante a conversa, Frei Sérgio explicou a Braga que existem dois mandamentos fundamentais em uma greve de fome. “Isso vem de Gandhi: o primeiro é a causa, que deve ser nobre. Eu disse que, se a causa fosse o  mandato dele, [o motivo] seria pequeno. A causa é quem ele representa perante a sociedade, o seu projeto de vida”, disse o religioso, dias depois do encontro. O segundo mandamento, para o frei, é a determinação pessoal e espiritual do grevista. Com algumas greves de fome no currículo, deu orientações objetivas ao político: usar enxaguante bucal todos os dias para conter a proliferação de bactérias na boca, fazer exames de sangue regulares e evitar falar e fazer movimentos motores com o braço, inclusive simples apertos de mão.

O papo com frei foi fundamental. Ele me explicou as etapas, o que eu iria conhecer, um dia após o outro. E me ajudou com o fortalecimento da mente. Eu me joguei no desconhecido. O apoio e os relatos dele foram essenciais”, disse Braga à piauí, na noite de segunda-feira (14), quando completava o sexto dia de greve. Vestindo um moletom marrom, já com sinais de abatimento e o rosto cansado, o deputado ouvia do plenário o batuque de um samba que acontecia na saída do Anexo II, logo atrás do plenário 5, organizado por sua equipe e liderado pelo grupo de pagode Coisa de Pele. A última música da roda de samba foi O que é, o que é, de Gonzaguinha. No refrão, o público cantava “Glauber fica, Glauber fica, Glauber fica”, no lugar de “é bonita”. 

 

Além de água e isotônico, Braga tomou soro. “Deixaram uma água de coco aqui também, mas ainda não tomei, está dando certo até agora e não quis mexer”, ele disse à piauí. Para se distrair, o deputado ouvia música no celular e respondia mensagens de redes sociais. O deputado tem um gosto eclético: vai do samba ao rock em um clique. Nos primeiros dias da greve, exauriu o repertório da banda de rock paulistana NX Zero. No audiovisual, maratonou a série Billions, da Netflix, que narra crimes financeiros cometidos por bilionários. Ele tentou acompanhar a nova temporada de Black Mirror, mas foi desaconselhado pela médica e ex-deputada federal Maria José da Conceição, conhecida como Maninha, que o acompanha diariamente. “As cenas chocantes estavam mexendo com o psicológico dele e isso não é bom”, explicou a ex-parlamentar. “Ele adora ler, mas não está lendo neste momento porque gasta muito energia”, explicou a esposa, no sexto dia de greve. Foi possível ver, próximo ao colchão, um exemplar de Um governo de esquerda para todos, livro do economista Paul Singer sobre a gestão de Luiza Erundina como prefeita de São Paulo entre 1989 e 1992. 

Braga recebeu a visita do filho Hugo, de 3 anos (o nome é uma homenagem a Chávez). Foi ele quem apelidou o local onde o deputado se instalou de “quartinho do papai”. Em frente à cama improvisada havia uma estante com as garrafas das bebidas que ele ingeria e duas estátuas: uma de Nossa Senhora de Nazaré, presente de Luiz Araújo, assessor da liderança do Psol na Câmara, e outra de São Francisco de Assis, presente de Chico Alencar, seu companheiro de partido na Câmara. “Criamos uma zona de proteção para ele. A gente orienta sentar, mas ele levanta, é teimoso. É um protocolo para evitar o desgaste”, explicou a esposa. 

A decoração do plenário-quartinho era repleta de cartazes de “Glauber Fica” e bandeiras de movimentos sociais, além de folhas de papel com mensagens deixadas por apoiadores. O fundo do plenário lembrava um alojamento estudantil: mantas no chão, lençol, travesseiros em cima das cadeiras e malas usadas pela equipe de assessores do casal, que se revezavam, numa escala pré-definida, para dormir com o deputado. A porta dos fundos ficava sempre fechada e era coberta por um colchão inflável durante o dia para tampar a visão de curiosos que tentassem espiar pelo lado de fora. Na porta principal, policiais alternavam turnos para manter a vigilância 24 horas.

 

Há um banheiro posicionado bem ao lado do plenário, mas Braga tomava banho (uma vez por dia, geralmente pela manhã) no vestiário que ele apelidou de “porão do Titanic”. O espaço é usado pelos funcionários terceirizados da limpeza que trabalham no Congresso. “É a Câmara que ninguém vê. Fiquei impressionado. As paredes descascando, tudo absolutamente precário”, comentou o deputado. A piauí foi até lá. As paredes de concreto estão mesmo desgastadas e pretas, os quatro chuveiros elétricos têm a fiação à mostra e um ventilador de teto ajuda a refrescar o ambiente, que não tem janelas, apenas uma pequena saída de ar no teto. 

No domingo (13), um dia antes da conversa com a piauí, Braga havia recebido a visita de cerca de 25  crianças de uma escola particular de Brasília. “Eu estava preocupado de a greve de fome ser um tema pesado, mas elas viram tudo de uma forma lúdica. Ficaram pulando aqui no colchão”, contou o deputado. A presença das crianças apertou a saudade do filho. “Se o Glauber ficar mais debilitado, vou parar de trazer o Hugo”, disse Sâmia à piauí no dia seguinte. “Ontem ele [Hugo] me perguntou: por que só meu pai tá trabalhando à noite aqui na Câmara? Expliquei que era a missão dele, mas não adiantou, ele continuou sem entender.” 

