Projeto em tramitação no Senado deve facilitar doação de órgãos no país
De acordo com o PL em tramitação no Senado, decisão em vida será priorizada. Matéria também respalda médicos e família

Nas próximas semanas, a Câmara dos Deputados deve votar o Projeto de Lei (PL) nº 3.643, de 2019, do Senado Federal, que pretende alterar a forma como é dado o consentimento para a doação de órgãos no Brasil. O PL pretende priorizar a decisão em vida, do potencial doador. Caso o consentimento não tenha sido manifestado, a matéria define que o cônjuge ou parente maior de idade de até segundo grau poderá autorizar o procedimento.
O projeto altera o art. 4º da Lei nº 9434 de 1997: "Art. 4º — A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoa falecida para transplante ou outra finalidade terapêutica somente dependerá de autorização do cônjuge ou de parente maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau, inclusive, firmada em documento subscrito por 2 (duas) testemunhas presentes à verificação da morte, nos casos em que o doador não tenha se manifestado em vida expressa e validamente a respeito."
Para o coordenador do Serviço de Transplantes Hepáticos da Santa Casa de São José dos Campos, Jorge Marcelo Padilla Mancero, o projeto vai ajudar a evitar conflitos com a família. "(A lei) vai ajudar a estimular e reforçar a doação de órgãos. Se você conversou em vida que deseja ser um doador, se expressou essa vontade e se acontecer algo trágico e você entrar em morte encefálica, e é um potencial doador, a família está respaldada, assim como os médicos, porque nós temos que respeitar o direito do paciente de ter falado em vida que quer ser um doador", afirma.
Além do respaldo legal da doação para os familiares e do respeito ao desejo do potencial doador, Macero acredita que o PL pode aumentar a conscientização na doação. "Tem-se avançado muito na conscientização da doação de órgãos, tanto por campanhas a nível nacional ou em educação nas escolas e em casa. Em 2007, tínhamos mais ou menos sete doadores por milhão de habitantes e agora temos 18 doadores por milhão. Ainda falta, mas o Brasil tem avançado muito", ressalta.
Direito
A advogada em direito da saúde e do consumidor, Giulia Mayrink Ghazi, ressalta que a doação de órgãos não é uma obrigação, é um direito. "Não é um dever, uma obrigação. Na prática, o PL atribui uma nova forma de se garantir uma doação de órgãos, apesar de inexistente a manifestação do doador. Então, a gente passa a não ter mais a necessidade do consentimento expresso do doador permitindo que a família possa autorizar ou não", explica. Para a advogada, essa medida pode aumentar a disponibilidade de órgãos para doações. "De fato, outras famílias sofrem muito com um parente tentando encontrar um doador compatível, então o PL acaba sanando uma necessidade e abrindo portas para quem está necessitando", destaca.
Dados do Ministério da Saúde coletados até fevereiro de 2025 indicam que, no Brasil, 45.497 pessoas esperam por um órgão nas filas de transplantes. No país, rim (42.091), fígado (2.312), coração (458), pâncreas-rim (370) e pulmão (210) correspondem às maiores listas. A advogada especialista em direito da saúde, Carla Simas, afirma que doar órgãos é um ato de solidariedade. "Pode salvar e transformar vidas. No Brasil, milhares de pessoas aguardam na fila por um transplante que pode significar a diferença entre a vida e a morte. Além de proporcionar uma nova chance para pacientes com falência de órgãos, a doação também fortalece o sistema de saúde, reduzindo custos com tratamentos prolongados e melhorando a qualidade de vida dos transplantados", defende.
Já para a advogada especialista em direito civil Vanessa Pinzon, a conscientização é necessária, já que muitas recusas são feitas por famílias que não conhecem o desejo do falecido. "A conscientização e informação sobre o assunto é de fundamental importância para que mais pessoas se tornem doadoras, pois a recusa da família, que muitas vezes nunca dialogou sobre o assunto, é o principal obstáculo na doação de órgãos. A cada catorze potenciais doadores de órgãos, apenas quatro realizam a doação, sendo a recusa familiar o motivo da obstaculização, de acordo com o Ministério da Saúde", alerta.
O Brasil é referência mundial na área de transplantes e possui o maior sistema público de transplantes do mundo. "Em números absolutos, o Brasil é o 2º maior transplantador do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. A rede pública de saúde fornece aos pacientes assistência integral e gratuita, incluindo exames preparatórios, cirurgia, acompanhamento e medicamentos pós-transplante", ressalta a advogada.
Espera
Marcelo Cruz da Silva, 40 anos, morador de São Paulo, está na fila de espera por um transplante desde 2023 e faz hemodiálise há sete anos. O paciente teve insuficiência cardíaca em 2016. Na época, seu coração funcionava com menos de 30% da capacidade. "Não conseguia virar uma esquina e, então, no ano seguinte, tive insuficiência renal", conta. Em 2017, com o agravamento da doença, foi afastado do emprego de recepcionista e, desde então, recebe benefício do INSS.
O candidato à doação conta com o apoio da família e de amigos. A irmã é quem lhe acompanha e presta a maior parte do apoio. Como ele mesmo disse, é sua "cuidadora oficial". Atualmente, vive para se cuidar, fortalecer o coração — que ganhou um marca-passo e está mais forte —, e agora aguarda um transplante duplo (rim e pâncreas), o que justifica a sua grande permanência na fila. No momento, ele é o 51º na espera. Nesse caso, Marcelo só pode receber os dois órgãos de um mesmo doador morto, devido à compatibilidade, complexidade e delicadeza do procedimento.
"Eu já não me lembro mais como é ser saudável. Há sete anos, religiosamente, vou à hemodiálise três vezes na semana por quatro horas. É muito sofrido, já vi amigos partirem. É duro ver uma pessoa que está ao seu lado todo dia morrer", lamenta pelos companheiros perdidos ao longo de quase uma década de tratamento.
A aprovação do PL é uma esperança para Marcelo. Para o candidato, agora é possível que mais famílias autorizem a doação. "Infelizmente, tem uma quantidade pequena de pessoas que se propõe a doar. Precisam entender que não estão só doando um órgão, estão perpetuando aquela pessoa. A história dele vai seguir mais um pouco e minha vida, não só a minha, de muitas pessoas, vai continuar", completa o paciente.