Entrevista: Car Seat Headrest volta após cinco anos com ópera-rock sobre desafios da ‘vida adulta’

Lançando ‘The Scholars’, primeiro disco da banda desde 2020, Will Toledo diz que o grupo está mais unida do que nunca, se compara a diretor de cinema e quer oferecer ‘experiência aprofundada’

Mai 13, 2025 - 15:54
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Entrevista: Car Seat Headrest volta após cinco anos com ópera-rock sobre desafios da ‘vida adulta’

entrevista de Bruno Capelas e Igor Müller, do Programa de Indie

O Car Seat Headrest está de volta… com uma ópera-rock. Talvez não seja exatamente essa a frase que você esperava para descrever o primeiro disco em cinco anos de uma das bandas mais interessantes da geração 2010. Mas é preciso reconhecer que o Car Seat Headrest nunca foi exatamente um grupo convencional – a começar pelo nome (“encosto de cabeça de carro”, em tradução literal), passando pelas canções longas, pelas letras idiossincráticas de Will Toledo e chegando até o caráter prolífico de sua obra. Lançado no início de maio, “The Scholars” é nada menos que o 11º álbum de inéditas da banda (ou o 10º, caso o leitor queira excluir a segunda versão de “Twin Fantasy” da lista).

“Acho que é um disco sobre ser humano. Os personagens de ‘The Scholars’ são estudantes de faculdade à beira de virar adultos – e uma característica dessa época é que as pessoas lutam para entender o que significa estar vivo”, explica o vocalista, em entrevista via Zoom. “Passei muito tempo pensando sobre o formato de álbum e sobre o que ele oferece para as pessoas. Uma das melhores coisas que um disco pode fazer é criar uma espécie de janela para um novo mundo”, complementa Toledo, que passou por poucas e boas desde o lançamento de “Making a Less Door Open”, em 2020.

Além da pandemia, Toledo teve de lidar com uma série de problemas de saúde relacionados à chamada “covid longa”, cancelando shows e reduzindo o ritmo de turnês. A pausa forçada em Seattle, porém, ajudou o Car Seat Headrest. “Ficar parados no mesmo lugar nos permitiu desenvolver raízes para criar esse disco, refletir mesmo o que queríamos com ele”, conta o vocalista, que começou o projeto sozinho em seu quarto e depois montou uma banda para excursionar por aí.

Hoje, Toledo afirma que a banda está mais unida do que nunca – e que, em vez de líder do Car Seat Headrest, ele se vê numa posição próxima à de um diretor de cinema. “Não sou necessariamente responsável por criar tudo o que está no disco. Mas sou o cara que vai para trás das câmeras e edita o que fazemos, de forma que a narrativa funcione”, afirma, se comparando a Stanley Kubrick. “Não posso me comparar a ele em termos de qualidade, mas tento seguir um processo minimalista, o mais clínico o possível”, confessa.

Na entrevista a seguir, concedida para o Programa de Indie (ouça aqui) e agora publicada no Scream & Yell, Toledo fala mais sobre o processo de composição de “The Scholars” e seus personagens na fictícia Parnassus University. Ele também comenta o fato do disco conter algumas das canções mais longas da história do Car Seat Headrest, chegando a quase 19 minutos de duração – algo que pode parecer desafiador em tempos de problemas de atenção. “As pessoas consomem o que dão para elas. Se tudo que elas recebem é um formato que só lhes dá canções pequenas, isso é tudo o que elas vão consumir. Mas se elas recebem algo mais longo, mais aprofundado, acho que ninguém vai negar essa experiência se ela for boa”, diz.

Temas como redução no ritmo das turnês, a complexa economia de se manter uma banda viva hoje em dia e até mesmo o imbróglio em que Toledo se envolveu com Ric Ocasek, do The Cars, também passam pela pauta, além da resposta franca que o vocalista dá para quem lhe vê como “poeta ou profeta de uma geração”. “Não é preciso prever o futuro se você está ouvindo as pessoas no presente. Você consegue entender o que vai acontecer ao ouvir as pessoas”, diz.

Para começar, Will: como está a sua saúde?
Will Toledo: Está boa. Está tudo bem comigo agora. Estou me exercitando um pouco, comendo melhor. Em breve teremos nosso primeiro show de verdade em dois anos, então estou bem animado.

