Entrevista: Buzz Osbourne fala sobre o novo disco do Melvins, “Thunderball”, e da tour com o Napalm Death
Lendário vocalista e guitarrista também revelou seus discos favoritos com o Melvins, comentou sobre visitas ao Brasil, e destacou a importância do Wipers e Poison Idea.

entrevista de Luiz Mazetto
Com uma discografia de cerca de três dezenas de lançamentos, incluindo full lengths, EPs, splits, álbuns colaborativos, acústicos, covers e muito mais, o Melvins é não apenas uma das bandas mais produtivas – esse termo tão em alta no mundo atualmente – das últimas décadas, mas também uma das mais interessantes, nunca se prendendo a rótulos ou a um som específico, ainda que seja muito fácil saber quando a gente está ouvindo uma música da banda liderada pela dupla Buzz Osbourne (vocalista/guitarrista) e Dale Drover (baterista) desde a metade dos anos 1980.
Para além de ser uma das precursoras do grunge, fazendo parte da primeira leva de bandas de Seattle junto com Soundgargen e Green River e tendo em Kurt Cobain um dos seus maiores admiradores, e também do sludge, estilo de metal arrastado e pesado, que tem expoentes como Eyehategod, Acid Bath e Crowbar, o Melvins já passeou por diversos estilos dentro do rock/punk/metal, sempre mantendo uma identidade muito própria, construída a partir do seu disco de estreia, “Gluey Porch Treatmens” (1987) e que foi sendo aperfeiçoada ao longo das décadas seguintes.
No final de março, Buzz atendeu ao nosso chamado por telefone para falar sobre o mais novo trabalho da banda, “Thunderball” (2025), mais um lançamento do grupo pelos velhos parceiros da Ipecac (gravadora de Mike Patton), que traz um lineup chamado de “Melvins 1983”, em que o vocalista e guitarrista se junta ao baterista original da banda, Mike Dillard, com quem também lançou mais recentemente os interessantes “Tres Cabrones” (2013) e “Working with God” (2021). E não foi só isso, já que também falamos sobre a turnê com os amigos do Napalm Death, com quem lançaram recentemente um disco colaborativo, como o The Who mudou a sua vida, a importância das bandas de Portland, como Wipers e Poison Idea, e suas viagens ao Brasil com o Melvins e o Fantômas. Confira a seguir!
Bom, em primeiro lugar, parabéns pelo disco novo. Gostei muito, é denso e pesado, mas também com algumas passagens meio psicodélicas, e com ótimos leads de guitarra.
Sim, é bem melódico.
Como você disse no release, é realmente um disco “bombástico” (risos).
Eu estava tentando ser bombástico. Eu gravei todos os vocais, guitarras e baixos.
Ah legal, eu ia mesmo perguntar sobre quem gravou o baixo, o timbre é muito bom, bem pesado.
Sim, sim, o Mike Dillard, que é o baterista original do Melvins, veio para cá e nós fizemos tudo juntos. Eu já tinha tudo gravado ou pronto para gravar. E então ele cuidou das baterias e eu fazia os overdubs no dia seguinte. Tudo funcionou muito bem, foi bastante divertido.
Então o processo todo foi bastante rápido, certo?
Sim, bem rápido. O Mike é um maquinista que faz parte do sindicato, então isso significa que ele tem um emprego em horário comercial. Ele voou para cá em uma quarta-feira à noite. Ele já tinha escutado as demos e tudo mais, das músicas, então conhecia tudo, como elas soavam e basicamente o que nós íamos gravar. Eu costumo fazer demos realmente simples. Então ele veio para cá e nós começamos a gravar naquela mesma noite. Nós só podemos gravar bateria à noite no nosso estúdio, tipo depois das 17h, então ele gravou bastante coisa quando chegou, aí no dia seguinte eu fiz uns overdubs sobre isso e gravei guitarra, baixo e vocais. E na noite seguinte nós gravamos mais coisas e no dia seguinte também, seguindo assim até o domingo, quando terminamos tudo
Nossa, foi muito rápido então.
E então depois tivemos que mixar. Então foram quatro dias ou algo assim. Mas como eu toquei o baixo e a guitarra e fiz os vocais, não precisei ensinar nenhuma parte para ninguém, então foi fácil.
