Análise: Best Served Cold guarda mistérios tão interessantes quanto frustrantes

1927, Tsara. Mesmo com a Lei Seca em pleno vigor, um botequim clandestino ainda assim teima em abrir no porão de uma livraria. A clientela é diversa: filhinhos de mamãe da alta sociedade, moças honestas da classe trabalhadora, criminosos notórios, padres deprimidos. Todos são suspeitos e/ou testemunhas do assassinato de uma jovem apostadora em um bar vizinho; por isso, um policial local, em vez de denunciar este estabelecimento a seus superiores, resolve utilizar o barman como assistente na investigação do crime. É assim que começa Best Served Cold, mais uma entrada no célebre gênero de simuladores de bar. Separado em cinco casos diferentes, o título coloca jogadores para servirem álcool a uma série de possíveis malfeitores, a fim de descobrir a verdade de cada incidente. Gerenciar o humor, afeição e nível de embriaguez dos clientes é fundamental para extrair depoimentos, confissões e fofocas. Boas-vindas a BukovieO palco principal de nossa história é situado no continente de Callisto, que nada mais é do que uma versão fictícia da Europa. Os países têm nomes vagamente familiares — Belgia, Rusalka, Scotia — que correspondem aos equivalentes implícitos, mais ou menos. Na cidade de Bukovie, lar do bar Nightcap, os fantasmas da desigualdade social e da guerra iminente com os vizinhos assombram cada viela. A atmosfera opressiva dessa realidade se presta a ótimos mistérios. Todos os casos são relativamente simples em comparação com os truques mais elaborados vistos em outros jogos do gênero, mas não deixam de cativar a imaginação e utilizar bem o pano de fundo e preconceitos dos personagens — e até mesmo, por vezes, do próprio jogador.Falando do elenco, o que mais impressiona é o realismo com o qual cada pessoa de interesse é escrita. Ao longo de vários meses e novos incidentes, os afetados por cada crime mudam significativamente de acordo com os eventos que se desenrolam. A mocinha que perdeu uma grande amiga não fica para sempre congelada no estado inicial de luto, mas também não deixa de guardar a memória da companheira no coração, por exemplo. Também é notável a visão particular que o game tem daquela tal instituição que governa o gênero mistério: a polícia, aqui tratada com uma mistura intrigante de cinismo e esperança. A discussão que Best Served Cold se presta a conduzir é complexa, considerada sob uma série de ângulos, e constitui o maior ponto de interesse para que o jogo se torne uma experiência que valha a pena. Espere ver suas crenças sendo dissecadas, questionadas e ampliadas.Comandante, capitão, tio, brother, camarada…Como simulador de bar, o que diferencia Best Served Cold de seus colegas — um Tavern Talk ou The Red Strings Club da vida — é a necessidade de estar sempre monitorando uma série de indicadores particulares a cada cliente. Para termos uma chance de conseguir aquela informação que resolverá o caso inteiro, precisamos ficar de olho no humor, embriaguez e afeição de cada um.Todas essas medidas podem ser ajustadas ao servirmos um drinque. Um por vez, produzido ao jogarmos o minigame mais sem graça de todos os tempos várias e várias vezes (pelo menos temos alguns padrões diferentes). Se você errar a mão ou descobrir depois que deveria ter dado mais ou menos álcool àquela pessoa, vai ter de esperar a próxima vez que a criatura decidir agraciar seu estabelecimento. Pior ainda se precisava de alguma pista sob condições específicas. Perdeu, playboy. Essa necessidade de precisão constante detona o ritmo da história — pode ser que o caso fique parado por dias pela falta daquele fatídico pedacinho de texto. Pior ainda é quando você claramente tem a solução, mas o jogo se recusa a dar o braço a torcer. Quando não estamos ouvindo o que a clientela tem a dizer, estamos usando nosso raciocínio lógico e dedutivo para conectar as pistas recebidas, no melhor estilo detetive: um belo quadro de cortiça com fios de novelo vermelhos. Ligue duas informações e consiga uma terceira: simples, não? Frequentemente, contudo, damos de cara com a frustração de saber que A e B deveriam, em um mundo que funcione, resultar em C, mas não resultam, pelo único e inegável fato de que o jogo é teimoso pra caramba e exige que você combine A e D se quiser C, nada mais além. Pelo menos ainda conseguimos prosseguir na história se não tivermos todas as pistas que afirmam a culpa do criminoso-mor, mas aquela marquinha de “não resolvido” quando a solução é óbvia e já foi até descoberta pelo jogador, mas não pelo jogo, não deixa de doer na alma.  A mecânica de pistas em si também não é lá muito bem pensada: é muito comum que duas informações tenham, no máximo, uma diferença de semântica, mas apresentar uma ao Sr. Fulano resolve todo o resto do caso e a outra faz com que ele só diga “ah, é mesmo?”. Caso apresentadas fora de ordem, o Sr. em questão fingirá que não faz a mínima ideia de que a Srta. Sicrana está roubando dinheiro dele — não importa se você tiver acabado de divulgar essa fofoca. A falta de um sistema de bandeiras internas

Mai 6, 2025 - 20:20
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Análise: Best Served Cold guarda mistérios tão interessantes quanto frustrantes

1927, Tsara. Mesmo com a Lei Seca em pleno vigor, um botequim clandestino ainda assim teima em abrir no porão de uma livraria. A clientela é diversa: filhinhos de mamãe da alta sociedade, moças honestas da classe trabalhadora, criminosos notórios, padres deprimidos. Todos são suspeitos e/ou testemunhas do assassinato de uma jovem apostadora em um bar vizinho; por isso, um policial local, em vez de denunciar este estabelecimento a seus superiores, resolve utilizar o barman como assistente na investigação do crime.

