Adeus, Garoto | Crítica
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Adeus, Garoto é um daqueles filmes que chegam sem fazer alarde, mas deixam uma marca silenciosa, quase permanente, no espectador atento. Estreando com ousadia no Festival de Cinema de Roma em 2024 — e sendo agraciado com o prêmio de Melhor Primeira Obra — o longa do napolitano Edgardo Pistone surge como um testemunho vigoroso de um cineasta que já entende a linguagem do cinema com uma maturidade surpreendente. Pistone não se esconde atrás de estéticas vazias nem de artifícios fáceis: ele conduz seu primeiro longa com uma segurança rara, sustentada por uma direção que sabe escutar o silêncio, olhar o vazio e, principalmente, observar as dores não ditas dos seus personagens. Ao ser exibido no 19º Festival de Cinema Italiano no Brasil, a obra reafirma seu poder universal — a geografia é Nápoles, mas o sentimento é mundial.
O filme gira em torno de Attilio, um jovem de dezenove anos que habita um bairro operário à margem da esperança. Ele é encarregado de proteger Anastasia, uma jovem prostituta vinda do Leste Europeu — e é nesse gesto, de cuidar, que ele aprende a amar. Mas Edgardo Pistone não oferece esse amor de bandeja, como uma solução redentora: pelo contrário, é um sentimento que cresce no subtexto, sufocado pela impossibilidade, pela vergonha, pelas regras tácitas de um ambiente onde sensibilidade é um luxo. A trama se intensifica quando o pai de Attilio é libertado da prisão, e com ele vem o peso de uma dívida impagável. O dilema que se impõe ao protagonista não é apenas moral ou financeiro — é existencial. Pistone nos coloca diante da pergunta que atormenta os que têm pouco: o que você está disposto a sacrificar por aqueles que ama?
O que faz Adeus, Garoto ainda mais envolvente é o vínculo entre seus dois protagonistas, interpretados com entrega visceral por Marco Adamo e Anastasia Kaletchuk. Juntos, eles não apenas encenam um romance; eles desvendam a fragilidade dos afetos em meio ao caos. Kaletchuk interpreta Anastasia com um misto de força e vulnerabilidade, trazendo para a tela a complexidade de uma jovem que também busca uma fresta de luz em uma vida obscurecida pela sobrevivência. Já Adamo constrói um Attilio de poucas palavras, mas repleto de conflitos internos — sua atuação é contida, mas potente, revelando, no olhar, tudo aquilo que sua boca não consegue pronunciar. A química entre os dois não é explosiva, é melancólica — o que torna tudo ainda mais humano e doloroso.
O uso do preto e branco não é apenas um recurso estético: é uma declaração de intenção. Edgardo Pistone entende que cores demais poderiam distrair do essencial. A ausência de cor é, aqui, a presença do desespero, da rotina, da vida que se repete sem grandes promessas. Mas o preto e branco também tem a função de ressaltar nuances — de sombra, de luz, de pele, de concreto. É um contraste visual que ecoa a dualidade interna de Attilio: entre o cinza de sua realidade e o vislumbre de algo novo, quase impossível, que Anastasia representa. O diretor transforma cada enquadramento em uma fotografia carregada de sentimentos, onde até o vazio tem textura.
Adeus, Garoto não se fecha em si mesmo como uma narrativa de redenção. Seu final é seco, duro, necessário. Não há finais felizes num mundo onde o futuro é uma palavra cara demais para ser pronunciada. Pistone, com coragem, encerra sua obra com a honestidade brutal de quem sabe que o cinema, às vezes, não deve consolar — mas sim cutucar, inquietar, deixar marcas. E esse é talvez o maior mérito do filme: ele não quer apenas contar uma história, ele quer fazer sentir. No fim, somos deixados diante de um garoto que diz adeus — ao amor, à infância, à liberdade — e também diante de um cineasta que, com essa estreia memorável, diz olá ao cinema com voz própria e arrebatadora.
Com distribuição da Pandora Filmes, o longa está em cartaz nos cinemas brasileiros.
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