A irracionalidade e a estupidez por trás das tarifas de Trump contra a China

Para Thomas Friedman, a estratégia de Donald Trump de impor tarifas sobre produtos chineses é uma resposta primitiva a um desafio complexo — e pior: sem um plano real para reconstruir a competitividade dos Estados Unidos. “Construir um muro tarifário sem investir no que vem depois é como erguer uma muralha e depois atirar nas […] O post A irracionalidade e a estupidez por trás das tarifas de Trump contra a China apareceu primeiro em O Cafezinho.

Abr 20, 2025 - 18:34
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A irracionalidade e a estupidez por trás das tarifas de Trump contra a China


Para Thomas Friedman, a estratégia de Donald Trump de impor tarifas sobre produtos chineses é uma resposta primitiva a um desafio complexo — e pior: sem um plano real para reconstruir a competitividade dos Estados Unidos.

“Construir um muro tarifário sem investir no que vem depois é como erguer uma muralha e depois atirar nas próprias empresas americanas”, afirmou Friedman.

Há alguns dias (15/abr), no podcast The Ezra Klein Show do New York Times, Thomas Friedman analisou o impacto e as contradições das tarifas comerciais de Donald Trump contra a China. O bloco da conversa destacou como a resposta americana à ascensão chinesa, baseada apenas em barreiras protecionistas, revela a falta de visão estratégica para preparar a economia dos EUA para os desafios do século XXI.

Um muro vazio

Friedman deixou claro que não é contra a ideia de impor tarifas — desde que façam parte de um projeto mais amplo. “Se você vai construir um muro contra a China, ótimo. Mas o que vai construir atrás do muro?”, provocou. Para ele, Trump e seus aliados pensam apenas no “primeiro movimento”: aplicar tarifas altíssimas, mas sem acompanhar isso de políticas de investimento, reindustrialização ou inovação tecnológica.

“Esses caras são pensadores de primeira ordem. Eles não pensam no dia seguinte”, criticou.

No entender de Friedman, as tarifas de Trump se tornaram um espetáculo político interno, voltado para impressionar eleitores, mas totalmente desconectado da realidade complexa do comércio global. “Se você quer proteger a indústria americana, não basta impor taxas sobre produtos chineses. Você precisa criar aqui o ecossistema de robótica, baterias, veículos autônomos e inteligência artificial que vai nos manter competitivos.”

Atirando nas próprias empresas

Friedman apontou o paradoxo gritante da atual política comercial: enquanto constrói barreiras para “proteger a América”, Trump prejudica as mesmas empresas que deveriam ser o motor da nova economia. Ele citou o caso da Ford, que investiu em fábricas de baterias para veículos elétricos com apoio da legislação climática de Joe Biden. Mesmo assim, a Ford foi atacada politicamente pela direita trumpista, que passou a demonizar veículos elétricos como “coisa de gente fraca”.

“A Ford fez tudo que um país racional pediria a uma empresa. E agora está sendo alvejada porque EVs são ‘coisa de viado’? Me poupe.”

A consequência, segundo Friedman, é devastadora: enquanto a China acelera a transição para a mobilidade elétrica e as energias renováveis, os EUA correm o risco de ficar presos ao século passado, presos à nostalgia da indústria de carvão e petróleo.

Trump e o isolacionismo burro

Outro erro grave, na visão de Friedman, foi Trump ter transformado sua guerra comercial numa luta de “América contra o mundo” — não apenas contra a China. “Ele impôs tarifas contra aliados como Europa, Japão, Coreia do Sul. Jogou fora nosso maior trunfo: os amigos.”

Para o jornalista, a maneira inteligente de pressionar a China seria construir uma coalizão global, reunindo democracias industriais para estabelecer padrões comuns de comércio, tecnologia e inovação. Em vez disso, Trump optou pela via do confronto unilateral e errático, afastando parceiros estratégicos.

“A China tem vassalos. Nós tínhamos aliados. Agora estamos abrindo mão disso.”

Friedman lamentou ainda que o trumpismo tenha transformado a política comercial num teatro de macho alfa, onde o objetivo é “mostrar quem manda” em vez de resolver problemas estruturais da economia americana.

Um recuo estratégico

Na conversa com Ezra Klein, Friedman observou que o próprio Trump acabou recuando quando as consequências financeiras de suas tarifas começaram a se tornar insustentáveis. A volatilidade nos mercados, a ameaça à estabilidade dos títulos do Tesouro americano e a reação negativa de setores empresariais forçaram o ex-presidente a suspender temporariamente parte das medidas.

“Trump brinca de ‘estrategista do caos’, mas a verdade é que ele não aguenta quando o mercado dá o troco.”

Esse recuo, para Friedman, mostrou o blefe por trás da retórica: Trump não tinha um plano para aguentar o impacto real de uma guerra tarifária prolongada. E, pior ainda, ao agir de maneira errática e imprevisível, o governo americano reduziu sua própria credibilidade como potência econômica confiável.

Perdendo a guerra invisível

Enquanto isso, na avaliação de Friedman, a China segue construindo suas fortalezas de verdade: cadeias produtivas completas, domínio em tecnologias-chave, liderança em energia limpa e infraestrutura digital integrada. Cada tarifa isolada, sem estratégia, apenas compra tempo — mas não resolve o problema.

“Nós estamos lutando com retórica e tarifas enquanto eles lutam com inovação, escala e disciplina.”

Friedman reforçou que a verdadeira resposta à ascensão chinesa deveria ser um projeto nacional ambicioso de renovação econômica — algo mais parecido com o New Deal verde de Biden (mesmo que imperfeito) do que com a política de improviso e ressentimento de Trump.

A escolha americana

Encerrando o bloco, Friedman resumiu o dilema: os Estados Unidos podem escolher entre o protecionismo vazio e o investimento real em futuro. Um muro de tarifas, sozinho, não sustenta uma superpotência — ainda mais em um século dominado por inteligência artificial, robótica e energias renováveis.

“O futuro não será conquistado por quem gritar mais alto ‘América primeiro’. Será conquistado por quem construir o próximo ecossistema industrial global.”

Se os EUA quiserem liderar esse novo mundo, alerta Friedman, terão que fazer muito mais do que taxar produtos estrangeiros: terão que reinventar a si mesmos.