Corte IDH condena Brasil por violações a quilombolas de Alcântara
A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos reconhece que 171 comunidades foram impactadas em seu direito à posse coletiva da terra e sofreram diversas outras violações a direitos fundamentais

Por Alícia Bernardes* — A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) declarou o Estado brasileiro responsável por violações aos direitos humanos de 171 comunidades quilombolas em Alcântara, no Maranhão. A decisão anunciada nesta quinta-feira (13/3) reconhece que essas comunidades foram impactadas em seu direito à posse coletiva da terra e sofreram diversas outras violações a direitos fundamentais.
Segundo a sentença, o Brasil desrespeitou direitos como propriedade coletiva, livre circulação e residência, autodeterminação e consulta prévia, livre e informada. A Corte também apontou impactos negativos no modo de vida das comunidades, além de violações aos direitos à proteção familiar, à alimentação e moradia dignas, à educação, à igualdade perante a lei e à não discriminação por raça ou condição socioeconômica.
Além disso, a decisão destacou a ausência de garantias e proteção judicial para os quilombolas, reforçando a negligência do Estado brasileiro na defesa desses direitos.
Com essa condenação, o Brasil poderá ser obrigado a adotar medidas para reparar os danos causados e garantir a proteção efetiva das comunidades quilombolas de Alcântara.
Para Melisanda Trentin, coordenadora do programa de Justiça Socioambiental da Justiça Global, a decisão da Corte representa um marco na luta quilombola no país. “A sentença emitida hoje pela Corte Interamericana é uma vitória imensa para a luta quilombola no Brasil. A decisão reconheceu as violações cometidas pelo Estado brasileiro ao longo dos 40 anos do projeto de implementação da base espacial de Alcântara. Com a vitória de hoje fica reconhecida a importância da titulação do território ancestral dessas comunidades, com a indenização e o pedido de desculpas público do Estado a todas as famílias de Alcântara”, afirmou.
No processo, o Estado brasileiro reconheceu parcialmente sua responsabilidade internacional por violações ao direito à propriedade coletiva, falta de demarcação e titulação do território, bem como pela ineficácia das autoridades no exercício desses direitos. A Corte constatou que, ao não delimitar e titular as terras quilombolas, conceder títulos individuais em vez de coletivos e impor restrições ao uso do território durante as "janelas de lançamentos" do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), o Brasil violou direitos fundamentais das comunidades.
A sentença também apontou que a falta de resposta judicial às reivindicações gerou insegurança e impactou o projeto de vida coletivo dos quilombolas. O reassentamento forçado nas agrovilas comprometeu o acesso a recursos naturais essenciais para a alimentação e subsistência, além de restringir modificações e construções de moradias, o que resultou na separação de famílias e na precarização das condições de vida. Além disso, a Corte identificou que o Estado impôs restrições ao acesso das comunidades a bens e serviços culturais, como cemitérios, praias e celebrações religiosas.
A quilombola Neta Serejo, presidente do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (Mabe), celebrou a decisão da Corte. Ela destacou a importância do reconhecimento internacional da luta quilombola. “Foi um acontecimento histórico ouvir essa sentença! Depois de 40 anos de luta, ouvir uma sentença favorável a nós, povos, a nós, comunidades, por todos esses direitos violados. Ver que o Brasil tem que cumprir a titulação do nosso território e indenizar e reparar todos os danos… Isso é muito importante", comemorou.
Serejo relata os anos de luta para conquistar o direito sobre a terra. "A gente fica emocionado de ver que não foram em vão esses anos de luta, de desgaste, de embate. Muitas vezes, nós estivemos cansados e até pensamos em desistir, mas a luta era maior e necessária. E hoje, embora a gente saiba que ainda não é tudo e há muito para ser feito, esse resultado é sim uma vitória importantíssima, não só para Alcântara, mas para todo o Brasil na luta pela garantia do direito das comunidades quilombolas”, sustenta.
Na decisão, a Corte determinou que o Brasil deve garantir o direito de propriedade coletiva às comunidades, concedendo-lhes um título coletivo de 78.105 hectares e implementando medidas para delimitação, demarcação e desintrusão do território. Também ordenou que o Estado se abstenha de permitir ações que comprometam o uso e gozo das terras quilombolas, instale uma mesa de diálogo permanente com as comunidades e realize consultas prévias, livres e informadas sobre medidas que possam impactá-las. Além disso, determinou que seja realizado um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional.
*Estagiária sob a supervisão de Andreia Castro