Debora Bloch rebate ataques à ‘Vale Tudo’ e critica as redes sociais
Consagrada nos palcos e cinemas, ela encara o desafio de transportar para os nossos tempos a vilã mais amada e odiada das novelas — Odete Roitman, de Vale Tudo

A atriz Debora Bloch estreou profissionalmente com uma tremenda responsabilidade: a de substituir a consagrada Lucélia Santos em Rasga Coração, peça de Oduvaldo Viana Filho, um símbolo da abertura política.
Tinha apenas 17 anos em 1980 e, depois da primeira sessão, recebeu o abraço do pai, o ator Jonas Bloch, que, com os olhos marejados, lhe deu uma lição capaz de ecoar na sua memória: “Filha, a partir de agora, vai ter gente dizendo que você é a melhor atriz do mundo e outros que é a pior, então, não acredita em nenhum dos lados e siga seu trabalho”.
Aos 61 anos, com uma trajetória consagrada no teatro, na televisão e no cinema, a artista lembra do conselho paterno diante da expectativa gerada por Vale Tudo, remake de Manuela Dias baseado na novela de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, lançado em 31 de março na Rede Globo. “É uma loucura porque ninguém viu nada e já critica meses antes”, observa.
Na trama, Debora enfrenta o desafio — talvez o maior de sua carreira televisiva — de recriar Odete Roitman, a célebre vilã representada por Beatriz Segall no original, exibido em 1988. “Tenho a missão de encontrar a minha leitura da Odete”, afirma. “No teatro, os personagens são refeitos por intérpretes de diferentes gerações que usam o repertório na construção dos clássicos e, como Vale Tudo é um clássico, quero mostrar essa mulher no Brasil de 2025.”
Debora Bloch atualiza Odete Roitman com nova visão sobre poder e sexualidade

Odete Roitman é uma empresária que mora em Paris, despreza o Brasil e comanda uma companhia aérea com o mesmo autoritarismo que manipula os filhos, Heleninha e Afonso (representados por Paolla Oliveira e Humberto Carrão). Volta e meia, a megera retorna ao país para sugar o que julga ter direito, inclusive a energia da família, e, com suas maldades, contribui para as viradas do folhetim que foi unanimidade de audiência há 37 anos.
“É um exemplar horroroso de uma elite retrógrada que a gente imaginava ter se livrado e reencontrou nos últimos anos”, define Debora, sobre a personagem que entra no ar no 24º capítulo, previsto para 26 de abril. “Ela ganha dinheiro no Brasil para gastar na Europa e deixa aqui só o lixo.”
Se os reacionários voltaram a mostrar a sua cara — como Gal Costa canta na música Brasil, tema de abertura mantido na adaptação —, algumas coisas evoluíram nas últimas décadas, principalmente no comportamento feminino.
Por coincidência, Debora tem a mesma idade de Beatriz em 1988, mas se, naquela época, a personagem era vista como uma senhora, hoje ela, mesmo em sua austeridade, ostentará uma jovialidade condizente a de suas contemporâneas. “A Odete original nasceu na década de 1920 e eu nos anos de 1960, assim como a nova Odete, um tempo de liberação sexual, contracultura, quebra de paradigmas. Por mais conservadora que seja, ela cresceu nessa efervescência”, compara.
Debora usa como exemplo a sexualidade da matriarca dos Roitman, que, apesar de ter amantes em 1988, era retratada em situações veladas. Na atual versão, deve ser abordada de forma mais direta. A imagem tradicionalista ganhará tintas ousadas nas cenas que flagrarem a sua intimidade.
“Uma mulher de 60 anos era considerada fora do jogo, e os casos da Odete só eram possíveis porque o público enxergava que os caras queriam explorá-la”, comenta. “Talvez a história tome novo caminho, porque socialmente e sexualmente a personagem se enxergará de outra forma.”
Como mistério é fundamental, a autora Manuela Dias, de 48 anos, alimenta a curiosidade despertada pela intérprete sem adiantar detalhes. “Em 1988, Odete era considerada perversa por ser sexualmente ativa e, nesse sentido, acho que a personagem será mais aceita porque desmistificamos esse preconceito em boa parte”, afirma.
Autora da série Justiça (2016), Manuela só tinha na cabeça o nome de Debora para interpretar Elisa, uma advogada que perde a filha (a atriz Marina Ruy Barbosa) e planeja uma vingança contra o assassino (o ator Jesuíta Barbosa). “Debora é uma grande atriz, linda, poderosa e profunda, que se apropria de tudo e transforma a coisa por maior que seja a expectativa”, elogia. “Ela faz parte do imaginário brasileiro desde Bete Balanço, um hit no começo da minha adolescência.”
Da TV Pirata ao teatro autoral: a trajetória de Debora como atriz e produtora

