A evolução dos investimentos no esporte mais popular do mundo
Como a entrada de capital privado e o modelo Multi-Club Ownership estão moldando o futuro do futebol O post A evolução dos investimentos no esporte mais popular do mundo apareceu primeiro em MKT Esportivo.

Por Ana Carolina Renaux, Consultora Sênior – OutField
Estamos observando uma mudança no perfil de investidores no mercado esportivo. Antes, os aportes eram predominantemente feitos por indivíduos de alto poder aquisitivo, muitas vezes motivados pela afinidade com seu clube do coração. Hoje, observa-se uma abordagem mais estratégica e orientada para o mercado, impulsionada pela abertura do setor ao capital privado ao redor do mundo.
Um marco fundamental nessa transformação foi a flexibilização das regras de investimento nas ligas americanas, antes bastante restritivas. Essa mudança permitiu a entrada de investidores institucionais em participações minoritárias dentro das franquias, abrindo novas oportunidades no mercado esportivo.
Esse movimento começou nos Estados Unidos com as principais Ligas locais, sendo liderado pela MLB em 2019, seguido pela MLS em 2020, NBA e NHL em 2021, e mais recentemente, a NFL em 2024. Com isso, o ambiente tornou-se mais atrativo para fundos de investimento e grandes corporações, ampliando o potencial de crescimento e profissionalização do setor.
Esse novo cenário fez com que investidores passassem a enxergar o futebol como um ativo altamente promissor. Sendo o esporte mais popular do mundo, com uma audiência de aproximadamente 4 bilhões de pessoas e movimentando aproximadamente USD 286 bilhões no mundo anualmente, de acordo com a FIFA, o futebol atraiu um novo perfil de investimento.
Em 2018, as transações envolvendo clubes das cinco principais ligas europeias (La Liga, Ligue 1, Serie A, Premier League e Bundesliga) totalizavam €66,7 milhões. Apenas cinco anos depois, esse valor cresceu impressionantes 7.500%, atingindo €5 bilhões em 2023. Um exemplo desse crescimento foi o investimento minoritário no Manchester United, na ordem de €1,5 bilhão. Esse montante continua aumentando à medida que empresas passam a avaliar os clubes de futebol como uma classe de ativos atrativa e viável financeiramente.
Esse contexto impulsionou a tese de Multi-Club Ownership (MCO – ou Grupo Multi Clubes), onde um investidor detém participação — majoritária ou minoritária — em múltiplos clubes, consolidando um modelo de gestão global no futebol. Esse modelo de investimento teve um crescimento expressivo na última década, aumentando quase 600%, de 18 para 125 grupos ao redor do mundo.
A estratégia dos MCOs tem se tornado cada vez mais atrativa para investidores no futebol, pois oferece uma série de benefícios estratégicos e financeiros. Entre os principais estão:
Diluição de risco: O modelo MCO reduz a exposição a riscos geográficos e específicos de cada mercado. Ao diversificar os investimentos em diferentes ligas e países, o investidor mitiga os impactos de oscilações econômicas, regulamentações locais e desempenho esportivo de um único clube.
Eficiência de custo: A estrutura MCO permite um gerenciamento mais eficiente de recursos, otimizando operações e fortalecendo o poder de negociação do grupo. Com um modelo de gestão centralizado, é possível minimizar ineficiências operacionais, reduzir desperdícios e tornar os clubes mais sustentáveis financeiramente. Além disso, o compartilhamento de scouting e análise de dados pode diminuir os custos com prospecção de jogadores em até 50%.
Acesso ao Mercado Global: Investir em múltiplos clubes ao redor do mundo oferece uma plataforma de exposição e comercialização de jogadores em diferentes mercados. Isso melhora a captação de talentos, potencializa o scouting e permite uma taxa de descoberta de talentos 30% superior à de clubes que operam isoladamente.
Gestão de Carreira dos Jogadores: Ter múltiplos clubes sob um mesmo grupo facilita o desenvolvimento e a progressão de atletas, garantindo que cada jogador atue na equipe mais adequada para sua fase de desenvolvimento. Isso possibilita uma transição mais eficiente entre diferentes níveis de competitividade, maximizando seu potencial esportivo e valorização no mercado.
Gestão de Equipe: O modelo holístico de recrutamento de jogadores permite um desenvolvimento estratégico de talentos dentro da estrutura MCO. Isso cria sinergias entre os clubes, impulsionando a competitividade das equipes e garantindo um pipeline sólido de atletas para suprir necessidades esportivas ao longo das temporadas.
Marketing: Com uma presença global, grupos MCO ampliam suas oportunidades de patrocínio e geração de receita. A estratégia de negociação conjunta de direitos de mídia e patrocínios aumenta o poder de barganha dos clubes e diversifica as fontes de receita. Estima-se que essa estrutura possa elevar a receita comercial de um grupo de clubes em 20% a 30%.
Atualmente, cerca de 80% dos grupos MCO possuem três clubes ou menos em sua estrutura. Isso ocorre porque gerir múltiplos clubes exige uma curva de aprendizado, já que cada mercado possui particularidades regulatórias, culturais e competitivas. Antes de expandir agressivamente, os investidores precisam desenvolver uma estratégia clara e alinhar os objetivos dos clubes dentro da estrutura MCO.