“The Scholars” é o primeiro disco do Car Seat Headrest em cinco anos, desde “Making a Less Door Open”, que saiu logo antes da pandemia. Nesse intervalo, houve o período de isolamento social e também os seus problemas de saúde. Como esses acontecimentos influenciaram o novo disco?
A pandemia começou logo quando nós tínhamos acabado de lançar nosso último disco, o que atrapalhou bastante os nossos planos. Tivemos de ficar em casa, pensando no que fazer, por um bom tempo – o que me permitiu pensar sobre como o próximo disco poderia ser. Quando voltamos à estrada, eu tive covid. Depois, tive de lidar com os sintomas do pós-covid e acabamos cancelando uma série de shows. Ficamos presos em Seattle de novo. Mas tanto a pandemia quanto o que aconteceu comigo acabou fazendo com que a banda toda ficasse em um só lugar por algum tempo. É algo novo para nós: como uma banda, ficamos acostumados a estar constantemente na estrada. Ficar parados no mesmo lugar nos permitiu desenvolver raízes para criar esse disco, refletir mesmo o que queríamos com ele. Quando começamos a criar, tivemos muitos vais-e-vens, em um processo elaborado: nos aproximamos como banda, falamos sobre música, ouvimos música, e claro, tocamos juntos. Isso tudo permitiu que nós criássemos o melhor material possível, fazendo algo muito bem tramado mesmo.

“The Scholars” tem sido descrito como uma ópera-rock. Por que ir nessa direção?
Fazer uma ópera-rock foi uma das primeiras ideias que apareceram para mim nesse período. Eu queria fazer algo um pouco mais conceitual. Passei muito tempo pensando sobre o formato de álbum e sobre o que ele oferece para as pessoas. Uma das melhores coisas que um disco pode fazer é criar uma espécie de janela para um novo mundo, uma janela na qual você pode se debruçar e olhar por um tempo. Na mesma época, comecei também a ouvir mais música erudita, que também tem esse tipo de estrutura, seja na ópera ou em uma cantata. É uma experiência que envolve ir até um local físico, escutar e pensar sobre uma narrativa. É um tipo de música que te diz algo novo e que te leva a um lugar novo. Eu estava interessado nisso – e em como poderia traduzir essa experiência em um disco. Eventualmente, chegamos à ideia de utilizar personagens para fazer isso funcionar. Assim, cada música fala de um personagem diferente nesse mundo ficcional. Isso nos ajudou a focar na música, que é o que nós queríamos desde o começo. Queríamos nos manter como uma banda que faz um disco de canções, mas com um conceito mais ou menos solto que pudesse guiar o álbum.

Muito bom. Na história do rock, muitas óperas-rock são feitas com a visão forte de um líder dentro de uma banda – como Pete Townshend, Billie Joe Armstrong ou Roger Waters. Por outro lado, você já disse que, em “The Scholars”, o Car Seat Headrest soa mais do que nunca como uma banda. Como é lidar com essas duas sensações ao mesmo tempo?
Mais do que um líder de uma banda, me vejo como um diretor de cinema. Não sou necessariamente responsável por criar tudo o que está no disco. Quando estou com a banda, sou só mais um membro e estamos tocando juntos, fazendo jams, registrando ideias. Mas, depois, vou para casa e passeio pelo que nós fizemos, pensando no panorama do disco. Eu estava mais focado no aspecto conceitual de “The Scholars” do que os outros membros da banda, permitindo que eles pudessem apenas focar na música. Enquanto músicos, nós somos iguais. Mas sou o cara que vai para trás das câmeras e edita o que fazemos, de forma que a narrativa funcione. Foi um papel novo, mas foi bem interessante, equilibrando o papel que eu tinha nos discos anteriores, guiando todo o processo.

Se você fosse um diretor de cinema, quem seria?
Sempre gostei de Kubrick. Gosto de me comparar a ele quanto ao processo metódico que utilizamos. Sabe, não posso me comparar a ele em termos de qualidade, mas tento seguir um processo minimalista, o mais clínico o possível. E gosto de ter meu próprio tempo, como ele tinha. Ter tempo para, todos os dias, olhar tudo o que foi feito com uma lente, editando cada parte, pedaço por pedaço.

Toda ópera-rock tem um tema principal. “The Wall” fala sobre o autoritarismo, por exemplo. Sobre o que é “The Scholars”? Como você definiria o disco em uma ou duas frases?
Acho que é sobre ser humano. Talvez seja um jeito básico de explicar. Em “The Scholars”, os personagens são estudantes de faculdade. Eles estão à beira de virar adultos. Uma característica dessa época é que as pessoas lutam para entender o que significa estar vivo, sem a rede de suporte de uma família ou de um sistema educacional. O que significa ser um humano no mundo, sabe? Musicalmente, acho que essas canções falam sobre essa batalha, esse processo de soltar os laços e chegar a uma certa independência, chegar a um entendimento do que é a vida. “The Scholars” fala sobre esse desafio e como ele acontece com pessoas diferentes.