Assim como Odete Roitman, o filme Bete Balanço é um ícone da cultura pop da década de 1980. Dirigido por Lael Rodrigues em 1984, o longa enfoca uma cantora do interior disposta a tudo para alcançar o sucesso no Rio de Janeiro e consagrou Debora como musa do rock nacional.
Até hoje, ela é associada à canção-título composta por Cazuza e Roberto Frejat. “Eu gosto do filme, mas ficou tão datado, é um retrato típico daquele momento”, comenta ela, que recebeu os prêmios Air France e APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor atriz daquele ano.
Em uma das cenas de Bete Balanço, quase um videoclipe, quem acompanha a protagonista em uma coreografia é outra iniciante, a atriz Andrea Beltrão, colega do grupo teatral Manhas & Manias, que Debora ingressou logo depois de Rasga Coração.
“Nós nos conhecemos aos 18 anos, fazíamos teatro nas praças, esquetes circenses, números de mágica, pirâmide humana e nossa peça Brincando com Fogo foi sucesso”, lembra Andrea, de 61 anos. “Debi foi minha primeira amiga a entrar para a televisão, comprou um fusca azul, nos levava para passear e vi que esse caminho também podia ser legal.”
Debora estreou na Globo na novela Jogo da Vida (1981), no horário das sete, e, um ano depois, virou uma das protagonistas de Sol de Verão, a trama das oito. A jovem Clara era o par de Abel (o ator Tony Ramos), um rapaz deficiente auditivo, e projetou seu nome de maneira vertiginosa.
A estrela em ascensão, porém, não se sentia encaixada no universo das novelas e se incomodava com os papéis de heroína oferecidos. “Podia ser uma arrogância da juventude, mas queria estar no teatro e não naquele lugar”, confessa. “Fiquei famosa e me deslumbrei um pouco, só que tive o exemplo do meu pai, que driblou a instabilidade o tempo inteiro, e firmei os pés no chão.”
O prazer na televisão só foi descoberto junto ao elenco do TV Pirata, humorístico exibido entre 1988 e 1992, em que chegava a interpretar dez personagens diferentes por semana. Entre seus colegas estavam Regina Casé, Luiz Fernando Guimarães, Marco Nanini, Ney Latorraca e Claudia Raia.
“Foi ali que encontrei a minha turma, o meu lugar na televisão e, na medida do possível, fui escolhendo o que fazia”, diz ela, que, em 1991, recusou a garota de programa Taís, personagem que caiu nas mãos da estreante Letícia Sabatella, na novela O Dono do Mundo. “Questionei muito essa decisão, mas não podia largar uma peça que lotava teatros e em que, além de protagonizar, eu produzia.”
A peça era Fica Comigo Esta Noite, comédia de Flavio de Souza dirigida por Jorge Fernando, que se manteve três anos em cartaz. Foi ali que Debora, em contracena com Luiz Fernando Guimarães, descobriu a vocação de empreendedora.
“Eu tinha menos de 30 anos, bancava meus projetos no teatro e, hoje, vejo que a autoconfiança da juventude me levou para frente”, reconhece ela, que, no currículo tem espetáculos como Kean (1995), junto de Marco Nanini, Tio Vânia (2003), ao lado do ator Diogo Vilela, e o solo Brincando em Cima Daquilo (2007). “Com o tempo, fiquei menos desassombrada, talvez hoje tenha mais noção do perigo, mas desse jeito escolhi os trabalhos.”
A infância autônoma de Debora Bloch e a influência do pai na sua formação

