Acusada de desviar milhões de pesquisas na Unicamp pode ter pena de até 36 anos de prisão, se condenada
Tempo de reclusão equivale ao máximo que pode ser atribuído aos crimes de peculato e lavagem de dinheiro, pelos quais ex-servidora responde na Justiça, junto do aumento máximo que pode ser fixado, de acordo com o Código Penal. Entenda próximos passos da investigação do MP sobre desvios de verbas na Unicamp A depender do entendimento da Justiça, a ex-servidora Ligiane Marinho de Ávila, apontada como responsável por desvios milionários de recursos de pesquisa na Unicamp, fornecidos pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), pode ter pena mínima de 5 anos e máxima de 36 anos e 8 meses, caso seja condenada. A pena pode ter alterações de acordo com agravantes e atenuantes que a Justiça pode entender que existam no caso. O advogado criminalista e presidente da Comissão de Direito Processual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Campinas, Salvador Scarpelli Neto, reforça que dificilmente a pena máxima é aplicada. Entenda abaixo. Receba notícias da região de Campinas no WhatsApp Ligiane é ré na Justiça de Campinas (SP) desde o dia 23 de abril. A denúncia, apresentada pelo promotor de Justiça Fernando Vianna, aponta que ela praticou o crime de lavagem de capitais ao menos 189 vezes e o de peculato 27 vezes. Os crimes foram realizados entre 2017 e o início de 2024, segundo o Ministério Público de São Paulo (MPSP). Além da esfera criminal em que Ligiane já é ré, o Ministério Público investiga o caso na esfera cível e aponta que houve "inércia" da Unicamp diante dos desvios. Veja abaixo o que dizem a defesa de Ligiane, dos pesquisadores, a Unicamp e a Fapesp. Qual pode ser a pena? De acordo com o Código Penal, ao crime de peculato cabe pena de reclusão que varia entre 2 e 12 anos. Já ao crime de lavagem de capitais (bens ou dinheiro), cabe a reclusão de 3 a 10 anos. Quando há o entendimento de crime continuado, que é quando alguém comete mais de um crime em mais de uma ação diferente, a pena pode ser aumentada em 1/6 a 2/3 do tempo estabelecido no Código Penal. Caso a ex-servidora Ligiane seja condenada pela Justiça e sejam aplicadas as penas mínimas para os crimes de peculato e lavagem de dinheiro, sem nenhum aumento, o tempo da pena ficaria em 5 anos. Porém, se aplicada pena máxima com aumento máximo, o período de reclusão pode chegar a 36 anos e 8 meses. "Tudo é na base da especulação, né, e muito provavelmente pode ser que a pena mínima fique maior do que dois anos e três anos. Por quê? Porque as consequências para a administração foram elevadas, são valores consideráveis, então tudo isso vai ser valorado pelo juiz", explica Scarpelli Neto. Ainda segundo o advogado criminalista, também é difícil que seja aplicada a pena máxima. "Seria surpreendente", afirma. LEIA TAMBÉM Acusada de desviar milhões de pesquisas na Unicamp diz que transferia verba à própria conta, mas fazia pagamentos para docentes VÍDEO: ex-servidora suspeita de desviar verbas de pesquisas da Unicamp diz em depoimento que esquema envolvia docentes O que a Justiça considera no cálculo? O advogado explica que o cálculo da pena em caso de condenação é dividido em três fases. "Na primeira fase, o juiz analisa as circunstâncias judiciais, que são as circunstâncias que estão lá no artigo 59 do Código Penal. Depois, ele analisa se há existência de algum atenuante ou de algum agravante e, ao final, analisa as causas de aumento. E depois, já que se tratam de dois crimes distintos, ele vai fazer a somatória de ambos", relata o advogado. Isso significa que, a depender do entendimento da Justiça no processo, podem haver fatos que aumentem ou diminuam a pena de uma pessoa que tenha sido condenada. Para aplicar o regime de pena, o juiz ou a juíza verificam se as circustâncias judiciais são favoráveis ou não à servidora, e de quanto tempo foi a pena imposta. Com isso, pode ser definido que a pessoa condenada cumpra a pena em regime aberto, semiaberto ou fechado - ou seja, presa. Em casos de crime contra a administração pública, como o da ex-servidora Ligiane, a progressão da pena está condicionada à reparação do dano que causou. "Vamos supor que ela é condenada a um regime fechado. Para ela progredir para um regime semiaberto, essa progressão fica condicionada à reparação do dano que a administração sofreu, conforme a regra do § 4º do artigo 33", explica Scarpelli Neto. Há ainda outra possibilidade: se a condenação for superior a 6 anos de reclusão, a Justiça pode decretar a perda de bens que correspondam à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito. Com isso, a pessoa condenada pode ter bens confiscados. Ex-servidora detalha pagamentos Durante depoimento à Promotoria, obtido com exclusividade pela EPTV, afiliada da TV Globo, e realizado em março por videoconferênca, já que ela está fora do Brasil e é considerada foragida, Ligiane confirmou que os R$ 5 milhões, aos quais o MP e a Fapesp apontam como valores desviados da verba pública para pesquisa, iam, sim, para


