Papa Francisco não condenava o capitalismo, mas pedia distribuição de riqueza

O Papa Francisco — que morreu esta segunda-feira, 21 de abril, às 7h35 — deixou bem claro que não condenava o capitalismo, mas sempre apelou à distribuição de riqueza, apontando a especulação financeira como o maior problema da economia. “Enquanto o rendimento de uma minoria aumenta exponencialmente, o da maioria está a desmoronar”, disse o […]

Abr 21, 2025 - 10:21
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Papa Francisco não condenava o capitalismo, mas pedia distribuição de riqueza

O Papa Francisco — que morreu esta segunda-feira, 21 de abril, às 7h35 — deixou bem claro que não condenava o capitalismo, mas sempre apelou à distribuição de riqueza, apontando a especulação financeira como o maior problema da economia. “Enquanto o rendimento de uma minoria aumenta exponencialmente, o da maioria está a desmoronar”, disse o Papa do Povo.

Nos seus discursos, o líder da Igreja Católica pediu aos católicos de todo o mundo para abandonarem o consumismo e o individualismo, ao mesmo tempo que implorou pelo fim da Guerra na “Ucrânia martirizada” e no Médio Oriente.

O líder religioso sempre foi contra a “fechar a porta” aos migrantes,” ao defender que os mesmos devem ser acolhidos, acompanhados e integrados.

Meses antes de morrer, Francisco pediu que as armas fossem silenciadas na “Ucrânia martirizada” e no Médio Oriente e reforçou a necessidade de mudança perante “um mundo ferido por guerras” onde “a democracia é ameaçada” e o “populismo e a desigualdade crescem”. Apesar do pedido, o líder da igreja católica morreu esta segunda-feira ser ver terminada a Guerra na Ucrânia, que já dura há três anos.

“A economia que mata, que exclui, que polui, que produz a guerra, não é economia: outros chamam-na de economia, mas é apenas um vazio, uma ausência, é uma doença, uma perversão da própria economia e da sua vocação”, disse Papa Francisco aos jovens que participavam do IV Encontro anual da Economia de Francisco, em Assis, a 6 de outubro de 2023.

A economia que mata, que exclui, que polui, que produz a guerra, não é economia: outros a chamam de economia, mas é apenas um vazio, uma ausência, é uma doença.

Papa Francisco

Segundo o líder da igreja católica, “as armas produzidas e vendidas para as guerras, os lucros obtidos às custas dos vulneráveis ​​e indefesos, como quem abandona a sua terra em busca de um futuro melhor, a exploração dos recursos e dos povos: tudo isto não é economia, não é um bom polo da realidade a ser mantido. É apenas arrogância, violência, é apenas uma estrutura predatória da qual devemos libertar a humanidade”.

O Papa Francisco no VaticanoEPA/VATICAN MEDIA HANDOUT

Depois da visita a Portugal em agosto de 2023 no âmbito da Jornada Mundial da Juventude, Francisco disse que “rezou pela paz, porque há tantas guerras em todas as partes do mundo”. No entanto, morreu sem ver o fim da guerra na Ucrânia.

“Voltei a Fátima, ao local da aparição, e juntamente com alguns jovens doentes rezei para que Deus curasse o mundo das doenças da alma: orgulho, mentira, inimizade, violência. O mundo está doente com estas doenças”.

Papa Francisco pediu para abandonarem o consumismo

Desde que foi eleito papa em 2013, Francisco organizou conferências económicas e emitiu documentos teológicos sobre essas mesmas questões. A 24 de outubro do ano passado, pediu aos católicos de todo o mundo para abandonarem o consumismo e o individualismo e para redescobrirem a importância da abertura aos outros.

A carta, conhecida como encíclica, foi a quarta que Francisco escreveu ao longo dos 11 anos como papa. Intitulada “Ele amou-nos”, a missiva é menos política do que a encíclica que escreveu em 2015, onde pediu medidas urgentes para proteger o ambiente.

A última carta reflete a sua convicção, profundamente enraizada, de que a “superficialidade, o capitalismo e o individualismo estão a distrair as pessoas de encontrarem um significado mais profundo nas sociedades agitadas de hoje”.

Não condenava o capitalismo, mas defendia que a riqueza deve ser distribuída

Apesar de considerar que o capitalismo e o individualismo estão a distrair as pessoas, o pontífice fez questão de esclarecer que não condena o capitalismo “da forma como alguns atribuem”, nem é “contra a economia”, disse o Papa Francisco no “El Pastor”, um livro dos jornalistas argentinos Francesca Ambrogetti e Sergio Rubin, avançou a America The Jesuit Review.

Não condeno o capitalismo da forma como alguns me atribuem, nem sou contra a economia.

Papa Francisco

No livro “El Pastor: Desafios, razões e reflexões de Francisco sobre seu pontificado”, editado há dois anos, Francisco afirmou que “é a favor do que João Paulo II definiu como uma economia social de mercado”. “Isso implica a presença de uma autoridade reguladora que é o Estado, que deve mediar as partes”, disse, destacando que “é uma mesa com três pernas: o Estado, o capital e o trabalho”.

No entanto, ressalvou que a “riqueza produzida tem de ser distribuída por todos” para que seja “justo”. Nesse mesmo livro, o Papa identificou a especulação no mundo financeiro como o maior problema da economia de hoje.

Francisco tinha 88 anosLusa

“O diabo entra pelo bolso, a corrupção começa com o dinheiro, e com o dinheiro compram-se as consciências”, disse o Papa Francisco, adianta que “isso também aconteceu na igreja”, especificando o Banco do Vaticano onde teve que cortar cabeças”.

Neste livro de 352 páginas, Francisco mencionou ainda que “a classe média está em extinção em muitos países” e lembrou que no passado esse grupo social incluía “o trabalhador que tinha um emprego e queria que seu filho estudasse”.

Em 2019, Jorge Mario Bergoglio defendeu um “capitalismo inclusivo”. No Vaticano, onde recebeu os membros do conselho em prol de um capitalismo Inclusivo, o Papa Francisco alertou que o “aumento dos níveis de pobreza numa escala global testemunham que a desigualdade prevalece sobre a integração harmoniosa de pessoas e nações”.

É necessário e urgente um sistema económico justo, confiável e capaz de responder aos desafios mais radicais que a humanidade e o planeta enfrentam”, lê-se numa publicação do Vatican News.

No ano que tomou posse, Jorge Mario Bergoglio, que foi o primeiro latino-americano a liderar a Igreja Católica, em 2013, afirmou num dos seus discursos que “enquanto o rendimento de uma minoria aumenta exponencialmente, o da maioria está a desmoronar”. “Este desequilíbrio resulta de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira, negando assim o direito de controlo aos Estados, que têm a responsabilidade de garantir o bem comum”, afirmou o Papa Francisco.

Enquanto o rendimento de uma minoria aumenta exponencialmente, o da maioria está a desmoronar.

Papa Francisco

Numa carta endereçada ao antigo primeiro-ministro David Cameron para a reunião do G8, em 2013, o Papa Francisco escreveu que “toda a ação económica e política deve proporcionar a cada habitante os recursos mínimos para viver com dignidade e liberdade, com a possibilidade de sustentar uma família, educar os filhos, louvar a Deus e desenvolver o próprio potencial humano”, reforçando que na ausência desta visão, “toda a atividade económica não tem sentido”.

Apesar do débil estado de saúde, a notícia da morte do Papa Francisco esta segunda-feira de manhã foi inesperada. Ainda no domingo o papa desejou publicamente boa Páscoa aos fiéis.