Dias de Batávia (2)

Um dos aspectos mais interessantes da Indonésia é a sua multiplicidade étnica, cultural e religiosa. As ilhas, a dispersão entre estas, as barreiras montanhosas e as distâncias entre comunidades do litoral e do interior terão contribuído para que cada uma daquelas mantivesse as suas características. A extensão do território faz com que tenha fronteiras terrestres com três países – Timor-Leste, Papua-Nova Guiné e Malásia, na ilha de Bornéu, onde está a ser construída a nova capital, Nusantara. Ocupará uma área de 256.000 hectares, na região de Kalimantan Oriental, no estreito de Macáçar (ou, para alguns, Makassar), no lado oposto das ilhas Celebes, fazendo a ligação entre o mar de Java e o mar das Celebes. Cinco das maiores ilhas do mundo – Nova Guiné, Bornéo, Sumatra, Sulawesi e Java — ficam na Indonésia. As suas fronteiras marítimas fazem a ligação entre o Índico e o Pacífico, e são com as Filipinas, com Singapura, no estreito de Malaca, com a Malásia, com as ilhas indianas de Andamão e Nicobar, com a Austrália e com Palau. Percorrer o país de lés-a-lés significa atravessar três fusos horários e mais de 5.000 Km. A distância entre Jakarta e Jayapura, na província de Papua, são 3.753 Km, que representam mais de 5 horas de voo. É mais longe do que ir de Lisboa a Istambul. Por aqui se vê a extensão do país e do seu mar. As dificuldades que comporta a administração de um território tão vasto será uma das explicações, creio, para a sua diversidade populacional e manutenção das identidades locais. Esta dimensão e a referida multiplicidade reflecte-se na existência de sete principais grupos étnicos, sendo o maior o dos javaneses que grosso modo constituem 1/3 da população. Mas também temos malaios, sundaneses, madureses, indonésios de origem e com fortes laços à China, compondo cerca de 4% da população, e muitos outros grupos de menor dimensão, num total de mais de trezentas etnias e sete centenas de línguas e dialectos. A língua indonésia deriva do malaio, apresentando inúmeros traços de ligações ao português, presentes em numerosas palavras (bendera de bandeira, gerja de igreja, sekolah de escola, minggu de domingo, etc.), ao holandês, ao inglês e ao árabe. Com a chegada de Vasco da Gama à Índia, os navegadores portugueses continuaram para leste, em busca da canela de Ceilão, da pimenta de Sumatra e de Java, da noz-moscada e do cravinho que encontraram em Ambon. Em 1522 foi assinado o Tratado de Sunda (Sunda Kalapa) entre Portugal e o Reino de Sonda, visando a construção de um forte a sua instalação. De acordo com a versão do historiador belga David Van Reybrouck, que escreve e publica em holandês e inglês, por volta de 1525 os portugueses já tinham criado a sua rede comercial, com bases em Ormuz, em Goa, em Colombo e em Malaca, de onde chegaram às Molucas. Aqui ergueram um forte, o primeiro de características ocidentais no que viria a ser o solo indonésio (cfr. Revolusi – Indonesia and the birth of Modern World, p. 26). O referido historiador assinala que o navegador Cornelius de Houtman, de Gouda, foi o primeiro holandês a seguir a rota de Vasco da Gama chegando à costa de Java em 1596, com mapas e informação furtados no porto de Lisboa, estabelecendo-se depois em Bali, durante dois anos, onde deixou, à semelhança dos portugueses noutros locais, um rasto de destruição. Seguiram-se várias expedições, a partir de 1588, assinalando-se que os navegadores que vinham de Zealand e da Holanda não chegavam em nome de nenhum rei, visto que os Países Baixos foram o primeiro país da Europa a assumir forma republicana, não sob a forma tradicional do Estado moderno, mas numa espécie de confederação que englobava sete províncias ou estados autónomos. A presença portuguesa está, aliás, bem presente, no Museu de História de Jacarta, erigido na antiga cidade de Batávia, no velho palácio do Governador holandês, onde fui buscar o nome para estas breves crónicas. Ali está o padrão, ou a sua réplica, não consegui esclarecer este ponto, que assinala a assinatura do Tratado de Sunda. E uma referência aos portugueses que vieram de Malaca. Entre 1600 e 1942, as ilhas estiveram sob ocupação holandesa, a que seguiram entre 1942 e 1945, três anos e meio de ocupação japonesa. Estas diferentes vertentes encontram depois reflexo no panorama religioso que, nalguns casos, tem sido fonte de vários conflitos, alguns bastante graves e com contornos terroristas. Muitos ainda estarão recordados dos atentados de Bali, em 2002, que fizeram mais de duas centenas de vítimas, na sua maioria ocidentais que ali viviam ou estavam de férias, e do atentado de 14 de Janeiro de 2016, na zona central da capital, por um grupo extremista muçulmano, nas proximidades de hotéis, de embaixadas e de um escritório das Nações Unidas, atingindo estabelecimentos das cadeias Burger King e Starbucks. Jacarta tem numerosas mesquitas, havendo a curiosidade da mais importante estar situada mesmo defronte da Catedral de Jacarta, do outro lado da rua, sinal da convivência

