Balanço: Savatage rouba a cena e Judas Priest dá (mais uma) aula de heavy metal no Monsters of Rock 2025
Stratovarius abriu com o gás, Opeth surpreendeu, Queensrÿche entregou com classe, Savatage emocionou, Europe animou, Judas foi gigante, e o Scorpions encerrou com dignidade.

texto de Paulo Pontes
fotos de Douglas Mosh
Quando o line-up da edição especial de 30 anos do Monsters of Rock foi anunciado, grande parte da comoção se deu não pelo headliner. Até porque, um ano antes, no mesmo festival, o Scorpions havia tocado antes do Kiss – a principal atração daquela edição. Então, o anúncio de que os alemães seriam os responsáveis por fechar a edição de 2025 não chegou a surpreender nem empolgar.
Claro que a presença do Judas Priest, que lançou “Invincible Shield” em 2024, um dos melhores discos da banda em muito tempo, fez barulho. Mas a real comoção veio mesmo do nome que apareceu ali no meio do cartaz: Savatage. E dava pra perceber isso ainda do lado de fora do Allianz Parque, com inúmeros fãs vestindo camisetas da banda. Não era à toa. O Brasil foi escolhido como palco da primeira apresentação do Savatage em mais de dez anos – mesmo sem Jon Oliva, afastado por questões de saúde. A expectativa estava nas alturas. E, como você vai ler logo mais, foi tudo aquilo que a gente imaginava… e mais. Mas antes de chegar lá, bora voltar pro começo.
Às 11h30 em ponto, os finlandeses do Stratovarius subiram ao palco e mostraram que, mesmo sendo a primeira atração do dia, estavam ali pra incendiar o Allianz. A plateia, que ainda estava chegando ao estádio, foi recebida com um set list direto, recheado de clássicos que fizeram qualquer fã de power metal sorrir com orgulho.
Teve “Eagleheart”, “Hunting High and Low”, “Paradise”, “Speed of Light”, “Forever Free”, “Black Diamond”… e também espaço para faixas mais recentes como “World on Fire” e “Survive”, provando que a banda ainda tem lenha pra queimar. O som não estava perfeito – o teclado de Jens Johansson sofreu com problemas na mixagem em alguns trechos –, mas o carisma e a performance energética compensaram. Timo Kotipelto continua um frontman de respeito. Canta com clareza, atinge as notas altas com força e segura a galera no carisma. O público, mesmo no calor do meio-dia, respondeu com empolgação. Foi um início mais do que digno para uma maratona sonora que só ia melhorar.
Na sequência, o Opeth trouxe sua densidade e seu metal progressivo sombrio pro festival – e aí o clima deu uma guinada. O vocalista Mikael Åkerfeldt é um mestre do sarcasmo e da precisão. O set contou com faixas como “Ghost of Perdition”, “Master’s Apprentices”, “Deliverance” e “Sorceress”, explorando as várias camadas sonoras da banda, do mais extremo ao mais melódico. Na “balada” “In My Time of Need”, Mikael foi corajoso ao deixar a galera cantar um trecho da música, e obteve sucesso.
Tecnicamente, foi um show impecável. Mas, sejamos honestos: o Opeth não é exatamente a banda ideal para o sol de São Paulo, às 13h, num festival mais voltado pro heavy/hard clássico. Houve momentos em que a plateia parecia mais contemplativa do que empolgada, o que é natural com uma banda de proposta tão diferente. Ainda assim, quem entrou na vibe, viveu uma verdadeira imersão.
O Queensrÿche veio logo depois, e aí a energia voltou a subir. A banda, que vive uma ótima fase com Todd La Torre nos vocais, entregou um set poderoso e bem amarrado, equilibrando técnica e emoção. Clássicos como “Queen of the Reich”, “Take Hold of the Flame” e “Eyes of a Stranger” levantaram a galera, enquanto “Warning” e “Operation: Mindcrime” fizeram os fãs mais devotos vibrarem como se estivessem nos anos 80. Todd está cada vez mais confortável no papel de vocalista principal, e a banda soa coesa, pesada, viva. Foi aquele tipo de show que não precisa de pirotecnia nem de firula: bastou música bem tocada, com feeling e entrega. O Queensrÿche saiu ovacionado e provou, mais uma vez, que merece respeito – muito respeito.
Aí, sim, veio ele. Talvez o nome mais esperado do dia. O Savatage subiu ao palco (com poucos minutos de atraso, já que um rolo de cabo decidiu cair no palco – literalmente – pouco antes de eles subirem A equipe rapidamente deu um jeito, apesar de o tal do cabo ter ficado pendurado em frente ao telão ao fundo do palco) pra sua primeira apresentação em uma década. E o que aconteceu a seguir foi mágico. Desde os primeiros acordes de “The Ocean” e “Welcome”, a sensação era de que estávamos presenciando um daqueles momentos raros em festivais: uma banda voltando com tudo, diante de um público que precisava viver aquilo.