Há quem diga que você é a voz de uma geração, talvez um profeta da geração millennial, a partir das letras que você escreve. Nesse sentido, pessoalmente destaco a letra de “Fill in the Blank”, de “Teens of Denial”. Mas como lidar com a passagem do tempo e ver o que o tempo fez com a sua geração?
Espero que eu não envelheça com a expectativa de me ver como um profeta da geração ou algo assim. Eu só tento ouvir as pessoas cada vez mais. Não é preciso prever o futuro se você está ouvindo as pessoas no presente. Você consegue entender o que vai acontecer ao ouvir as pessoas. Acredito que alguns dos melhores momentos de “The Scholars” surgiram quando estive de mente aberta, ouvindo as pessoas ao meu redor e disposto a colocar o que estava escutando nas minhas criações. É engraçado: cresci em meio às artes, mas eu não era o cara que mais gostava de conversar com outras pessoas. Eu lia muito, via muitos filmes, ouvia muita música. Isso me deu um vocabulário enorme para saber o que poderia fazer escrevendo, filmando ou compondo. Agora, porém, estou tentando construir meu vocabulário sobre as pessoas, entendendo como elas são na vida real e como se comportam em carne e osso, fora da ficção. É algo que quero continuar a fazer – e acho que isso vai fazer minha arte ser melhor também.

“The Scholars” têm algumas músicas muito longas, o que é impressionante para uma banda já conhecida por fazer músicas grandes. Num mundo que lida cada vez mais com problemas de atenção, você acha que as pessoas vão parar para ouvir uma música de 19 minutos como “Planet Desperation”?
Acho que sim. As pessoas consomem o que dão para elas. Se tudo que elas recebem é um formato que só lhes dá canções pequenas, isso é tudo o que elas vão consumir. Mas se elas recebem algo mais longo, mais aprofundado, acho que ninguém vai negar essa experiência – se ela for boa. Se alguém não gostar da música de 19 minutos, elas não vão ouvir. É justo: há muitas músicas de 19 minutos que eu também não ouviria (risos). Mas acho que nosso objetivo é criar músicas longas que sejam boas o suficiente para que ninguém esteja olhando o relógio enquanto ela toca. Queremos que as pessoas aproveitem a música, sabe.

O Car Seat Headrest é uma banda prolífica em uma geração conhecida por ter poucas bandas prolíficas. “The Scholars” é o 11º álbum de inéditas da banda (ou o 10º, se você excluir a versão dupla de “Twin Fantasy”). Por outro lado, é a primeira vez que vocês demoram mais tempo para lançar um disco. Como você se sente? Você acha que as bandas hoje deveriam lançar mais discos, produzir mais?
Cada um tem seu próprio fluxo. Quando você é jovem e independente, acredito que é bom lançar mais músicas frequentemente. Não fique sentado em cima do que você está criando, porque pode estragar. Mas acredito que há um processo natural em que cada artista se acostuma com as fases necessárias para gravar um disco e que se pode gastar um pouco mais de tempo em cada fase. Acredito que estamos nessa fase agora – e isso traz bons frutos para nós. É algo que pretendo continuar a fazer no longo prazo. Mas entendo que cada artista tenha seu modo de trabalhar. Por outro lado, sigo tentando lançar duas músicas novas todos os meses no nosso Patreon, o que é meio que o oposto do que acabei de dizer. Para um novo artista, acho que o ideal é tentar descobrir qual é sua zona de conforto – e, ao mesmo tempo, também ir na direção contrária.

