Bússola para a Competitividade: é preciso fazer acontecer

A competitividade europeia exige uma mudança que transcenda a atual dicotomia entre Estado e mercado, criando um novo modelo de economia adaptado à era digital, capaz de recuperar o tempo perdido face a outros competidores internacionais.

Fev 21, 2025 - 01:59
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Bússola para a Competitividade: é preciso fazer acontecer

A União Europeia (UE) enfrenta, atualmente, um dos momentos mais críticos da sua história económica. Após ultrapassar a crise da dívida soberana, que expôs as fragilidades da união monetária, e superar o choque sistémico das medidas pandémicas, a UE encontra-se numa encruzilhada macroeconómica. A capacidade de reinvenção do seu modelo produtivo e do seu potencial de inovação determinará se a UE será protagonista ou mera espectadora no desenvolvimento económico das próximas décadas.

A competitividade, no paradigma económico do século XXI, não se mede apenas por indicadores financeiros tradicionais ou pela produtividade marginal e vantagens comparativas, mas também pela capacidade para criar resiliência sistémica. Nesse sentido, para termos uma União competitiva, temos de desenvolver uma arquitetura de mercado capaz de responder, simultaneamente, a três grandes desafios: a transição energética e climática, com os seus custos de ajustamento; a revolução digital, que redefine as fronteiras da possibilidade de produção; e a autonomia estratégica, condição essencial num contexto de globalização.

Os três desafios requerem melhorias constantes, fazendo com que o investimento em inovação deixe de ser uma opção e se torne num imperativo existencial. As economias que não conseguirem estabelecer e manter ciclos virtuosos de investigação, desenvolvimento, aplicação prática e capacidade para fazer crescer modelos de negócio enfrentarão um processo de obsolescência.

No entanto, a UE encontra-se num labirinto de boas intenções. A Bússola para a Competitividade afigura-se como um documento ambicioso, mas revela-se, simultaneamente, um “exercício de fé” sobre a capacidade de transformação económica, por não apresentar nenhum instrumento concreto para essa transformação. É sem dúvida, uma primeira resposta da Comissão Europeia ao Relatório Draghi, onde a retórica da competitividade esconde uma fragilidade estrutural: a crença de que a vontade política, por si só, pode gerar crescimento económico. Entre dezenas de referências a “planos de ação”, “fundos a criar” e “perspetivas estratégicas”, o documento apresenta, na minha opinião, uma lacuna no elemento mais crítico e decisivo: a materialização financeira dessas ambições.

A Europa tem um trunfo único: um capital humano altamente qualificado e uma tradição de investigação de excelência que pode e deve ser potenciada. O verdadeiro calcanhar de Aquiles desta Bússola reside na sua incapacidade para reconhecer trade-offs fundamentais. Pretende, simultaneamente, uma “economia limpa”, “prosperidade sustentável” e um “mercado social único”, sem reconhecer que o desenvolvimento económico exige, muitas vezes, escolhas difíceis e sacrifícios. Aliás, este tem sido um dos problemas da União, desde há alguns anos: tentar “agradar a gregos e troianos”.

Com isto, considero que no centro da estratégia de competitividade europeia deve surgir o InvestEU. Um instrumento financeiro que, desde a sua criação, tem demonstrado uma capacidade única para transformar cada euro público investido em múltiplos euros de investimento privado, atuando como um multiplicador de capital e mitigando o risco sistémico existente em certos setores. Mais do que um fundo, o InvestEU permite partilhar riscos, catalisar investimentos privados e dirigir recursos para setores estratégicos da economia europeia. A sua capacidade para atrair capital privado, combinada com garantias públicas, representa uma inovação fundamental no financiamento de projetos transformadores e com impacto real.

Os números são eloquentes: com um investimento público inicial relativamente modesto, o InvestEU conseguiu mobilizar cerca de 220 mil milhões de euros em investimentos privados e públicos. Cada euro público investido gera até 14.76 euros de investimento adicional, criando um efeito de alavancagem, com raros precedentes, no ecossistema económico europeu. Este efeito multiplicador é conseguido através de um sofisticado sistema de partilha de risco com parceiros de implementação nos Estados-Membros (em Portugal cumpre esse papel o Banco Português de Fomento), que permite uma alocação eficiente de capital.

Além disso, a UE precisa de aprofundar e de dinamizar o seu mercado de capitais, tornando-o capaz de financiar a inovação sem excessiva dependência dos bancos comerciais. A criação da União dos Mercados de Capitais, plenamente operacional, deve ser uma prioridade, permitindo que as startups e empresas tecnológicas tenham acesso facilitado a financiamento privado, e não “emigrem” em busca desse tão necessário investimento.

Esta abordagem permite à UE ultrapassar dois obstáculos significativos: a limitação dos recursos públicos e a fragmentação dos investimentos. O InvestEU comporta-se como um instrumento de soberania económica, capaz de alavancar uma verdadeira estratégia de investimento à escala continental.

O próximo Quadro Financeiro Plurianual será o momento decisivo. Ou a UE assume uma abordagem verdadeiramente transformadora, ou continuará a ser um mero espectador num mundo económico cada vez mais competitivo e implacável. Temos a oportunidade de reestruturar fundos que hoje estão dispersos, com uma integração entre o InvestEU e o Horizonte Europa, criando um continuum de financiamento, público e privado, desde a investigação inicial, passando pela comercialização e pelas diferentes fases de investimento e crescimento das empresas.

A competitividade europeia exige uma rutura de paradigma. Não se conquistará com mais regulação, mas com um ecossistema que valorize, genuinamente, a inovação, simplifique processos burocráticos e crie condições para que as empresas possam crescer, inovar e competir globalmente.

A Bússola para a Competitividade, embora represente um primeiro passo na direção correta, carece de instrumentos operacionais para materializar as suas ambições. O texto da Bússola transporta uma visão demasiado simplista de desenvolvimento económico. Parece acreditar que a mera existência de estratégias políticas gerará, automaticamente, crescimento. Esta perspetiva ignora a complexidade dos mercados e o papel fundamental do empreendedorismo privado. A competitividade europeia exige uma mudança que transcenda a, atual, dicotomia entre Estado e mercado, criando um novo modelo de economia adaptado à era digital, capaz de recuperar o tempo perdido face a outros competidores internacionais.

O sucesso desta transformação dependerá da nossa capacidade para ultrapassar a atual fragmentação do mercado único e criar verdadeiras economias de escala ao nível continental. Isto exige não apenas vontade política, mas uma profunda compreensão dos mecanismos de transmissão entre política pública e dinamismo empresarial.

A competitividade não se decreta, constrói-se com visão estratégica, investimento inteligente e a coragem para fazer escolhas difíceis. A Bússola para a Competitividade representa um primeiro passo, mas apenas um passo, nessa direção. Agora, é preciso coragem política tanto das Instituições da UE como dos Estados-Membros para fazer acontecer.