Tempo de reclusão equivale ao máximo que pode ser atribuído aos crimes de peculato e lavagem de dinheiro, pelos quais ex-servidora responde na Justiça, junto do aumento máximo que pode ser fixado, de acordo com o Código Penal. Entenda próximos passos da investigação do MP sobre desvios de verbas na Unicamp A depender do entendimento da Justiça, a ex-servidora Ligiane Marinho de Ávila, apontada como responsável por desvios milionários de recursos de pesquisa na Unicamp, fornecidos pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), pode ter pena mínima de 5 anos e máxima de 36 anos e 8 meses, caso seja condenada. A pena pode ter alterações de acordo com agravantes e atenuantes que a Justiça pode entender que existam no caso. O advogado criminalista e presidente da Comissão de Direito Processual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Campinas, Salvador Scarpelli Neto, reforça que dificilmente a pena máxima é aplicada. Entenda abaixo. Receba notícias da região de Campinas no WhatsApp Ligiane é ré na Justiça de Campinas (SP) desde o dia 23 de abril. A denúncia, apresentada pelo promotor de Justiça Fernando Vianna, aponta que ela praticou o crime de lavagem de capitais ao menos 189 vezes e o de peculato 27 vezes. Os crimes foram realizados entre 2017 e o início de 2024, segundo o Ministério Público de São Paulo (MPSP). Além da esfera criminal em que Ligiane já é ré, o Ministério Público investiga o caso na esfera cível e aponta que houve "inércia" da Unicamp diante dos desvios. Veja abaixo o que dizem a defesa de Ligiane, dos pesquisadores, a Unicamp e a Fapesp. Qual pode ser a pena? De acordo com o Código Penal, ao crime de peculato cabe pena de reclusão que varia entre 2 e 12 anos. Já ao crime de lavagem de capitais (bens ou dinheiro), cabe a reclusão de 3 a 10 anos. Quando há o entendimento de crime continuado, que é quando alguém comete mais de um crime em mais de uma ação diferente, a pena pode ser aumentada em 1/6 a 2/3 do tempo estabelecido no Código Penal. Caso a ex-servidora Ligiane seja condenada pela Justiça e sejam aplicadas as penas mínimas para os crimes de peculato e lavagem de dinheiro, sem nenhum aumento, o tempo da pena ficaria em 5 anos. Porém, se aplicada pena máxima com aumento máximo, o período de reclusão pode chegar a 36 anos e 8 meses. "Tudo é na base da especulação, né, e muito provavelmente pode ser que a pena mínima fique maior do que dois anos e três anos. Por quê? Porque as consequências para a administração foram elevadas, são valores consideráveis, então tudo isso vai ser valorado pelo juiz", explica Scarpelli Neto. Ainda segundo o advogado criminalista, também é difícil que seja aplicada a pena máxima. "Seria surpreendente", afirma. LEIA TAMBÉM Acusada de desviar milhões de pesquisas na Unicamp diz que transferia verba à própria conta, mas fazia pagamentos para docentes VÍDEO: ex-servidora suspeita de desviar verbas de pesquisas da Unicamp diz em depoimento que esquema envolvia docentes O que a Justiça considera no cálculo? O advogado explica que o cálculo da pena em caso de condenação é dividido em três fases. "Na primeira fase, o juiz analisa as circunstâncias judiciais, que são as circunstâncias que estão lá no artigo 59 do Código Penal. Depois, ele analisa se há existência de algum atenuante ou de algum agravante e, ao final, analisa as causas de aumento. E depois, já que se tratam de dois crimes distintos, ele vai fazer a somatória de ambos", relata o advogado. Isso significa que, a depender do entendimento da Justiça no processo, podem haver fatos que aumentem ou diminuam a pena de uma pessoa que tenha sido condenada. Para aplicar o regime de pena, o juiz ou a juíza verificam se as circustâncias judiciais são favoráveis ou não à servidora, e de quanto tempo foi a pena imposta. Com isso, pode ser definido que a pessoa condenada cumpra a pena em regime aberto, semiaberto ou fechado - ou seja, presa. Em casos de crime contra a administração pública, como o da ex-servidora Ligiane, a progressão da pena está condicionada à reparação do dano que causou. "Vamos supor que ela é condenada a um regime fechado. Para ela progredir para um regime semiaberto, essa progressão fica condicionada à reparação do dano que a administração sofreu, conforme a regra do § 4º do artigo 33", explica Scarpelli Neto. Há ainda outra possibilidade: se a condenação for superior a 6 anos de reclusão, a Justiça pode decretar a perda de bens que correspondam à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito. Com isso, a pessoa condenada pode ter bens confiscados. Ex-servidora detalha pagamentos