Cacá Diegues morre aos 84 anos no Rio de Janeiro
O cineasta, um dos fundadores do Cinema Novo, dirigiu clássicos como "Ganga Zumba", "Xica da Silva" e "Bye Bye Brasil"


Trajetória e influência no Cinema Novo
O cineasta Cacá Diegues morreu na madrugada desta sexta-feira (14/2) no Rio de Janeiro, aos 84 anos. Ele teve complicações após uma cirurgia, mas não foram divulgados detalhes sobre o procedimento ou o hospital onde estava internado.
Um dos mais importantes diretores do cinema brasileiro, ele foi um dos poucos cineastas do país a ter filmes exibidos nos três principais festivais internacionais, Cannes, Veneza e Berlim. Com uma filmografia repleta de clássicos, sua obra reflete as transformações sociais e culturais do Brasil.
Carlos José Fontes Diegues nasceu em Maceió, Alagoas, em 19 de maio de 1940. Aos seis anos, mudou-se para o Rio de Janeiro. Durante os anos de faculdade, envolveu-se com o movimento estudantil e cultural, o que o aproximou do cinema. Ao lado de Glauber Rocha, Leon Hirszman, Paulo César Saraceni, Joaquim Pedro de Andrade e outros jovens diretores, ajudou a fundar o Cinema Novo, movimento que buscava retratar a realidade brasileira de maneira crítica e inovadora. Seus primeiros curtas, ainda nos anos 1960, já demonstravam um olhar voltado para as contradições sociais do país.
O impacto de “Ganga Zumba” e a recorrência da temática afro-brasileira
Em 1964, lançou seu primeiro longa-metragem, “Ganga Zumba”, baseado no livro de João Felício dos Santos. O filme é considerado a primeira produção do cinema brasileiro a ter um protagonista negro (Antonio Pitanga, o pai de Camila Pitanga) e abordar a história dos quilombos. A trama acompanha a trajetória de um jovem escravizado que foge e se torna o líder do Quilombo dos Palmares, simbolizando a luta contra a opressão.
A escravidão e a cultura afro-brasileira tornaram-se temas recorrentes em sua filmografia. Em “Xica da Silva” (1976), retratou a história da escrava que conquistou ascensão social ao se envolver com um contratador de diamantes no século XVIII. O filme, protagonizado por Zezé Motta, tornou-se um fenômeno de bilheteria e consolidou Diegues no cenário do cinema nacional.
Ele ainda revisitou o tema da resistência negra em “Quilombo” (1984), desta vez focando na trajetória de Zumbi e na estrutura da comunidade formada por escravizados fugitivos.
“Bye Bye Brasil”: uma viagem pelo país em transformação
Em 1980, Diegues lançou “Bye Bye Brasil”, uma de suas obras mais emblemáticas. O filme acompanha um grupo de artistas de circo itinerantes que percorrem o interior do país em um caminhão chamado Caravana Rolidei. Durante a jornada, testemunham as mudanças provocadas pela modernização, pela chegada da televisão e pela construção da Transamazônica.
O longa estrelado por José Wilker, Betty Faria e Fábio Jr. capturou um Brasil em transição, contrastando a tradição popular com os avanços tecnológicos e a desigualdade social. A trilha sonora, composta por Chico Buarque e Roberto Menescal, contribuiu para a identidade marcante da obra, que foi um sucesso internacional e representou o Brasil no Festival de Cannes.
Explorando mitos e referências literárias
Cacá também explorou música e referências literárias em seus filmes. Em “Um Trem para as Estrelas” (1987), contou a história de um jovem saxofonista (interpretado por Guilherme Fontes) dos subúrbios pobres do Rio. Em “Veja Esta Canção” (1994) trouxe uma estrutura de episódios inspirados na obra de Paulinho da Viola, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque.
“Tieta do Agreste” (1996), baseado no romance de Jorge Amado, trouxe Sônia Braga como protagonista e abordou as contradições da sociedade brasileira por meio da trajetória da personagem que retorna à cidade natal após anos de exílio.
Já em “Orfeu” (1999), Cacá refilmou a trama clássica de “Orfeu Negro” (1959), produção francesa de Marcel Camus com trilha de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, que venceu o Oscar de Melhor Filme ao contar uma história de amor na favela carioca, ao som de samba e bossa nova. Na versão de Diegues, também baseada na peça de Vinicius de Moraes, o cenário foi transportado para o carnaval carioca contemporâneo, com o cantor Toni Garrido no papel principal.
Últimos lançamentos
Nos anos 2000, Diegues lançou “Deus é Brasileiro” (2003), estrelado por Antônio Fagundes e Wagner Moura, baseado no conto “O Santo que não Acreditava em Deus”, de João Ubaldo Ribeiro. O filme apresenta uma visão crítica e bem-humorada sobre a fé e a identidade nacional.
“O Maior Amor do Mundo” (2006) voltou a reunir o diretor e José Wilker. O ator vive um renomado astrofísico que descobre ter uma doença terminal e decide buscar suas origens no Rio de Janeiro.
“O Grande Circo Místico” (2018), baseado em um poema de Jorge de Lima e inspirado na montagem teatral do Balé Guaíra, foi seu último trabalho exibido em Cannes. O filme narra a saga de uma família circense ao longo de várias gerações e representou o Brasil na disputa por uma indicação ao Oscar de Filme Internacional.
O diretor trabalhava em seu último filme, “Deus Ainda é Brasileiro”, continuação do longa de 2003, novamente com Fagundes no papel de Deus. As filmagens, que começaram em novembro de 2022 com locações no sertão alagoano, foram totalmente completadas e a estreia está marcada para 23 de outubro.
Além da trajetória no cinema, Cacá Diegues teve papel relevante na literatura. Em 2018, foi eleito para a cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras, ocupando o lugar de outro cineasta, Nelson Pereira dos Santos. Na cerimônia de posse, ressaltou a importância da interseção entre literatura e cinema em sua obra.
Homenagens e legado
Em 2012, foi homenageado no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, pela contribuição ao audiovisual nacional.
Em 2016, a escola de samba Inocentes de Belford Roxo dedicou seu enredo ao cineasta, com o tema “Cacá Diegues — Retratos de um Brasil em Cena”. Durante o desfile, ele se emocionou e afirmou: “Para mim, é um prazer inenarrável ser homenageado por uma escola de samba”.
Cacá Diegues foi casado com a cantora Nara Leão, com quem teve dois filhos. Desde 1981, era casado com a produtora de cinema Renata Almeida Magalhães, com quem teve mais dois filhos.