A reviravolta de Agnes Nilsson: de vendedora a dona de camarote
No Dia Internacional das Mulheres, conheça a história de Agnes, que é mãe, empresária e tem uma trajetória nada óbvia

Numa cozinha apertada, Agnes Nilsson preparava sanduíches para vender na UFRJ, enquanto olhava seus dois filhos: Tiwana, ainda bebê, e Mickael, de dois anos. E ela precisava mesmo ficar atenta. O primogênito, ainda pouco acostumado a dividir a atenção dos pais com a irmã, costumava puxar o pé da garota na tentativa de derrubá-la no chão.
“Eu deixava o carrinho bem em frente à porta para olhar a Tiana. O Mickael morreu de ciúmes quando ela nasceu. Eu colocava a Tiana em um canto da cama, quando voltava, ela estava na beirada”, lembra, aos risos.
A ideia de tirar o sustento dos sanduíches surgiu por acaso. Newton, pai das crianças, levava um lanche de pasta de amendoim com geleia de morango para comer na faculdade – e os amigos começaram a pedir. “Quando ele precisou levar dez, entrou a Agnes produtora. Começamos a vender, no fim produzíamos de 200 a 250 por dia”, conta.
No intervalo da faculdade, ela e o marido se revezavam na venda dos sanduíches. E ainda arrumavam tempo para praticar esportes – uma paixão compartilhada pelos dois, que se conheceram no Flamengo, ainda na adolescência, quando nadavam pelo clube. Aos 22, Agnes trocou a natação profissional pelo triatlo. “Se você me perguntar hoje como eu arrumava tempo para fazer isso tudo, eu te digo que não faço a menor ideia.”
Sentada numa das salas do camarote Folia Tropical, na Sapucaí, Agnes mostra a mesma versatilidade em exercer várias tarefas ao mesmo tempo. “Ô, Douglas, você pode botar aqui, depois arruma. Sem cerveja, tá? O Fernando chegou?”. “Dona Agnes, já furaram aqui?”, pergunta um dos funcionários, ao abrir a porta. “Furaram o que? Não… ele falou que ia furar ali. Deixa eu só falar uma coisa… esse pote aqui eu guardo tampas, tô juntando porque pode virar uma cadeira de rodas. Preciso entender quem tá tirando. Vou deixar um recado para não retirar. Obrigada.”
Essas foram algumas das rápidas interrupções ao longo da entrevista de uma hora, naquela tarde de sexta-feira, um dia antes do início oficial dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro. Naquela noite, o camarote, fundado por ela e pelo ex-marido, ainda promoveria a festa CandyBox, para celebrar a inclusão LGBTQIAP+.
De sanduíche para o samba
A história de Agnes e Newton com o samba começou 38 anos antes. Enquanto os dois cursavam hotelaria e vendiam sanduíches na faculdade, Newton herdou uma agência de turismo da família. E começou a vender serviços para turistas hospedados em hotéis cinco estrelas.
“Newton era muito prestativo. E a gente oferecia tudo o que o turista queria ao chegar aqui. Passeio, passagens, e receptivo. Mas com muito cuidado e hospitalidade. O Copacabana Palace, por exemplo, não indica qualquer pessoa. Mas eles tinham muita segurança da hospitalidade que a gente dava. A gente se preocupava em oferecer um serviço impecável”, lembra.
Ao acabar a faculdade, que se estendeu por seis anos, em vez de três, por conta das demandas pessoais e profissionais dos dois, eles mergulharam de vez na agência, chamada de Grupo Pacífica. Todos os pedidos eram atendidos: até serviço de casa de câmbio a agência passou a oferecer.
Foi por esse caminho que se envolveram com o Carnaval. Começaram com a venda de ingressos para a arquibancada, depois incluíram venda de frisas (cercadinho com cadeiras que ficam bem próximas à avenida) até fecharem os “camarotinhos”, que cabiam poucas pessoas.
“Nos camarotinhos de 12 pessoas, só seis conseguiam assistir. No de 15, era a mesma coisa. Mas no de 24 era difícil. Como fazia para administrar 24 pessoas disputando a janela? Era briga, uma coisa horrível”, conta Agnes.
“Aí a gente começou a entender que tinha que juntar os camarotinhos. Começamos a entender que, quanto maior o espaço, nem todos estavam ali ao mesmo tempo. Uns chegavam cedo, outros saíam mais tarde. O rodízio na janela era muito melhor. Mas foi difícil explicar isso para o concierge do hotel. A gente deixava de vender para trazer o concierge e mostrar que funcionava melhor: o buffet rodava melhor, tudo rodava melhor, porque não ficava o mesmo número de pessoas ao mesmo tempo. Essa foi a nossa construção.”
