Falta de áreas verdes agrava calor, saúde e desigualdade nas cidades
A ausência de arborização urbana agrava desigualdades sociais e impacta saúde, mobilidade e bem-estar da população. Especialistas defendem políticas públicas que priorizem o verde, especialmente nas periferias

A presença de árvores e áreas verdes em centros urbanos é fundamental para a qualidade de vida dos que ali residem. Elas são essenciais para o conforto térmico, a saúde e a mobilidade, além de desempenharem papel crucial na absorção de poluentes e na manutenção da biodiversidade urbana. No entanto, dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que mais de 58,7 milhões de brasileiros que moram em áreas com características urbanas vivem em ruas sem arborização.
O levantamento do Censo Demográfico 2022 analisou as condições do entorno dos domicílios, incluindo fatores como pavimentação, iluminação pública e acessibilidade. A pesquisa também revelou a distribuição desigual da arborização nas vias urbanas do Brasil. Cerca de 35,6 milhões de brasileiros vivem em ruas com até duas árvores, e 23,5 milhões moram em locais com três ou quatro árvores. Apenas 32,1% da população tem acesso a vias com cinco ou mais árvores por trecho de rua.
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Marta Romero, professora titular da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em planejamento ambiental urbano, enfatiza que a falta de vegetação urbana impacta diretamente o conforto térmico das cidades, que podem registrar temperaturas até 2,5°C mais altas em áreas sem árvores. Além disso, ela ressalta que as áreas sombreadas incentivam o deslocamento a pé, o que promove uma maior mobilidade urbana e melhora a saúde da população. “Árvores também são responsáveis por amenizar ruídos, filtrar poluentes e melhorar a umidade do ar”, explica.
A escassez de áreas verdes é mais perceptível nas periferias urbanas, onde a falta de infraestrutura verde reflete em desigualdades sociais. Romero observa que as regiões mais densamente povoadas são também as mais afetadas pela escassez de árvores e parques urbanos. “A periferia sofre com menor qualidade ambiental dos espaços públicos, com menor investimento para o lazer e maior carência de infraestrutura verde”, afirma.
Juliana Gatti, presidente do Instituto Árvores Vivas, alerta que o problema não é apenas de plantio, mas de preservação. "As árvores adultas têm um valor ecológico imenso e são insubstituíveis diante dos extremos climáticos que enfrentamos. Não existe compensação real para a retirada de uma árvore centenária", diz. O Instituto Árvores Vivas, fundado em 2015, atua na conservação e valorização ambiental com foco em políticas públicas e participação comunitária.
Gatti chama atenção para uma determinação da Organização Mundial da Saúde que estipula que, para garantir uma qualidade ambiental mínima para a saúde da população, é necessário que haja 12 metros quadrados de área verde por habitante. Ela explica que essa é uma medida fundamental, tanto para a diminuição de poluentes do ar, temperatura e possíveis alagamentos, quanto para saúde da população, diminuindo o risco de doenças respiratórias e cardíacas.
No Distrito Federal, apesar de ser uma das unidades da Federação com melhor índice de arborização (84,88%), existem desigualdades internas. “Brasília nasceu arborizada, mas o crescimento populacional não foi acompanhado pela expansão da infraestrutura verde nas novas regiões”, observa Marta Romero. De acordo com a professora, essas áreas, como Itapoã, Vicente Pires e Fercal, enfrentam microclimas mais agressivos e uma pior qualidade de vida.
O Instituto Arvoredo, fundado em 2016, trabalha com projetos de plantio de árvores e educação ambiental em áreas públicas, parques, escolas, comunidades e regiões periféricas. Humberto Lúcio Lima, diretor do instituto, conta que já foram realizadas ações em regiões como Recanto das Emas e Riacho Fundo II, com o objetivo de levar a arborização para áreas que historicamente foram esquecidas nesse aspecto. “A gente sabe que as regiões periféricas sofrem mais com o calor, com a falta de sombra, com erosões e até com problemas de saúde ligados à ausência de áreas verdes”, afirma.
Lima defende um fortalecimento de políticas públicas voltadas ao meio ambiente e que envolvam a sociedade: “A natureza não é um tema distante, ela é essencial para a saúde, o lazer, o esporte, a segurança pública, o saneamento e a qualidade de vida como um todo. Quando cuidamos do meio ambiente, cuidamos também das pessoas”.
*Estagiária sob supervisão de Pedro Grigori