Naquela segunda-feira, além da esposa, Braga foi visitado por seu pai, Roberto, de 82 anos, e a irmã, Ivana, de 46. Ambos foram pegos de surpresa pela greve de fome. “Quase mata a gente do coração. Eu estava assistindo em casa. A primeira coisa que fiz foi ligar para o papai e depois agendar a viagem para Brasília”, contou Ivana. Diante da empreitada do irmão, lembrou como a briga com o integrante do MBL impactou sua família. “Foi uma semana difícil para mamãe, que estava com o Alzheimer avançado.” A matriarca, ex-prefeita de Nova Friburgo (RJ), faleceu um mês depois do quiprocó. “Sabe qual era o nome da mamãe? Saudade. Maria da Saudade”, diz Ivana com os olhos marejados. Foi por causa de ofensas à Saudade que Braga agrediu o integrante do MBL.

No fim do dia, por volta das 21h30, Braga foi avaliado por funcionários do Departamento Médico da Câmara, o Demed, que observaram seus sinais vitais. Durante a consulta, o deputado relatou que havia sentido desconforto na barriga e um pouco de dor na lombar. Trinta minutos depois do atendimento, as luzes do plenário arrefeceram. Funcionários da Câmara deixaram um umidificador para o deputado. Ele agradeceu, mas não quis usar. Braga também foi visitado diariamente por Maninha e sua equipe de quatro médicos. Ela conversou com a piauí na terça-feira, por volta do meio-dia, e disse que, a partir daquele momento, era importante restringir as visitas ao deputado, já que cada movimento – um abraço, um aperto de mão – lhe custava energia. Além disso, a orientação era para que todos que entrassem no plenário utilizassem máscara facial. “Mas os deputados, senadores e ministros nós não controlamos. Chegam aqui e não tem jeito”, lamentou.

A observação feita pela médica foi confirmada pela piauí na manhã daquele dia. A movimentação no plenário era intensa. A cada dez minutos, alguém chegava para falar com Braga, e as máscaras eram raridade. Passaram por lá, além de parlamentares do Psol, José Geraldo, o reitor da Universidade de Brasília (UnB); Nilmário Miranda, ex-ministro e hoje assessor especial do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania; os deputados federais Kiko Celeguim (PT-SP), Cleber Verde (MDB-MA), Natália Bonavides (PT-RN), Ribamar Antônio da Silva (PSD-SP), entre outros. No total, sete ministros visitaram Braga, incluindo Sônia Guajajara (Povos Indígenas), Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar) e Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República). 

Durante o anúncio do fim da greve de fome nesta quinta-feira (17), Braga comentou o acordo feito com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para que a discussão sobre a possível cassação do seu mandato ocorra apenas no segundo semestre. “Garanto que, após a deliberação da CCJ [Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania], qualquer que seja ela, não submeteremos o caso do deputado ao plenário da Câmara antes de 60 dias para que ele possa exercer a defesa do seu mandato parlamentar. Após este período, as deputadas e os deputados poderão soberanamente decidir sobre o processo”, publicou Motta nas redes sociais.

O acordo, segundo Braga, aconteceu após uma conversa “que durou bastante tempo” envolvendo sua esposa, Sâmia Bomfim, a deputada Talíria Petrone (Psol-RJ), o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) e outros parlamentares. “O prazo faz com que evidentemente essa análise não aconteça antes do recesso parlamentar”, celebrou o deputado grevista.

A equipe de Braga vai protocolar na próxima terça-feira (22) um recurso na CCJ questionando o artigo 5º do Código Ética da Câmara, utilizado como subsídio para cassação, mas que não define explicitamente que casos de agressão devem resultar em perda de mandato. Também há a possibilidade de pleitear uma pena mais branda – como uma suspensão – em troca da cassação. 

Apresentado o recurso, a expectativa é de que o presidente da CCJ, o deputado Paulo Azi (União-BA), proponha a votação do tema no mesmo dia. Se o recurso for aceito pelo colegiado, o parecer volta para o Conselho de Ética, que a partir de 23 de abril terá uma nova composição e um novo relator. O Psol e seus aliados querem usar essa brecha para influenciar a escolha dos novos integrantes – os 42 membros (21 titulares e 21 suplentes) são eleitos de acordo com o tamanho da bancada dos partidos na Câmara. De toda forma, o fato de Motta projetar a votação apenas para o segundo semestre dá a Braga a possibilidade de articular sua defesa junto a outros parlamentares em caso de rejeição do recurso na CCJ e respectiva votação no plenário.

Mesmo combalido, o deputado fez questão de manter o estilo verborrágico e conflituoso. “Estou suspendendo a greve de fome, mas não estou suspendendo a luta contra o orçamento secreto, contra o poder oligárquico ou a luta pela responsabilização pelos assassinos de Marielle ou os golpistas de plantão. No décimo dia não estarei em greve de fome, mas nós vamos continuar operando contra a injustiça”. Terá que fazer isso com 86,8 quilos, quase cinco a menos do que quando começou seu protesto 

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