De camarotinho em camarotinho, eles chegaram a um espaço de 2 mil metros quadrados. E criaram uma nova ideia: juntar celebridades com foliões comuns. “Foi um clique do Newton. A gente recebia muitas ligações de pessoas que queriam comprar o camarote da Brahma. Vimos um nicho de pessoas que queriam estar perto de famosos e que tinham poder aquisitivo para pagar por isso, mas que não conseguiriam comprar com a Brahma.”
Foi Mickael, que perambulava junto com os pais pela avenida desde pequeno, quem batizou o camarote. “O nome até então era o mesmo da agência, Grupo Pacífica. E ele disse que não dava para manter, precisávamos de outra marca”. E assim surgiu o Folia Tropical, há 13 anos.
A influência dos filhos
Em 1989, ainda distantes do samba, concluindo o curso de hotelaria, Newton e Agnes tiveram seu terceiro filho: o Ton. “Eu tinha 27 anos, dois filhos. Pensei: vou trocar fralda de cabeça para baixo. Mickael botando sapato em cima da Tiana, já passei por tudo. Aí veio a história do Ton.”
Agnes começou a perceber um comportamento diferente do caçula. Dormia mais do que os outros bebês e tinha uma evolução diferente. “Não tinha sinais visíveis para as pessoas. Mas, naquela época, a tabela de pediatria dizia que aos seis ou nove meses, o bebê começava a engatinhar, com um ano já andavam. O Ton só engatinhou com um ano e três meses, foi andar com um ano e nove”, diz.
“Quando ele tinha um ano e meio, fui ao médico e perguntei a ele se havia acabado a consulta. Então, eu disse: ‘bom, então só tem duas opções: ou o senhor tá de mudança para a minha casa ou eu para a sua. Porque eu não saio daqui sem que você feche o diagnóstico do meu filho.”
O médico, então, pediu um exame genético e veio a notícia: Ton nasceu com a raríssima síndrome do cromossomo 20 em anel. Naquela época, Agnes lembra que havia bibliografia com apenas oito casos no mundo todo.
“Quando o Ton começou a convulsionar, nossa vida virou de cabeça para baixo. A primeira vez que foi mais forte, foi horrível, eu achei que meu filho ia morrer. Eu estava com Mickael e Tiana, ainda crianças, no elevador. E a gente não sabia o que fazer. Depois descobrimos que os pesadelos que Ton tinha durante a noite já eram convulsões, só que mais leves”, conta.
Com a ajuda de amigos, Agnes conseguiu uma viagem aos Estados Unidos para levar Ton a médicos de lá. Voltou com anticonvulsivantes que deram tranquilidade ao menino até os sete anos – depois disso, segundo Agnes, eles viveram os piores momentos, até os 12 anos de Ton. Hoje, aos 35 anos, as crises convulsivas estão mais controladas.
O aprendizado com o filho despertou a preocupação da família em criar ambientes acessíveis para todos. No Folia Tropical, há rampas de acesso e plataformas elevatórias para cadeirantes, mobiliário adaptado para pessoas com nanismo, intérpretes de libras, e monitores especializados para pessoas com deficiência auditiva.
Agnes também abriu uma ONG, a Amigos do Ton, no Vidigal, comunidade na zona sul do Rio, para ajudar na interação social de crianças com deficiências.
“Nós estamos fazendo também uma parceria com o Nós do Morro. A gente leva essas famílias e suas crianças para o teatro, para trabalhar também o lado lúdico. As mães estão sempre preocupadas com terapias, fono e esquecem do lado social. Eram famílias que estavam travadas, tensas, e hoje sentam para brincar com seus filhos. Elas não tinham nem ideia de que poderiam fazer algo como isso dentro de casa”, conta.
A história da família teve outra reviravolta no ano passado, quando Newton sofreu um acidente de surfe e ficou tetraplégico. Quem assumiu a frente do camarote foi Mickael. “Uma das coisas que mais mexe com o Newton é não poder carregar o Ton. Mas ele está bem, nós estamos bem, porque as chances de ele sobreviver ao acidente eram mínimas”, diz Agnes.
A empresária fala com paixão sobre o carnaval – mas não exatamente pelo samba. “Nunca fui de samba, nem de baile, nada disso. Mas eu faço o que eu gosto. Gosto de receber as pessoas aqui como se fosse a minha casa. Quem nunca veio não sabe o que está perdendo, deveriam vir ao menos uma vez na vida. É uma coisa grandiosa, de uma energia absurda”, conta. “Mas eu não tenho uma escola do coração. No futebol, eu sou Flamengo. Aqui eu torço pelo espetáculo, gosto de torcer por quem está fazendo o desfile mais bonito.”
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