Universidade pessoal: lá e de volta outra vez

A ideia de uma “universidade pessoal” nasceu em mim num momento em que percebi que sempre amei estudar mas, por um tempo, comecei a duvidar se esse amor ainda tinha espaço no meio de tantas exigências externas. Eu queria fazer várias faculdades, mas percebi que não precisava. O conceito de Universidade Pessoal nasceu porque eu

Abr 8, 2025 - 06:35
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Universidade pessoal: lá e de volta outra vez

A ideia de uma “universidade pessoal” nasceu em mim num momento em que percebi que sempre amei estudar mas, por um tempo, comecei a duvidar se esse amor ainda tinha espaço no meio de tantas exigências externas. Eu queria fazer várias faculdades, mas percebi que não precisava.

O conceito de Universidade Pessoal nasceu porque eu queria organizar meus estudos autodidatas — sempre me interessei por muitas coisas, e isso às vezes me deixava fragmentada. Não queria mais depender de grades prontas ou de programas que limitavam minha curiosidade. Queria aprender com mais liberdade, mas sem me perder. Queria dar forma ao meu próprio caminho.

O que é uma universidade pessoal?

Uma universidade pessoal é um sistema de estudos independente, feito por e para si mesma.
Não é um curso com módulos definidos, nem uma metodologia engessada que promete produtividade ou resultados rápidos. Ela nasce do desejo de continuar estudando fora dos muros formais da academia, mas com profundidade, intenção e liberdade. É um espaço simbólico (e às vezes até físico) onde os estudos não servem apenas para o trabalho ou para um diploma — mas para a vida. Para entender o mundo, para elaborar questões, para se reconstruir.

Penso nela como um jardim: você escolhe o que plantar, respeita os tempos de cada semente, observa o que floresce e o que precisa de mais cuidado.
Ou como uma biblioteca afetiva: feita não só de livros, mas de ideias que ficaram, de autores que tocaram, de temas que você volta a visitar de tempos em tempos.
Às vezes, parece uma constelação de interesses — onde tudo parece distante à primeira vista, mas aos poucos revela conexões secretas.

A universidade pessoal é isso: um ecossistema de aprendizado sensível e autoral, que se move conforme você muda, e que te acompanha mesmo nos dias em que estudar parece impossível. Porque, mais do que um método, ela é um gesto de compromisso com o seu próprio caminho de saber.

Com o tempo, a minha universidade pessoal foi se transformando. O que começou como um espaço de liberdade intuitiva, precisou desacelerar para não se tornar mais uma forma de cobrança. Aos poucos, fui entendendo que estudar não é sobre dar conta de tudo, mas sobre escutar o que está vivo em mim — agora. A escuta interna passou a ser o alicerce. Eu parei de forçar ciclos mentais quando meu corpo só queria descanso. Parei de seguir planos lindos no papel que não cabiam mais na minha realidade emocional.

A revisão se tornou parte do processo. Voltar ao que já foi lido, reler com outros olhos, abrir um caderno antigo e encontrar perguntas que ainda reverberam. Descobri que estudar também é revisar o que a vida já me ensinou — e isso exige pausa. O descanso, antes visto como intervalo, agora é parte essencial da aprendizagem. É nele que o saber assenta, se organiza, ganha corpo.

Passei a estudar menos temas por vez, mas com mais profundidade. Reduzi a lista de livros, eliminei a obrigação de terminar o que não me tocava mais. Aprendi a ouvir o que um tema pedia de mim: tempo, presença, margem, silêncio. Percebi que não precisava de grades curriculares — precisava de ciclos. Ciclos de aprofundamento, de dispersão, de vazio e de recomeço. Assim como as estações, meus estudos também têm seus invernos.

E então, de maneira orgânica, a espiritualidade entrou no processo. O corpo, que antes era apenas veículo, virou bússola. Comecei a estudar com o corpo inteiro: respeitando meu cansaço, honrando meus ciclos hormonais, escolhendo temas que conversavam com as estações, com a lua, com a vida. Estudar deixou de ser algo que eu fazia apesar de mim e passou a ser algo que eu fazia comigo.

A universidade pessoal amadureceu como eu. Ficou mais calma, mais gentil, mais silenciosa. Hoje, ela é menos sobre acúmulo e mais sobre integração. Menos sobre saber, mais sobre sentir. E mesmo assim — ou por isso mesmo — ela nunca deixou de ser fértil.