Zak Stevens – um dos maiores vocalistas da história da música pesada – conduziu o show com potência e emoção. Em faixas como “Edge of Thorns” (na qual o frontman chutou algumas bolas autografadas pra plateia – e que teve invasão de fã ao palco durante o solo), “Chance”, “Gutter Ballet” e “Hall of the Mountain King”, o público foi à loucura. Os duetos de guitarra entre Chris Caffery e Al Pitrelli foram um espetáculo à parte.
Não teve Jon Oliva no palco, mas teve no telão, em um momento emocionante com a participação do músico por um vídeo pré-gravado. Foda. O Savatage foi, sem dúvida, um dos pontos mais altos do evento. Um show pra guardar na memória – e, se depender da reação do público, pra que a banda pense seriamente em continuar essa volta.
Na difícil missão de manter o nível depois do furacão emocional do Savatage, o Europe fez bonito. Joey Tempest, carismático e incansável, comandou a plateia (ainda que tenha sofrido com o microfone no início da apresentação). A banda entregou um show enérgico, com pegada e sem depender apenas do hit eterno. Teve “Rock the Night”, “Carrie”, “Superstitious”, “Cherokee”, “Hold Your Head Up” e, claro, “The Final Countdown” fechando a apresentação com todo mundo pulando e cantando em coro. Foi aquele momento leve, divertido, alto-astral, ideal pra dar uma balanceada na intensidade do set anterior.
O Europe não inventou moda, mas entregou um show redondo, nostálgico e com gosto de festa. E, sim, eles ainda soam muito bem ao vivo. Além disso, não têm medo de incluir no set músicas mais “recentes”, como “Walk the Earth” e “Last Look At Eden”. Joey Tempest soltou vários “caralho” em bom português durante o show, mostrando que estava extremamente feliz com a receptividade. Uma ótima apresentação de uma banda que vai muito além do seu grande hit.
Com quinze minutos de antecedência, frente ao horário previsto, e já com a chuva tomando conta do Allianz (ela foi e voltou durante todo o show), o Judas Priest subiu ao palco e, logo nos primeiros acordes de “Panic Attack”, faixa do álbum novo “Invincible Shield”, mostrou por que é considerada uma das maiores entidades do heavy metal. Rob Halford, aos 73 anos, provou mais uma vez que é o Metal God. Sua presença é hipnótica e seu vocal continua insano nos momentos certos.
A banda desfilou clássicos como You’ve Got Another Thing Comin’”, “Breaking the Law”, “Sinner”, “Turbo Lover”, “Painkiller”, “Electric Eye”, além das novas “Crown of Horns” e “Invincible Shield”. O encerramento veio com “Living After Midnight” (e se o festival tivesse parado por ali, acho que pouca gente ia reclamar, viu?! Tanto é que algumas pessoas deixaram o Allianz logo após o show do Judas). Foi uma performance impecável, pesada e com (de longe) a melhor qualidade sonora do festival.
Os alemães do Scorpions fecharam a noite com um show competente, embora previsível. A banda ainda está em boa forma, com Klaus Meine segurando as pontas nos vocais, mas com um cansaço bem perceptível. Matthias Jabs e Rudolf Schenker (mais contido que o habitual – a chuva castigou o palco, e na idade dos músicos, não dá pra ficar correndo pra lá e pra cá com chão molhado, né?) continuam afiadíssimos nas guitarras, e Mikkey Dee é um monstro.
O set foi recheado de hits: “The Zoo”, “Send Me an Angel”, “Winds of Change”, “Big City Nights”, “Loving You Sunday Morning”, “Blackout”, “Still Loving You” (que a banda não tocou dias antes no Arena Rock, em Brasília), e claro, “Rock You Like a Hurricane”. Apesar de não ter o impacto das apresentações anteriores, o Scorpions entregou um show à altura do evento e fechou a noite com classe.
Resumo? O Monsters of Rock 2025 foi um daqueles festivais pra guardar na memória. Com um line-up equilibrado, que respeitou a tradição do evento, o evento ainda teve um momento histórico com o retorno do Savatage. Stratovarius abriu com o gás que a gente precisava, Opeth surpreendeu, Queensrÿche entregou com classe, Savatage emocionou, Europe animou, Judas foi gigante, e o Scorpions encerrou com dignidade. Que venha a próxima edição.
– Paulo Pontes é colaborador do Whiplash e escreve de rock, hard rock e metal no Scream & Yell. É autor do livro “A Arte de Narrar Vidas: histórias além dos biografados“.
– Douglas Mosh é fotógrafo de shows e produtor. Conheça seu trabalho em instagram.com/dougmosh.prod