Mai 6, 2025 - 17:58
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Dias de Batávia (2)

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Um dos aspectos mais interessantes da Indonésia é a sua multiplicidade étnica, cultural e religiosa. As ilhas, a dispersão entre estas, as barreiras montanhosas e as distâncias entre comunidades do litoral e do interior terão contribuído para que cada uma daquelas mantivesse as suas características.

A extensão do território faz com que tenha fronteiras terrestres com três países – Timor-Leste, Papua-Nova Guiné e Malásia, na ilha de Bornéu, onde está a ser construída a nova capital, Nusantara. Ocupará uma área de 256.000 hectares, na região de Kalimantan Oriental, no estreito de Macáçar (ou, para alguns, Makassar), no lado oposto das ilhas Celebes, fazendo a ligação entre o mar de Java e o mar das Celebes.

Cinco das maiores ilhas do mundo – Nova Guiné, Bornéo, Sumatra, Sulawesi e Java — ficam na Indonésia. As suas fronteiras marítimas fazem a ligação entre o Índico e o Pacífico, e são com as Filipinas, com Singapura, no estreito de Malaca, com a Malásia, com as ilhas indianas de Andamão e Nicobar, com a Austrália e com Palau. Percorrer o país de lés-a-lés significa atravessar três fusos horários e mais de 5.000 Km. A distância entre Jakarta e Jayapura, na província de Papua, são 3.753 Km, que representam mais de 5 horas de voo. É mais longe do que ir de Lisboa a Istambul.

Por aqui se vê a extensão do país e do seu mar. As dificuldades que comporta a administração de um território tão vasto será uma das explicações, creio, para a sua diversidade populacional e manutenção das identidades locais.

Esta dimensão e a referida multiplicidade reflecte-se na existência de sete principais grupos étnicos, sendo o maior o dos javaneses que grosso modo constituem 1/3 da população. Mas também temos malaios, sundaneses, madureses, indonésios de origem e com fortes laços à China, compondo cerca de 4% da população, e muitos outros grupos de menor dimensão, num total de mais de trezentas etnias e sete centenas de línguas e dialectos.

A língua indonésia deriva do malaio, apresentando inúmeros traços de ligações ao português, presentes em numerosas palavras (bendera de bandeira, gerja de igreja, sekolah de escola, minggu de domingo, etc.), ao holandês, ao inglês e ao árabe.

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Com a chegada de Vasco da Gama à Índia, os navegadores portugueses continuaram para leste, em busca da canela de Ceilão, da pimenta de Sumatra e de Java, da noz-moscada e do cravinho que encontraram em Ambon.

Em 1522 foi assinado o Tratado de Sunda (Sunda Kalapa) entre Portugal e o Reino de Sonda, visando a construção de um forte a sua instalação. De acordo com a versão do historiador belga David Van Reybrouck, que escreve e publica em holandês e inglês, por volta de 1525 os portugueses já tinham criado a sua rede comercial, com bases em Ormuz, em Goa, em Colombo e em Malaca, de onde chegaram às Molucas.