Durante depoimento à Promotoria, obtido com exclusividade pela EPTV, afiliada da TV Globo, e realizado em março por videoconferênca, já que ela está fora do Brasil e é considerada foragida, Ligiane confirmou que os R$ 5 milhões, aos quais o MP e a Fapesp apontam como valores desviados da verba pública para pesquisa, iam, sim, para a conta dela, mas que ela não ficou com todo o montante, como indicado pela investigação. "Esses valores que falam que eu desviei realmente foram para a minha conta. Só que e tudo que eu paguei deles [pesquisadores]? Do jeito que estão falando parece que eu não paguei nada deles. Eles não estão olhando isso. Eles [pesquisadores] sabiam que eu jogava na minha conta para facilitar os pagamentos", disse Ligiane, em depoimento. "Do jeito que estão falando, parece que eu estou nadando em dinheiro, que eu saí com R$ 5 milhões embaixo do braço, ou na minha conta, e não foi nada disso", disse a ex-servidora. Instituto de Biologia da Unicamp Reprodução/EPTV Ligiane Marinha de Ávila foi servidora Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (Funcamp), ligada ao Instituto de Biologia, por 11 anos. Segundo o relato dela ao Ministério Público, todos os pagamentos de despesas com os valores repassados pela Fapesp era de conhecimento dos docentes e que, muitas vezes, ela recebeu pedido para "mascarar notas". "Pediam para eu mascarar orçamentos, fornecedores. Tinha outros dois funcionários, mas gostavam de mim porque eu sempre dava um jeito. Vinha nota riscada, rasurada , e eu tinha que resolver. Enquanto eu estava ajudando, estava tudo certo, quando veio a paulada, veio só em cima de mim. (...) Eu olhava o valor faltante que tinha de nota fiscal e emitia notas aleatórias. Mas eu nunca omiti nada, todo mundo sabia o que eu estava fazendo", completou. Abriu empresa No depoimento, Ligiane disse ainda ao Ministério Público que criou uma empresa para facilitar os pagamentos aos pesquisadores. De acordo com a ex-servidora, ela recebia os cartões de crédito para fazer as transações e os que não forneciam a senha iam até a mesa dela para. Um documento enviado pela Unicamp aos pesquisadores obtido pelo g1 e pela EPTV, aponta que a ex-funcionária poderia realizar, entre outras coisas, a prática de "guarda e manuseio dos cartões". "Não estou falando que eu estou isenta de tudo, mas do jeito que estão falando eu teria muito mais do que tenho hoje. (...) O que me irrita é que eles sabem como eu pagava, o jeito que pagava, tudo que eu fazia. Nunca escondi nada. Aí agora juntou 50, 80 pessoas contra mim", diz o depoimento. Em outro trecho da conversa com a Promotoria, ela diz que pesquisadores praticaram desvio de finalidade das verbas, apresentando pedidos de compra de itens pessoais, como um abajur. Após concluir a primeira sindicância interna aberta para apurar o caso, a universidade estadual optou pelo arquivamento do processo, “uma vez que os prejuízos financeiros estão sendo suportados pelos docentes junto à Fapesp”. Diante das inconsistências financeiras, a Fapesp ajuizou 34 ações de cobrança contra pesquisadores responsáveis pelas contas afetadas. Entre os casos já julgados, segundo a fundação, três pesquisadores foram condenados a devolver valores que variam entre R$ 31 mil e R$ 243 mil. Ex-servidora fora do país A auditoria interna realizada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) concluiu que o desvio total de recursos foi de R$ 5.384.215,88. Desse total, R$ 5.077.075,88 foram movimentados diretamente por Ligiane Marinho de Ávila, Ligiane é suspeita de ter feito 220 transferências bancárias, sendo cerca de 160 enviadas diretamente para a conta pessoal dela. Parte dos desvios também envolveu empresas da ex-funcionária e outras três pessoas jurídicas. A Fapesp aponta que a ex-servidora agiu intencionalmente ao usar notas fiscais falsas para desviar recursos. Os pesquisadores, por sua vez, teriam contribuído por negligência, já que permitiram que ela acessasse as contas dos projetos, o que vai contra as regras da fundação. Ligiane deixou o Brasil em 19 de fevereiro de 2024, um mês após os desvios serem descobertos. Em setembro, o Ministério Público pediu a prisão preventiva e a quebra do sigilo bancário dela. Ligiane Marinho de Ávila, investigada pela Polícia Civil por suspeita de desviar verbas de pesquisa da Unicamp Reprodução/EPTV Prejuízo à universidade O MP também contestou a posição da reitoria da Unicamp, que tratou o caso como um problema “alheio à universidade”. Para o órgão, há indícios de negligência por parte de docentes, que teriam entregue cartões e senhas bancárias à ex-servidora investigada. Além disso, o documento destaca que a própria Procuradoria da Unicamp confirmou a existência de ações judiciais movidas pelos docentes contra a instituição de ensino, evidenciando risco de prejuízo ao erário.