E se o Google acabasse? Como ficaria o mundo que conhecemos hoje?
Esta possibilidade, mais real do que nunca, surge do processo antitrust que a empresa enfrenta nos Estados Unidos.


O Google é o oráculo da Internet há mais de duas décadas. As suas respostas acalmaram muitas dúvidas. O problema é também o comerciante, o anunciante e o intermediário de uma infinidade de negócios e plataformas.
Como seria o mundo sem o Google que conhecemos hoje? Um gigante dividido, sem a capacidade de integrar os seus produtos e serviços numa rede imbatível, poderia alterar profundamente a forma como navegamos, trabalhamos e consumimos a internet.
Esta possibilidade, mais real do que nunca, surge do processo antitrust que a empresa enfrenta nos Estados Unidos.
As acusações são avassaladoras: monopólio na investigação, publicidade digital e controlo dos sistemas operativos. A confirmar-se a divisão, as consequências para a Google poderão ser tão drásticas como a venda do Chrome, a separação do Android ou a obrigação de abrir o seu ecossistema aos concorrentes.
Mas o que significa tudo isto para nós, os utilizadores?
Os acontecimentos dos últimos dias tornaram esta possibilidade mais palpável do que nunca. A executiva da Google, Lee-Anne Mulholland, expressou a sua preocupação num post de um blogue corporativo, referindo que o Supremo Tribunal dos EUA deixou claro que as medidas antitruste devem ser aplicadas com cautela. Segundo ela, a iniciativa do Departamento de Justiça ignora este princípio fundamental da precaução.
Em resposta, a procuradora-geral adjunta Abigail Slater defendeu a posição do governo à porta do tribunal: “Quer saber o que é realmente imprudente? Ignorar o poder monopolista abusivo do Google”, declarou com firmeza.
O Departamento de Justiça, juntamente com uma aliança de 38 procuradores-gerais estaduais, revelou um pacote de medidas ambiciosas destinadas a reequilibrar o mercado de pesquisas na Internet, incentivando uma abertura mais rápida do mercado e oferecendo oportunidades reais para novos participantes no setor.
A Google construiu um império digital interligado. Desde o motor de busca ao navegador Chrome, ao sistema operativo Android e à plataforma de publicidade, tudo foi concebido para se reforçarem mutuamente. Este modelo, que foi fundamental para o seu sucesso, é precisamente o que está agora em causa.
O teste também decorre num contexto desafiante para o motor de busca, com o ChatGPT e outras alternativas a invadir o mercado de pesquisa e a levar os utilizadores a uma mudança no consumo: de listagens e pesquisas com opções para respostas formuladas e digeridas com IA.
O Departamento de Justiça dos EUA defende que esta integração não só reduziu a concorrência, como também prejudicou os consumidores ao limitar as suas escolhas. Acordos multimilionários com a Apple e a Mozilla para se tornar o motor de busca padrão, práticas de exclusão no Android e favoritismo em relação aos seus próprios serviços são alguns dos pontos destacados no processo.
O impacto destas práticas não é trivial. Por exemplo, a receita de publicidade digital do Google está projetada para atingir os 237,9 mil milhões de dólares em 2023, um número que mostra como o seu controlo sobre ferramentas-chave no ecossistema digital lhe deu uma enorme vantagem sobre os seus concorrentes.
Se o tribunal aceitar as propostas do Departamento de Justiça, o Google poderá ser dividido em três grandes blocos:
Spinoff do Chrome: O navegador da Web, um componente essencial do acesso à Internet para milhões de pessoas, pode tornar-se uma empresa independente. Isto permitiria que outros motores de busca, como o Bing ou o DuckDuckGo, competissem em igualdade de circunstâncias, sem o favoritismo que o Chrome dá ao Google Search. Além disso, seria uma oportunidade para inovar num mercado que está a ser dominado há mais de uma década.
Independência do Android: o sistema operativo móvel mais utilizado no mundo pode separar-se do ecossistema da Google. Isto forçaria a empresa a competir para se tornar o motor de busca padrão no Android, abrindo as portas a opções mais variadas e possivelmente mais personalizáveis para os utilizadores.
Desmembramento da publicidade digital: o Google Ads, o motor de geração de receitas da empresa, pode ser separado do motor de busca. Isto não só daria mais oportunidades às plataformas rivais, como também limitaria a capacidade da Google de recolher e utilizar dados dos utilizadores em vários serviços, uma prática que tem sido criticada pelos defensores da privacidade.
Existe um meio termo?
Embora a possibilidade de desmembrar o Google seja real, também existem opções menos drásticas que poderiam equilibrar o mercado sem destruir o ecossistema atual. Uma alternativa é impor regulamentos que restrinjam certas práticas da empresa, como os seus acordos exclusivos com a Apple ou o seu favoritismo em relação aos seus próprios serviços no Android. Embora isso já tenha sido tentado na Europa sem grande sucesso.
Poderiam também ser implementadas medidas para aumentar a transparência no algoritmo de pesquisa e nos preços da publicidade digital.
Outra opção seria forçar o Google a licenciar o seu índice de pesquisa aos concorrentes. Isto permitiria que as empresas mais pequenas acedessem à enorme infraestrutura de dados que a Google construiu, nivelando o campo de atuação sem ter de dividir a empresa.
Se o Google for desmembrado, o efeito mais imediato será um ecossistema digital mais diversificado. Os consumidores podem beneficiar do aumento da concorrência, o que se pode traduzir em melhores serviços e em escolhas de privacidade mais éticas. No entanto, também existiria um risco considerável: a fragmentação poderia levar a uma experiência de utilizador menos integrada, algo que a Google aperfeiçoou durante anos.
Para as empresas, especialmente as pequenas e médias, uma divisão da Google pode significar menores custos com publicidade e uma oportunidade de competir em mercados anteriormente dominados pela empresa. No entanto, a incerteza sobre a transição e as novas regras do jogo pode ser um desafio para o setor digital como um todo.
O processo contra a Google representa um desafio não só para a empresa, mas para todo o ecossistema digital. Se forem implementadas medidas drásticas, poderemos assistir ao surgimento de um mercado mais equilibrado e justo, mas também a um período de adaptação repleto de desafios.
Em última análise, a decisão irá mudar não só o futuro da Google, mas também o futuro da internet como a conhecemos. Estamos prontos para um novo equilíbrio digital? Ou surgirá um vazio após duas décadas de hegemonia da Google?