Portugal e os migrantes: as lições do Papa Francisco
Tal como nos Descobrimentos, o futuro de Portugal será escrito por quem tiver a coragem de navegar com outros, não contra eles.


Nos últimos dias, muito se tem refletido sobre o legado do Papa Francisco no que toca à defesa dos migrantes. Desde o início do seu papado, Francisco colocou os migrantes no centro da sua missão humanitária, recordando ao mundo que o acolhimento, a integração e o respeito pela dignidade humana são princípios basilares de uma sociedade justa e próspera.
Portugal, historicamente um país de emigrantes e, cada vez mais, de imigrantes, tem vivido uma transformação social acelerada nos últimos cinco anos. Dados recentes da Agência para a Imigração e Mobilidade (AIMA) e da Pordata revelam um aumento significativo da imigração, motivado pela procura de talento, rejuvenescimento demográfico e necessidades do mercado de trabalho.
Entre 2018 e 2023, o número de estrangeiros residentes duplicou, passando de cerca de 400 mil para mais de 780 mil pessoas, representando hoje 7,6% da população. Este é o maior valor da nossa história recente. Simultaneamente, estima-se que 1,4 milhões de portugueses vivem fora do país, uma diáspora vibrante, mas que evidencia o duplo desafio: atrair e reter talento.
Em 2022, pela primeira vez em mais de uma década, Portugal registou um saldo migratório positivo, refletindo uma nova oportunidade que não podemos desperdiçar. Porém, importa perguntar: estamos verdadeiramente a aplicar as lições que figuras como o Papa Francisco nos ensinaram? Como alguém que foi emigrante no Canadá e regressou a Portugal, posso testemunhar em primeira mão as dificuldades – práticas e emocionais – que acompanham o processo de adaptação.
Ser migrante é viver na pele a complexidade da mobilidade: a reconstrução de redes, a adaptação cultural, a luta pelo reconhecimento profissional e a constante necessidade de provar valor. Não basta abrir fronteiras; é essencial construir comunidades inclusivas e criar oportunidades reais para que todos possam contribuir.
Portugal tem, na sua história, provas inequívocas do poder da diversidade para o progresso. Na época dos Descobrimentos – muitas vezes considerada a era dourada do nosso país – Lisboa transformou-se num verdadeiro hub internacional de conhecimento, comércio e inovação. A nossa capacidade de acolher saberes e culturas distintas foi a chave para os feitos que ainda hoje celebramos. O que nos tornou grandes não foi o isolamento, mas a integração dos melhores talentos do mundo.
Hoje, enfrentamos um novo tipo de desafio global. A escassez de competências, o envelhecimento da população e a necessidade de inovação constante tornam a atração e retenção de migrantes qualificados não apenas desejável, mas absolutamente necessária para o nosso futuro económico. Os países que souberem acolher, integrar e valorizar os migrantes sairão mais fortes desta transição.
Portugal tem feito esforços importantes, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Políticas públicas de integração mais ambiciosas, reconhecimento mais rápido de qualificações estrangeiras, programas de aceleração de inclusão no mercado de trabalho, e uma narrativa pública que celebre a contribuição dos migrantes são cruciais para o nosso sucesso coletivo.
O Papa Francisco mostrou-nos o caminho ético. A nossa história mostra-nos o caminho estratégico. Cabe-nos agora a coragem de seguir ambos.