O desafino de Karla Sofía Gascón em um musical de erros
Estrela espanhola lida com o impacto das redes sociais justamente ao ganhar fama mundial com o filme Emília Perez
Chamar o filme Emilia Perez ou sua protagonista, Karla Sofía Gascón, de “polêmico” é eufemismo atualmente. O musical que veio como febre agora é uma virose, justamente na reta final dos votos para todas as premiações, inclusive o Oscar. Ainda Estou Aqui dispensava a “ajuda”, mas indiretamente “ganhou” com tantas trapalhadas. O drama dos bastidores segue avassalador e já mudou radicalmente o tom da festa em março. Como isso aconteceu?
Como há poucas semanas enalteci a história que Karla Sofía fazia como a primeira atriz trans indicada pela Academia, me sinto impelida a revisar tudo que disse antes.
Me vi envergonhada ao “descobrir” os problemas da atriz quando as redes sociais se voltaram contra ela. Não gosto da agressividade do X e faço questão de me isolar dela.
Ali há um hábito, frequente no futebol, onde as pessoas consideram “justo” e aceitável agredir verbalmente torcedores, jogadores, narradores, comentaristas, etc. A anonimidade faz com que monstros cresçam, gigantes em sua covardia. O problema é que, nesse caso, o alvo estava fácil para o ataque.
Entre 2016 e 2020, Karla Sofía usou sua plataforma como muitos desconhecidos: opinando sobre temas sensíveis, criticando celebridades, políticos, o mundo.
O problema é que há uma onda de “detetives online” que adora catar “recibos” (os registros dos posts) para jogar na cara das pessoas. Quando escrevi sobre Karla Sofía tenho que admitir que não fiz essa pesquisa. Erro cabal nos dias de hoje.
Hoje sabemos que a atriz nunca se restringiu de falar tudo o que pensava e, mesmo que tenha mudado de ideia, seus posts revelam um lado minimamente complexo.
As críticas ao filme são justas: Emilia Perez é de um diretor francês que não fala espanhol, mas que conta a história de um traficante mexicano. O elenco é de artistas americanos, venezuelanos e espanhóis, sem nenhum mexicano, e por aí vai).
Então, quando Karla Sofía decidiu abrir a boca em uma entrevista no Brasil para falar mal de Fernanda Torres e da perseguição que estava sofrendo online, como dizemos por aqui, deu ruim.
Primeiro: Fernanda Torres é gigante, não é uma atriz correndo atrás de prestígio internacional ou deslumbrada com a atenção que está tendo. Ela quer e merece o Oscar que está com toda cara de ser dela. “Jogou” limpo e com elegância em sua campanha. Mesmo tentando desencavar coisas do passado, conseguiu colar. Fernanda sabe se posicionar porque ela é autêntica.
Segundo: Fernanda, consciente da empolgação da torcida brasileira, pediu apoio à Karla Sofía, pois embora o Oscar seja uma competição, não é um campeonato. Perfeita.
Contudo, o que começou como um mal-entendido escalou desproporcionalmente. Karla Sofía é alvo de transfobia online, mas, ao se queixar, insinuou que “pessoas que trabalham com Fernanda Torres” estavam envolvidas. Esse foi o ponto de partida para uma busca pela verdade por trás de tais afirmações.
O que encontraram, no entanto, foi devastador CONTRA a atriz espanhola. Ela fez comentários depreciativos visando muçulmanos em sua Espanha natal, bem como George Floyd, que foi morto por um policial em 2020.
Falou mal da co-estrela Selena Gomez (algo que já tinha pedido desculpas no ano passado) e se revelou contraditória em tudo que representa. E não há dúvidas, está – ou estava até ela apagar sua conta – tudo nas suas redes sociais, só bastava ir lá buscar.
Resultado? Karla Sofía entrou para a História do Oscar como uma pessoa que, alguns brincam, “deixou Mel Gibson recuperado”. De quebra, tirou todo o foco da arte e do filme Emilia Perez, agora associado à negatividade. Continuando na analogia futebolesca? GOL CONTRA.
Aos poucos, a preocupação de como essa novela irá custar o Oscar de Zoe Saldaña virou realidade. Depois que Karla Sofía deu entrevistas sem a orientação da equipe e continuou gerando mal entendidos, parece que foi “cortada” da campanha.
A meta agora é estancar o que for possível para salvar pelo menos uma das treze indicações que o filme recebeu (a de Zoe Saldaña) e sair de fininho para o esquecimento.
Toda essa reviravolta era completamente imprevista. Não vou mudar agora a opinião de que gostei de Emilia Perez quando vi o filme. Mesmo percebendo as falhas culturais, considero a história interessante e que Karla Sofía está muito bem no papel. O reconhecimento não foi injusto. Porém, o filme tem toda cara de eventualmente ser apagado. Quem “ganha” é o Brasil porque o Oscar de Filme Estrangeiro parece ganhar ainda mais força.
E Karla Sofía? Ela se posicionou como vítima. Pediu desculpas, tentou se justificar. “Não posso reparar minhas ações passadas, só posso dizer que hoje não sou a mesma pessoa de 10 ou 20 anos atrás, que embora eu não tivesse cometido nenhum crime, também não era perfeita, nem sou agora”, ela escreveu.
“Eu só tento aprender e ser uma pessoa melhor a cada dia”, continuou. “Minha mãe me disse algo lindo ontem: não me importo se você ganhar alguma coisa, só quero que você fique bem e não se machuque. ‘Mãe, a vida me colocou aqui para enviar uma mensagem de esperança e amor a este mundo, e eu vou cumpri-la. Como alguém em uma comunidade marginalizada, conheço muito bem esse sofrimento e lamento profundamente aqueles a quem causei dor. Toda a minha vida lutei por um mundo melhor. Acredito que a luz sempre triunfará sobre a escuridão”, seguiu.
Por acreditar que todos realmente erram em algum momento, sinto por Karla Sofía Gascón. Espero que sua história – dolorosa como é – sirva de exemplo para todos no futuro. Pelas razões certas, não por esse drama.
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