Porque é que a ciência não consegue responder se a tecnologia é má para a saúde?
Talvez o maior problema seja a falta de conclusões que permitam responder, com certeza, às perguntas que a sociedade está a fazer sobre os telemóveis, as redes e a inteligência artificial (IA).


Talvez o maior problema que afeta a ciência em relação às novas tecnologias seja a falta de conclusões que nos permitam responder com certeza às perguntas que a sociedade está a fazer sobre os telemóveis, as redes e a inteligência artificial (IA): “É difícil encarar a possibilidade de que as provas [desta relação] possam ser exageradas, mesmo que isso seja feito na crença de que isso manterá as crianças mais seguras”, acrescenta Orben.
As grandes empresas de tecnologia não vão ajudar. A sua prioridade é obviamente outra: ganhar dinheiro. As propostas de Orben e Matias são dirigidas à comunidade científica, e não às empresas: “Historicamente, as empresas tendem a não querer saber certas coisas” sobre os efeitos dos seus produtos, descreve Matias. Preocupa-nos que o mesmo possa acontecer com as tecnologias digitais. Se as empresas temem as violações, os seus dirigentes, compreensivelmente, questionam-se: não será melhor não ter qualquer registo de que esses danos são reais? Queremos mudar estes incentivos.
Matias e Orben esperam que tudo isto não soe apenas a “a ciência é demasiado lenta” e que as provas devam ser desconsideradas. Esperam que, numa era em que as grandes empresas tecnológicas têm toda a informação e podem testar novos produtos sem parar, a ciência precisa de se adaptar. As empresas tecnológicas aceleram o desenvolvimento dos seus produtos porque estão sempre a testar. Fazem testes A/B a toda a hora, mudam as coisas, observam o que acontece e obtêm insights rapidamente. Não estamos a dizer: ‘Vamos reduzir o padrão de prova para dizer que algo é prejudicial’. O que estamos a dizer é que, mesmo que as provas não sejam perfeitas, devemos começar a testar mais cedo para ver se certas mudanças ajudam”, diz Orben.
As medidas específicas propostas por Orben e Matias são quatro:
1. Melhores dados sobre as consequências
O artigo pede que as tecnologias digitais sejam incluídas nos registos públicos quando um funcionário regista possíveis causas de morte ou ferimentos. “A informação sobre tecnologia poderia começar a ser incluída em sistemas como registos de mortalidade, relatórios de acidentes de trabalho ou relatórios policiais sobre violência doméstica, tal como já é feito com os acidentes de viação”, escrevem Matias e Orben.
2. Ajuste a escala de perigo
O artigo inclui esta citação sobre como gerir o nível de perigo: “As perdas empresariais são mais fáceis de reverter do que as vidas”. As grandes empresas tecnológicas estão a aproveitar a falta de provas claras para dizer que não há necessidade de pânico. O medo deles é perder dinheiro. Talvez este equilíbrio entre benefícios e saúde precise de ser reconsiderado, dizem os cientistas.
3.Trabalho em paralelo
As experiências sociais geralmente levam anos de preparação, execução e análise. Orben e Matias propõem em alguns casos lançar várias ações em paralelo, ao mesmo tempo. “De certa forma, trata-se de fazer as coisas mais depressa, mas isso não significa saltar certas etapas. Temos de acelerar, mas de forma definida e cuidadosa”, diz Orben.
4. Uma lista de problemas
Durante anos, houve preocupação com o impacto ambiental e na saúde de vários tipos de produtos químicos utilizados na limpeza, pintura e como pesticidas. Estes produtos químicos eternos são difíceis de decompor, causam cancro e foram sintetizados pela primeira vez na década de 1930. Só na década de 2000 é que os cientistas finalmente reuniram provas definitivas, e houve uma revolução nos produtos químicos verdes, que defende que, em vez de esperar para ver se algo faz mal, deve ser dada prioridade ao desenvolvimento de alternativas mais seguras: “Estamos a encorajar uma abordagem semelhante com a tecnologia digital”, diz Matias.
“Por vezes, não têm a certeza se um composto específico causa cancro ou algum outro problema, mas têm uma lista de quanto é utilizado, que incidentes apareceram nos registos de mortalidade e, depois, os empresários podem analisar essa lista e desenvolver produtos novos e mais seguros. Há muito a ganhar com um processo semelhante baseado em listas: ‘Aqui estão os designs que preocupam as pessoas’, mesmo enquanto tentamos definir as provas, podemos começar a encontrar melhores alternativas. É algo que requer negociação e uma entidade responsável por manter essa lista. Mas é uma solução baseada na ciência, no mercado e em regulamentos que, noutras áreas, aceleraram a criação de produtos mais seguros”, acrescenta Matias.
A comparação entre as aplicações e a indústria do tabaco não é muito precisa. “O tabaco é um composto estável; não há muitas formas de o tornar mais seguro. Fala-se muito em comparar o tabaco às redes sociais, mas é diferente porque, com as redes sociais, poderíamos criar algo muito mais seguro”, diz Orben.
Matias insiste que os produtos químicos são um modelo melhor: “Os produtos químicos têm muitas utilizações valiosas. E, ao mesmo tempo, existem compostos que são tóxicos. Portanto, o desafio para a sociedade é melhorar constantemente, mas também saber como identificar coisas que são tão más que simplesmente precisam de ser proibidas”.