É interessante que você tenha mencionado o Patreon, porque é uma fonte de receita que poucas bandas exploram. Vocês anunciaram as datas para a turnê de 2025 e me chamou a atenção que vocês vão fazer poucos shows. Acredito que seja algo relacionado aos seus problemas de saúde. Como foi tomar essa decisão, ainda mais tendo em vista que nos dias de hoje, os shows são a principal fonte de receita para as bandas?
É verdade. Preciso dizer que temos alguma sorte de conseguir ganhar dinheiro com royalties, bem como com o Patreon. Não é muito dinheiro, claro, mas nos dá uma renda mensal, além de nos ajudar a estar próximos dos nossos fãs – que é o que importa de verdade. Se você tem um público que quer ouvir sua música, mesmo que você não consiga tocar ao vivo, haverá algum jeito de conseguir viver da sua carreira. Mas tenho sorte: soube desde o princípio da minha carreira, quando ainda era só um artista online, que eu precisava construir algo diferente. Lentamente, criei uma fanbase, o dinheiro começou a entrar e também faturo vendendo merch para pagar as contas. Mas sim: decidimos fazer poucos shows porque eu queria ter certeza de que não precisaria cancelar nenhuma data. Ainda posso ter muitos problemas por conta da minha saúde, então nossa aposta foi tentar garantir que vou conseguir tocar em todos os shows. E me sinto muito grato de estar em uma posição em que podemos dizer que vamos fazer só alguns shows este ano e isso será suficiente para nós.

Vocês já pararam pra pensar como isso funcionará quando a banda precisar viajar para a Europa, ou talvez, sei lá, para a América do Sul?
Eu gostaria muito de tocar aí. Mas, por agora, decidimos encarar 2025 como um teste, tocando apenas nos EUA. Se tudo der certo, vamos avançar a partir daqui.

Você também decidiu que sempre vai tocar de máscara nos seus shows. Como tem sido essa experiência? Você já viu alguma diferença na sua voz ou na sua performance por conta da máscara?
Não, a voz está igual. É surpreendente, mas a máscara realmente não afeta a forma como canto. Já fizemos um show e ninguém se sentiu ofendido por eu estar de máscara também. Acho que as pessoas estão felizes de nos ver e estou feliz de ver o público também. A máscara garante que vou poder continuar fazendo shows. Conversei muito com as pessoas ao meu redor sobre isso. Teve gente que disse: “poxa, mas as pessoas querem ver o seu rosto”. E respondi: “bem, quero poder fazer todos os shows”. Não quero correr o risco de fazer um show sem máscara, pegar covid de novo e ter de cancelar todo o resto da turnê. É algo que ainda pode acontecer facilmente. Eu adoraria tocar sem máscara, mas é preciso equilibrar esse desejo com a certeza de que estarei saudável para tocar sempre.

Muito bom. Tenho algumas perguntas rápidas para fechar a entrevista. Uma é o fato de que Car Seat Headrest costuma ser sempre citado na internet como um dos piores nomes de banda já existentes. Você se arrepende dessa escolha?
Às vezes. Mas confesso que Car Seat Headrest é o que nos faz únicos. Também é um nome fácil de buscar na internet, de jogar no Google. Sabe, é um bom nome porque ele significa muito pouco – e isso permite que nossa discografia dê espaço para que as pessoas entendam seu nome do jeito que elas quiserem. Sei que é um nome feio e meio sem graça. Mas depois, as pessoas se acostumam e gostam do nome à medida que a relação delas com a banda evolui. E eu gosto disso.

A outra pergunta é se a Matador já te perdoou por todo o imbróglio com Ric Ocasek?
Claro! Quer dizer: acho que eles me perdoaram porque deu tudo certo com aquele disco, “Teens of Denial”. Eles ficaram felizes com o resultado. Claro que tivemos uma conversa do tipo “ó, não faz mais isso de novo nos próximos discos”. E eu levei isso a sério: agora a gente só cita antigas canções folk, de maneira que não temos mais esse tipo de problema.

Nada de novo: você está fazendo o que o Bob Dylan já fazia, né.
Exatamente! (risos)

(Nota do Editor: a primeira versão de “Teens of Denial” continha uma música que citava os versos de “Just What I Needed”, do The Cars; às vésperas do lançamento do disco, com as edições físicas já prensadas, Ric Ocasek entrou com um processo para retirar os versos da canção. A Matador teve de recolher as cópias já prensadas, em um prejuízo significativo na época, e a música, com novos versos, virou “Not What I Needed”.)

Para encerrar, temos uma tradição no nosso programa. Quais são os cinco discos que você levaria para a ilha deserta?
Essa é uma pergunta difícil. Acho que vou ficar com “Dark Side of the Moon”, do Pink Floyd. “Abbey Road”, dos Beatles. Talvez a lista toda fosse só Pink Floyd e Beatles. Ok, ok: “Who’s Next”, do The Who. E quais são os últimos dois? Vamos com “Revolver”, dos Beatles, e “Meddle”, do Pink Floyd.

Muito bom. Uma lista bem classic rock para uma banda alternativa.
Sei que esses vão resistir ao tempo.

 

 


– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.
Igor Müller é locutor de rádio e um dos responsáveis pelo Programa de Indie.