É assim que começa Best Served Cold, mais uma entrada no célebre gênero de simuladores de bar. Separado em cinco casos diferentes, o título coloca jogadores para servirem álcool a uma série de possíveis malfeitores, a fim de descobrir a verdade de cada incidente. Gerenciar o humor, afeição e nível de embriaguez dos clientes é fundamental para extrair depoimentos, confissões e fofocas. 

Boas-vindas a Bukovie

O palco principal de nossa história é situado no continente de Callisto, que nada mais é do que uma versão fictícia da Europa. Os países têm nomes vagamente familiares — Belgia, Rusalka, Scotia — que correspondem aos equivalentes implícitos, mais ou menos. Na cidade de Bukovie, lar do bar Nightcap, os fantasmas da desigualdade social e da guerra iminente com os vizinhos assombram cada viela. 

A atmosfera opressiva dessa realidade se presta a ótimos mistérios. Todos os casos são relativamente simples em comparação com os truques mais elaborados vistos em outros jogos do gênero, mas não deixam de cativar a imaginação e utilizar bem o pano de fundo e preconceitos dos personagens — e até mesmo, por vezes, do próprio jogador.

Falando do elenco, o que mais impressiona é o realismo com o qual cada pessoa de interesse é escrita. Ao longo de vários meses e novos incidentes, os afetados por cada crime mudam significativamente de acordo com os eventos que se desenrolam. A mocinha que perdeu uma grande amiga não fica para sempre congelada no estado inicial de luto, mas também não deixa de guardar a memória da companheira no coração, por exemplo. 

Também é notável a visão particular que o game tem daquela tal instituição que governa o gênero mistério: a polícia, aqui tratada com uma mistura intrigante de cinismo e esperança. A discussão que Best Served Cold se presta a conduzir é complexa, considerada sob uma série de ângulos, e constitui o maior ponto de interesse para que o jogo se torne uma experiência que valha a pena. Espere ver suas crenças sendo dissecadas, questionadas e ampliadas.

Comandante, capitão, tio, brother, camarada…

Como simulador de bar, o que diferencia Best Served Cold de seus colegas — um Tavern Talk ou The Red Strings Club da vida — é a necessidade de estar sempre monitorando uma série de indicadores particulares a cada cliente. Para termos uma chance de conseguir aquela informação que resolverá o caso inteiro, precisamos ficar de olho no humor, embriaguez e afeição de cada um.

Todas essas medidas podem ser ajustadas ao servirmos um drinque. Um por vez, produzido ao jogarmos o minigame mais sem graça de todos os tempos várias e várias vezes (pelo menos temos alguns padrões diferentes). Se você errar a mão ou descobrir depois que deveria ter dado mais ou menos álcool àquela pessoa, vai ter de esperar a próxima vez que a criatura decidir agraciar seu estabelecimento. Pior ainda se precisava de alguma pista sob condições específicas. Perdeu, playboy. 

Essa necessidade de precisão constante detona o ritmo da história — pode ser que o caso fique parado por dias pela falta daquele fatídico pedacinho de texto. Pior ainda é quando você claramente tem a solução, mas o jogo se recusa a dar o braço a torcer. Quando não estamos ouvindo o que a clientela tem a dizer, estamos usando nosso raciocínio lógico e dedutivo para conectar as pistas recebidas, no melhor estilo detetive: um belo quadro de cortiça com fios de novelo vermelhos. 

Ligue duas informações e consiga uma terceira: simples, não? Frequentemente, contudo, damos de cara com a frustração de saber que A e B deveriam, em um mundo que funcione, resultar em C, mas não resultam, pelo único e inegável fato de que o jogo é teimoso pra caramba e exige que você combine A e D se quiser C, nada mais além. 

Pelo menos ainda conseguimos prosseguir na história se não tivermos todas as pistas que afirmam a culpa do criminoso-mor, mas aquela marquinha de “não resolvido” quando a solução é óbvia e já foi até descoberta pelo jogador, mas não pelo jogo, não deixa de doer na alma.  

A mecânica de pistas em si também não é lá muito bem pensada: é muito comum que duas informações tenham, no máximo, uma diferença de semântica, mas apresentar uma ao Sr. Fulano resolve todo o resto do caso e a outra faz com que ele só diga “ah, é mesmo?”. Caso apresentadas fora de ordem, o Sr. em questão fingirá que não faz a mínima ideia de que a Srta. Sicrana está roubando dinheiro dele — não importa se você tiver acabado de divulgar essa fofoca. A falta de um sistema de bandeiras internas mais robusto tira toda a naturalidade do processo. 

O coquetel é uma bebida que se toma fria

Best Served Cold tem seus méritos como história, mas sua gameplay mal construída impede que o título passe de uma mera curiosidade. Mais tempo na geladeira teria feito esses bons drinques descerem trincando — o produto final, todavia, destaca mais suas falhas do que qualquer outra coisa. 

Prós

  • Mistérios interessantes, inteligentemente escritos;
  • Personagens robustos e realistas;
  • Apresenta bons contrapontos a clássicos do gênero mistério.

Contras

  • História por vezes tem ritmo glacial;
  • Fazer coquetéis se resume a um minigame tedioso;
  • Sistema de pistas pouco intuitivo;
  • Falta de continuidade em algumas cadeias de diálogo.

Best Served Cold — PC — Nota: 6.0

Revisão: Heloísa D'Assumpção Ballaminut
Análise produzida com cópia digital cedida pela Rogueside

Best Served Cold 6.0 PC Best Served Cold has its merits as a story, but its poorly built gameplay keeps the title from being more than a mere curiosity. More time in the fridge would have made these fine drinks ice-cold — the final product, however, highlights its flaws more than anything else.