Um exemplo bem-sucedido é o City Football Group. Após adquirir o Manchester City em 2008, o grupo passou cinco anos aprendendo a operar a equipe antes de expandir, comprando o New York City em 2013. Atualmente, é o maior grupo MCO do mundo, com 13 clubes distribuídos nas Américas, Europa, Ásia e Oceania.
Além disso, grande parte dos clubes adquiridos por grupos MCO não disputa a primeira divisão de seus campeonatos nacionais: 46% dos clubes sob estrutura MCO estão na segunda divisão ou inferiores. Isso ocorre porque esses clubes geralmente possuem valuations mais baixos e representam uma oportunidade estratégica de valorização do ativo a médio e longo prazo, por meio da ascensão de divisões.
Os grupos MCO buscam retorno sobre o investimento principalmente por meio de duas estratégias centrais:
Ascensão para divisões superiores/Manutenção na primeira divisão: O desempenho esportivo positivo pode aumentar diretamente as receitas do clube por meio de direitos de transmissão, novos patrocinadores e maior arrecadação com bilheteria e sócio-torcedores. Com uma gestão eficiente, o clube pode se tornar sustentável financeiramente e se valorizar no mercado.
Venda de jogadores: Com um scouting eficiente, boas conexões no mercado e infraestrutura, o grupo identifica talentos, desenvolve-os em clubes menores e os valoriza para futuras vendas. A principal tese é adquirir jogadores promissores por um custo baixo, desenvolvê-los em clubes do grupo com maior visibilidade global e depois vendê-los por um valor elevado. Isso fortalece financeiramente os clubes formadores e aumenta a competitividade do futebol.
Do ponto de vista dos clubes, ter um investidor sólido por trás pode ser altamente benéfico. A credibilidade e a experiência de um investidor estratégico global influenciam diretamente os resultados esportivos e administrativos, possibilitando reforços na equipe, profissionalização da gestão, renegociação de dívidas e acesso a uma rede de contatos estratégica para crescimento e aprendizado. Com o investidor certo, os clubes podem alcançar patamares que dificilmente atingiriam sozinhos.
No entanto, é fundamental que o investidor tenha um plano estratégico bem estruturado e alinhado com os objetivos do clube. Mais do que apenas captar recursos, é preciso avaliar a capacidade de investimento do parceiro e sua sustentabilidade no longo prazo. Um aporte financeiro pode gerar melhorias imediatas, mas sem uma gestão responsável e uma visão de longo prazo, pode acabar prejudicando a estabilidade do clube.
Na última década observamos um crescimento de 740% no número de clubes que estão dentro de uma estrutura MCO:
O desenvolvimento e a consolidação das ligas europeias tornaram os clubes regidos pela UEFA os principais alvos de investidores no modelo MCO. Atualmente, 65% dos clubes inseridos nessa estrutura estão no círculo de influência da UEFA, refletindo a força comercial e esportiva do futebol europeu. Em seguida, aparecem a CONCACAF (13%), a AFC (10%), a CAF (6%) e a CONMEBOL (6%).
No entanto, há um movimento crescente de mudanças regulatórias em diversas regiões, facilitando e incentivando a entrada de capital privado no futebol. No Brasil, por exemplo, as recentes alterações na legislação têm impulsionado a profissionalização da gestão dos clubes, tornando o país um destino cada vez mais atrativo para investidores.
Aprovada em 2021, a Lei da SAF trouxe uma nova era para o futebol brasileiro, permitindo que os clubes se tornem empresas, recebam investimentos privados e tenham benefícios fiscais. A regulamentação abriu caminho para a entrada de capital privado no futebol brasileiro, algo que antes era raro, com exceções como o Red Bull Bragantino, que já funcionava como clube-empresa antes da criação da lei. Atualmente, o Brasil conta com 99 SAFs constituídas (aproximadamente 15% do total de clubes filiados à CBF), sendo 30 delas disputando alguma divisão do campeonato nacional, segundo dados da IBESAF.
Antes da SAF, a maioria dos clubes operava como associações sem fins lucrativos, enfrentando falta de transparência e grandes dívidas. Com esse novo modelo, os times podem atrair investidores, separar o futebol das dívidas anteriores e adotar uma gestão mais profissional, atraindo investidores, seguindo o exemplo de clubes europeus.
Atualmente, o Brasil conta com 124 clubes disputando divisões nacionais (Séries A, B, C e D), sendo que 15% deles possuem algum tipo de investimento privado. A maioria desses investimentos vem de um único investidor, sem participação em outros clubes, como Pedro Lourenço no Cruzeiro e a Galo Holding no Atlético Mineiro.
No entanto, a qualidade técnica dos jogadores brasileiros e a competitividade do cenário nacional têm atraído a atenção de grupos globais de MCO. Entre os principais exemplos estão: Red Bull no Bragantino (2020), Eagle Football no Botafogo (2022), 777 Partners no Vasco (2022) e, mais recentemente, o City Football Group no Bahia (2023).
Com esses investimentos, os clubes alcançaram feitos históricos. O Botafogo conquistou a Libertadores em 2024, um título inédito, e o Bahia voltou à competição continental após 36 anos. Esses avanços refletem a influência positiva da gestão e estratégia esportiva trazidas pelos grupos MCO.
O mercado brasileiro segue repleto de oportunidades e se mostra cada vez mais atrativo para grandes investidores globais. Muitos clubes possuem alto potencial de valorização e profissionalização sob uma gestão eficiente, tanto dentro da elite nacional quanto fora. Podemos esperar grandes movimentações em um futuro próximo.
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