A lei das consequências não intencionais

Cometemos o erro de procurar interpretar sempre os acontecimentos políticos à luz da estrita racionalidade. E assim falhamos o alvo. Porque a política obedece demasiadas vezes àquilo que Henry Kissinger designava, com sapiência irónica, «a lei das consequências não intencionais». Alguns actos produzem determinadas efeitos que nunca chegaram a ser previstos e estavam longe de ser desejados.  Vem isto a propósito da alucinante cascata de acontecimentos que está prestes a gerar nova dissolução de uma legislatura e as terceiras eleições parlamentares em três anos no nosso país. Depois de ruir um governo com maioria absoluta, o actual executivo - empossado há escassos 11 meses - prepara-se para cair. Mesmo após superar duas moções de censura no hemiciclo - a primeira só com 50 votos favoráveis em 230 deputados, a segunda tendo recolhido apenas 14 votos de apoio. Nenhuma dessas moções foi sequer apresentada pelo principal partido da oposição, que aliás inviabilizou ambas no hemiciclo. O que torna tudo ainda mais anómalo. Impôs-se, portanto, a lei das consequências não intencionais: a aparente estabilidade de anteontem degenerou em toada de montanha russa para o caos do momento que só favorece o mais desbragado populismo político. Sem que nenhum dos protagonistas, aparentemente, o tivesse desejado. Sem indícios de mudança substancial de opinião entre os portugueses que foram às urnas a 10 de Março de 2024. Sem a menor garantia de que o próximo acto eleitoral produza uma solução governativa mais estável. Conduzindo o País a um ciclo de três eleições em oito meses (legislativas, autárquicas, presidenciais) quando a actual situação na Europa e no mundo é a mais explosiva em muitas décadas. «Há quase um sentimento de I República», observou ontem Carlos Moedas, em entrevista à SIC Notícias. Frase certeira. Lembremos esse período nada recomendável do nosso século XX: em menos de 15 anos houve sete legislaturas, oito presidentes, 45 governos e uma junta revolucionária. Num quadro de convulsões sociais, instabilidade económica e violência política que desembocou em meio século de ditadura.  A história pode sempre repetir-se: basta certos actos impensados produzirem determinadas consequências não previstas. Alguém devia recomendar aos aprendizes de feiticeiro para evitarem brincar com o fogo.

Mar 6, 2025 - 14:40
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A lei das consequências não intencionais

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Cometemos o erro de procurar interpretar sempre os acontecimentos políticos à luz da estrita racionalidade. E assim falhamos o alvo. Porque a política obedece demasiadas vezes àquilo que Henry Kissinger designava, com sapiência irónica, «a lei das consequências não intencionais». Alguns actos produzem determinadas efeitos que nunca chegaram a ser previstos e estavam longe de ser desejados. 

Vem isto a propósito da alucinante cascata de acontecimentos que está prestes a gerar nova dissolução de uma legislatura e as terceiras eleições parlamentares em três anos no nosso país. Depois de ruir um governo com maioria absoluta, o actual executivo - empossado há escassos 11 meses - prepara-se para cair. Mesmo após superar duas moções de censura no hemiciclo - a primeira só com 50 votos favoráveis em 230 deputados, a segunda tendo recolhido apenas 14 votos de apoio. Nenhuma dessas moções foi sequer apresentada pelo principal partido da oposição, que aliás inviabilizou ambas no hemiciclo. O que torna tudo ainda mais anómalo.

Impôs-se, portanto, a lei das consequências não intencionais: a aparente estabilidade de anteontem degenerou em toada de montanha russa para o caos do momento que só favorece o mais desbragado populismo político. Sem que nenhum dos protagonistas, aparentemente, o tivesse desejado. Sem indícios de mudança substancial de opinião entre os portugueses que foram às urnas a 10 de Março de 2024. Sem a menor garantia de que o próximo acto eleitoral produza uma solução governativa mais estável. Conduzindo o País a um ciclo de três eleições em oito meses (legislativas, autárquicas, presidenciais) quando a actual situação na Europa e no mundo é a mais explosiva em muitas décadas.

«Há quase um sentimento de I República», observou ontem Carlos Moedas, em entrevista à SIC Notícias. Frase certeira. Lembremos esse período nada recomendável do nosso século XX: em menos de 15 anos houve sete legislaturas, oito presidentes, 45 governos e uma junta revolucionária. Num quadro de convulsões sociais, instabilidade económica e violência política que desembocou em meio século de ditadura. 

A história pode sempre repetir-se: basta certos actos impensados produzirem determinadas consequências não previstas.

Alguém devia recomendar aos aprendizes de feiticeiro para evitarem brincar com o fogo.