Jonas Bloch, de 86 anos, nunca se surpreendeu com o talento administrativo da filha, que desde criança se virou sozinha e assumiu responsabilidades. Jonas e Rebeca, a mãe de Debora, moravam em Belo Horizonte quando se casaram e, por lá, nasceu também a caçula, a jornalista Deni Bloch, três anos mais nova que a primogênita.
Em 1969, todos se mudaram para São Paulo, mas o casamento durou só mais um ano. Logo, as garotas se dividiram entre duas rotinas. “A gente morou com a minha mãe quando eles se separaram e, depois, teve um período grande que ficamos só com meu pai, um cara mais livre e com um ritmo que não via na casa dos meus amigos.”
Debora ia e voltava sozinha da escola e do balé, ficava de olho na irmã e lidava com os gastos domésticos. Jonas garante que essa autonomia foi fundamental para o caráter das duas filhas e cita como exemplo da responsabilidade uma pasta em que ele guardava o dinheiro. Debora, autorizada a acessá-la na sua ausência, jamais tirou mais que o necessário para uma compra inesperada.
“Eu acredito em certos códigos que resumem a educação recebida por uma pessoa e, como fui pai e mãe em um tempo que isso era incomum, não podia falhar”, afirma. “Debora levou isso para a sua postura ideológica e para a maneira com que administra a carreira e a relação com os meus netos.”
Maternidade, carreira e os aprendizados com os filhos

Os dois filhos de Debora, do casamento com o chef de cozinha e empresário Olivier Anquier, de 65 anos, cresceram e ganharam o mundo. Julia, de 31 anos, estudou cinema nos Estados Unidos e trabalha com audiovisual em São Paulo. Hugo, de 27, mora mais longe, em Berlim, na Alemanha, e é designer de jogos digitais.
Como mãe, ela não carrega crises e garante que até hoje faz o melhor que consegue. “Esse é o desafio da mulher moderna”, reflete. “Conquistamos um lugar no mercado, a independência financeira, mas se paga um preço porque a responsabilidade com os filhos fica nas nossas contas.”
Pensando um pouco mais, Debora fala que talvez tenha trabalhado em excesso. Julia tinha pouco mais de um mês, e a artista carregou o bebê para o set do longa Veja Esta Canção, dirigido por Cacá Diegues em 1993. “Depois de aceitar o convite, liguei para o Cacá na dúvida se conseguiria e ele me respondeu que levasse a Julia porque pararíamos a filmagem para que eu pudesse amamentá-la e assim foi”, lembra.
Em 1989, Hugo tinha menos de 2 anos, estava um pouco gripado, e a atriz gravava a novela Andando nas Nuvens no Rio de Janeiro. Chamada para uma publicidade em São Paulo no fim de semana, a mãe, que tinha passado vários dias longe do filho por causa da televisão, levou o menino na ponte aérea.
O resfriado virou pneumonia, Hugo baixou no hospital, e Debora tirou uma licença de quinze dias para cuidar do filho. “Nessa hora, caiu a ficha de que trabalhava demais e, se algumas mulheres não podiam desacelerar, aprendi na marra que devia fazer essa escolha.”
No constante aprendizado da maternidade, Debora se orgulha dos filhos e garante que, hoje em dia, são eles quem lhe transmitem ensinamentos. A cada dia, se surpreende diante da conscientização deles, seja em relação às questões identitárias, de classe ou da preservação do planeta, e percebe o quanto eles evoluíram em relação a sua geração.
“É uma juventude interessada em fazer mudanças pela felicidade e que leva o discurso para a prática”, analisa. “Julia tem uma postura não consumista admirável, que vai desde os cuidados com a casa, de lavar a sua louça, até as relações pessoais, enquanto vivo tudo isso mais na teoria.”
Debora fala sobre os malefícios das redes sociais para os atores

A busca pela felicidade Debora não deixou para trás. Depois dos 15 anos com Anquier, passou uma década solteira até conhecer um novo amor. Em 2018, ela, discretamente, engatou um namoro com o produtor de cinema e televisão português João Nuno Martins, de 57 anos, e, assim, o casal se mantém até hoje.
No início do relacionamento, se dividiram entre Lisboa e o Rio de Janeiro, até ele se mudar para o Brasil. A artista acredita que, mesmo na era das redes sociais, é possível separar a pessoa física da jurídica. “A rede social acaba com um certo mistério que é importante para atores e atrizes e não me interessa publicar fotos da minha cozinha ou das minhas férias”, diz. “Não quero minha personalidade à frente das personagens. Agora é a hora de Odete Roitman aparecer.”
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