«Sou apenas um passo»
Ainda ontem, no balcão de São Pedro, o ouvimos desejar «boa Páscoa» aos fiéis da cidade de Roma e ao mundo. Já com a voz muito enfraquecida mas mantendo o ar bondoso que lhe conhecemos desde que, ali mesmo, pronunciou há 12 anos as primeiras palavras como pastor universal da Igreja Católica. A um marco histórico - a primeira renúncia de um Pontífice máximo em mais de meio milénio - sucedia outro: o primeiro não-europeu em 1200 anos, o primeiro oriundo do continente americano, filho de imigrantes italianos radicados na Argentina. Cardeal de Buenos Aires, vivia num modesto apartamento, deslocava-se em transportes públicos, cozinhava as suas próprias refeições. Encorajava os jovens a descobrir Cristo entre os pobres. Francisco - que escolheu chamar-se assim em homenagem explícita ao santo de Assis - foi uma extraordinária figura à escala global. Daí a notícia da sua morte, ao início da manhã de hoje, ter mergulhado grande parte do mundo em profunda tristeza. O mundo católico, sim. Mas a dor é partilhada por muita gente de outras confissões e até por pessoas que não professam religião alguma. Ecoando o brado que Francisco soltou em Lisboa, na memorável Jornada Mundial da Juventude, em Agosto de 2023: «Todos, todos, todos!» A voz de uma Igreja que não exclui. A voz de uma Igreja que não prega no deserto, mas no coração das urbes contemporâneas, atenta aos pecados perpetuados por incontáveis gerações. Como ensina frei Bento Domingues, «uma Igreja só pode ser católica, isto é, universal, quando é uma escola de aprender a servir, sem olhar a quem». Servir as pessoas, não ideologias, como Francisco acentuou na sua peregrinação de 2017 a Cuba. No próprio dia em que foi eleito, a 13 de Março de 2013, anotei aqui: «Também ele apareceu com ar despojado, fraterno, repassado de fragilidade humana. De braços caídos, sem pedir aplausos, com um sorriso tímido, parecia querer dizer aos mil e trezentos milhões de crentes que o reconhecem a partir de hoje como dirigente espiritual que está disposto a aceitar este imenso desafio que o destino lhe proporciona embora não se sinta verdadeiramente digno dele.» Nunca perdeu o sorriso tímido, jamais se deslumbrou com as ilusórias luzes do poder terreno. «Sou apenas um passo», insistia em dizer. Sem humildade existencial ninguém é verdadeiro discípulo de Jesus. Nos doze anos do seu pontificado, revelou-se mais inspirador do que qualquer líder político do nosso tempo. Com a palavra e o exemplo, tornou-se «pároco do mundo», na feliz definição da revista italiana Panorama. «Regressa à Casa do Pai» - terminologia oficial hoje usada na Santa Sé - neste momento em que tanto precisávamos dele, neste momento em que a Igreja tanto necessita de um sucessor à altura do seu legado - o do retorno à pureza da mensagem evangélica, contrariando a volúpia da guerra e a cupidez da plutocracia. «O mundo de Francisco acabou. O todos, todos, todos deu lugar a um mundo assente no tudo, tudo, tudo», lamentava há menos de um mês Jorge Botelho Moniz num amargurado texto de reflexão no Público. Deus queira que não.

Ainda ontem, no balcão de São Pedro, o ouvimos desejar «boa Páscoa» aos fiéis da cidade de Roma e ao mundo. Já com a voz muito enfraquecida mas mantendo o ar bondoso que lhe conhecemos desde que, ali mesmo, pronunciou há 12 anos as primeiras palavras como pastor universal da Igreja Católica.
A um marco histórico - a primeira renúncia de um Pontífice máximo em mais de meio milénio - sucedia outro: o primeiro não-europeu em 1200 anos, o primeiro oriundo do continente americano, filho de imigrantes italianos radicados na Argentina. Cardeal de Buenos Aires, vivia num modesto apartamento, deslocava-se em transportes públicos, cozinhava as suas próprias refeições.
Encorajava os jovens a descobrir Cristo entre os pobres.
Francisco - que escolheu chamar-se assim em homenagem explícita ao santo de Assis - foi uma extraordinária figura à escala global. Daí a notícia da sua morte, ao início da manhã de hoje, ter mergulhado grande parte do mundo em profunda tristeza. O mundo católico, sim. Mas a dor é partilhada por muita gente de outras confissões e até por pessoas que não professam religião alguma. Ecoando o brado que Francisco soltou em Lisboa, na memorável Jornada Mundial da Juventude, em Agosto de 2023: «Todos, todos, todos!»
A voz de uma Igreja que não exclui. A voz de uma Igreja que não prega no deserto, mas no coração das urbes contemporâneas, atenta aos pecados perpetuados por incontáveis gerações. Como ensina frei Bento Domingues, «uma Igreja só pode ser católica, isto é, universal, quando é uma escola de aprender a servir, sem olhar a quem».
Servir as pessoas, não ideologias, como Francisco acentuou na sua peregrinação de 2017 a Cuba.
No próprio dia em que foi eleito, a 13 de Março de 2013, anotei aqui: «Também ele apareceu com ar despojado, fraterno, repassado de fragilidade humana. De braços caídos, sem pedir aplausos, com um sorriso tímido, parecia querer dizer aos mil e trezentos milhões de crentes que o reconhecem a partir de hoje como dirigente espiritual que está disposto a aceitar este imenso desafio que o destino lhe proporciona embora não se sinta verdadeiramente digno dele.»
Nunca perdeu o sorriso tímido, jamais se deslumbrou com as ilusórias luzes do poder terreno. «Sou apenas um passo», insistia em dizer. Sem humildade existencial ninguém é verdadeiro discípulo de Jesus.
Nos doze anos do seu pontificado, revelou-se mais inspirador do que qualquer líder político do nosso tempo. Com a palavra e o exemplo, tornou-se «pároco do mundo», na feliz definição da revista italiana Panorama.
«Regressa à Casa do Pai» - terminologia oficial hoje usada na Santa Sé - neste momento em que tanto precisávamos dele, neste momento em que a Igreja tanto necessita de um sucessor à altura do seu legado - o do retorno à pureza da mensagem evangélica, contrariando a volúpia da guerra e a cupidez da plutocracia.
«O mundo de Francisco acabou. O todos, todos, todos deu lugar a um mundo assente no tudo, tudo, tudo», lamentava há menos de um mês Jorge Botelho Moniz num amargurado texto de reflexão no Público.
Deus queira que não.