Se eu fosse começar a minha universidade pessoal hoje…

Se a ideia de uma universidade pessoal te toca, saiba que ela não exige estrutura perfeita, nem grandes rituais para começar. Ela pode ser montada aos poucos, com o que você já tem, no tempo que você pode, com o coração onde você está. O mais importante é que ela seja sua — feita do que te move, do que te acalma, do que te devolve para si.

Aqui vai um passo a passo suave para começar:

Escolha 1 a 3 temas que te movem
Não precisa escolher para sempre, só para agora. Pergunte-se: o que tem me chamado atenção ultimamente? Pode ser filosofia, plantas, escrita, história do feminino, silêncio. Temas que te provocam ou te curam. Que te puxam para dentro.

Crie um espaço — físico e simbólico
Talvez seja uma mesa, uma prateleira, um cantinho com caderno e vela. Ou talvez seja só um horário protegido no fim da tarde. O que importa é que esse lugar exista, mesmo que pequeno, e que seu corpo saiba: aqui eu estudo com alma.

Use cadernos, diários, mapas ou qualquer ferramenta que te ajude a pensar
Você pode desenhar esquemas, escrever reflexões, registrar frases que te tocam. Não precisa ser bonito, nem organizado. Precisa ser vivo. O que importa é criar um espaço onde o que você aprende possa permanecer em você de algum jeito.

Estude no seu tempo — 10 minutos contam
Não espere horas livres. A universidade pessoal cabe em uma pausa entre compromissos, em um domingo chuvoso, em uma caminhada escutando um podcast. Estudar não é só sentar com um livro — é se colocar em estado de escuta.

Misture teoria e prática, leitura e silêncio
Não leia apenas para entender — leia para sentir. Faça perguntas, observe como aquilo reverbera em você. E permita que o silêncio te devolva o que o texto ainda não disse. Aprender também acontece fora da página.

Faça check-ins: o que ainda faz sentido?
Toda semana ou mês, olhe com carinho para sua jornada. O que ainda te interessa? O que ficou para trás? O que mudou em você? A universidade pessoal não tem linha reta — ela segue o contorno da sua vida real.

Manter uma universidade pessoal, hoje, é mais do que um gesto de organização. É um ato radical.
Em um mundo que exige que tudo tenha utilidade, retorno, performance — estudar por desejo é subversivo.
Ler um livro sem querer extrair algo “aplicável”, mergulhar em um tema porque ele te toca, manter cadernos que não serão apresentados a ninguém — tudo isso desafia a lógica do fazer constante e do saber monetizável.

Num tempo em que somos empurrados para o imediato, criar ciclos próprios de estudo é uma forma de recuperar o ritmo da alma. A universidade pessoal não tem prazo, não tem semestre, não tem nota. Ela floresce no tempo em que você consegue respirar, pensar, escutar.
Ela te devolve a autonomia de pensar por conta própria. De estudar com presença. De formar pensamento que não se resume a opinião — mas que nasce da escuta, da dúvida e da travessia.

Manter uma universidade pessoal é também resgatar o valor da intelectualidade sensível, cotidiana e viva. Aquela que acontece enquanto você anota um verso no caderno da bolsa. Enquanto escuta uma aula caminhando no bairro. Enquanto relê um parágrafo antigo e entende outra coisa.
É a sabedoria que se constrói devagar, entre o chá, o silêncio e a folha em branco. Que não precisa de palco, mas precisa de espaço.

Estudar por desejo é um gesto de cuidado consigo mesma.
É um modo de permanecer enraizada em si, mesmo quando tudo ao redor grita por velocidade.
É um jeito silencioso de dizer: eu ainda acredito na profundidade.
E isso, hoje, é uma das formas mais bonitas de resistir.

Quando criei minha universidade pessoal, eu só queria organizar meus estudos autodidatas. Eu não sabia ainda que estava desenhando uma estrutura que cresceria comigo, amadureceria junto com minha escuta, e me acompanharia mesmo nos períodos de silêncio.

Hoje, olho para aquela primeira versão com ternura. Agradeço à jovem entusiasmada que quis estudar tudo ao mesmo tempo. Ela não estava errada — só estava procurando um caminho. E, de certo modo, abriu espaço para que eu chegasse aqui.

A universidade pessoal que vivo hoje é mais simples, mais silenciosa, mais leve. Ela não exige tanto de mim — mas me devolve muito. É menos sobre saber e mais sobre sustentar o desejo de continuar aprendendo, mesmo quando a vida aperta. E talvez o mais bonito seja isso: ela não tem fim. Não é sobre fazer – é sobre ser.

E sigo, devagar, entre livros, silêncios e perguntas, fazendo da minha curiosidade um lugar para morar.