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Aqui ergueram um forte, o primeiro de características ocidentais no que viria a ser o solo indonésio (cfr. Revolusi – Indonesia and the birth of Modern World, p. 26).

O referido historiador assinala que o navegador Cornelius de Houtman, de Gouda, foi o primeiro holandês a seguir a rota de Vasco da Gama chegando à costa de Java em 1596, com mapas e informação furtados no porto de Lisboa, estabelecendo-se depois em Bali, durante dois anos, onde deixou, à semelhança dos portugueses noutros locais, um rasto de destruição.

Seguiram-se várias expedições, a partir de 1588, assinalando-se que os navegadores que vinham de Zealand e da Holanda não chegavam em nome de nenhum rei, visto que os Países Baixos foram o primeiro país da Europa a assumir forma republicana, não sob a forma tradicional do Estado moderno, mas numa espécie de confederação que englobava sete províncias ou estados autónomos.

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A presença portuguesa está, aliás, bem presente, no Museu de História de Jacarta, erigido na antiga cidade de Batávia, no velho palácio do Governador holandês, onde fui buscar o nome para estas breves crónicas.

Ali está o padrão, ou a sua réplica, não consegui esclarecer este ponto, que assinala a assinatura do Tratado de Sunda. E uma referência aos portugueses que vieram de Malaca.

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Entre 1600 e 1942, as ilhas estiveram sob ocupação holandesa, a que seguiram entre 1942 e 1945, três anos e meio de ocupação japonesa.

Estas diferentes vertentes encontram depois reflexo no panorama religioso que, nalguns casos, tem sido fonte de vários conflitos, alguns bastante graves e com contornos terroristas.

Muitos ainda estarão recordados dos atentados de Bali, em 2002, que fizeram mais de duas centenas de vítimas, na sua maioria ocidentais que ali viviam ou estavam de férias, e do atentado de 14 de Janeiro de 2016, na zona central da capital, por um grupo extremista muçulmano, nas proximidades de hotéis, de embaixadas e de um escritório das Nações Unidas, atingindo estabelecimentos das cadeias Burger King e Starbucks.

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Jacarta tem numerosas mesquitas, havendo a curiosidade da mais importante estar situada mesmo defronte da Catedral de Jacarta, do outro lado da rua, sinal da convivência e do respeito mútuo.

Foi ali que em Setembro do ano passado esteve o falecido Papa Francisco, que ao sair da Catedral percorreu o túnel que liga os dois templos para assinar com o Grão Imame Nazaruddin Umar uma declaração conjunta.

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A Catedral de Santa Maria da Assunção, em estilo neo-gótico, tem uma zona exterior que abrange um estabelecimento de comidas, um pequeno museu, no qual se conta a história da sua construção e da implantação do cristianismo, se recordam muitos misionários e se guardam diversos documentos, paramentos, alguns objectos de arte sacra, as cadeiras usadas por João Paulo II e Francisco, talvez em condições de conservação que não serão as ideiais.

No exterior, fazendo a ligação entre o museu e a igreja, um pequeno pátio com esculturas regionais, um jardim com boas sombras e rodeado de vegetação, uma constante na Indonésia, junto a uma rocha onde sobressai um nicho onde se encontra uma imagem de Nossa Senhora, sempre enfeitada com flores.

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Aproveitei para me sentar nesse espaço. Aí me refresquei, fiz contas à vida, planeei os passos seguintes.

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Dei graças a esse Deus que não conheço e que sempre se ausenta nas horas de violência e perdição humana, deixando as almas e os mais fracos entregues à sua sorte, mas que me tem proporcionado horas incontáveis de viagem, o gosto de encontrar outros como nós, e de ver com os meus olhos e todos os meus sentidos o que ainda resta de tão belo e que, felizmente, o homem ainda não foi capaz de destruir.

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