Vocês contam com dois convidados especiais no disco, Void Manes e Ni Maîtres – não sei se estou dizendo o nome dele do jeito certo. Queria saber como isso aconteceu? Vocês já tinham se conhecido em alguma turnê?
Acho que está certo sim (a pronúncia do nome). E sim, nós nos conhecemos na estrada e somos amigos desses caras, eles já fizeram shows conosco – separados – abrindo para nós. E foram ótimos. Por isso, sempre quis fazer um disco com eles. Então pedi para eles gravarem um monte de material, de noise, coisas no estilo que eles costumam fazer e então mandar para mim. Aí eu adicionei isso ao disco.
Ahh, entendi. Então você decidiu aonde cada coisa ia nas músicas?
Sim, eu coloquei tudo nas músicas. Então foi uma colaboração verdadeira no sentido de eu entender aonde cada coisa ia. Não me lembro exatamente qual parte é de quem. E todas as músicas têm partes deles, dos dois. Não há nenhuma música em que eles não estejam presentes.
Entendi! Eu gostei de com o tudo soou junto, com essas diferentes camadas ao longo das músicas.
Sim, eu também. Penso que ficou muito legal, fiquei feliz com como as coisas acabaram saindo. Combinei também material dos dois em uma faixa chamada “Vomit of Clarity”, que é a única música do disco em que eu não toco nada.
E o quanto é diferente para você gravar com o Mike em comparação com o Dale Crover, por exemplo? Você é amigo dos dois há muitos anos, é claro, mas toca de forma constante com o Dale há décadas, obviamente. Você pensa que é mais pessoal ou mais livre quando está gravando com o Mike para o Melvins 1983, algo assim
Não, é menos livre porque o Mike não é tão bom em coisas com tempos estranhos. Então eu tenho de escrever músicas que ele pode tocar.
Coisas mais diretas?
Sim, tipo isso. Com o Melvins “normal”, não há quase nada que eu crie que eles, ele e o Coady (Willis) não possam tocar. Porque agora voltamos a ter dois bateristas na banda.
Sim, eu li sobre isso! Você está prestes a sair em turnê com o Napalm Death. Vocês estão planejando tocar as músicas do “Thunderball” nesses shows com dois bateristas?
Não, ainda não, mas vamos tocar sim. Vamos fazer outras turnês depois dessa, vamos para a Europa em julho e depois faremos outra tour nos EUA no último trimestre do ano. Ainda não anunciamos essa outra perna nos EUA, mas vamos tocar em todos os lugares pelos quais não vamos passar agora com o Napalm Death.
Ok, legal. E o Coady voltou de vez ou é apenas algo especial para este ano?
Não, ele voltou de vez.
Ah, legal!
Sim, eu acho. Gosto de ter dois bateristas na banda, acho que é legal.
Quando vieram tocar em São Paulo, em 2008, vocês tinham dois bateristas, porque na época contavam com a formação com o Big Business, que tinha o Coady na bateria e o Jared (Warren) no vocal e baixo, o que era muito legal.
Sim, era muito bom. Foi muito legal. Já estive algumas vezes no Brasil.
Sim, além desse show com o Melvins, você também veio com o Fantômas em 2005, e depois vieram para o Chile, em 2013, se não me engano, com as duas bandas juntas. Vocês chegaram a ser convidados para voltar para a América do Sul depois disso?
Sim, às vezes nós apenas estamos com a agenda cheia e não podemos ir, mas tenho certeza de que vamos voltar em algum momento.
E teve algo em especial que chamou a sua atenção nessas vezes que você veio ao Brasil? Você tocou em um festival com o Stooges e o Sonic Youth e em outro com o The Hives.
Sim, lembro de quando pousamos com o avião em São Paulo, você podia ver aviões destruídos dos dois lados da pista. Isso foi bem interessante (risos). Você tinha algumas carcaças de aviões destruídos, lembro de pensar “Uau, eles nem estão tentando esconder”. E também gostei de como os grafites em São Paulo iam até o topo dos prédios. Eu tive a impressão de São Paulo ser uma cidade um pouco mais industrial.
Nós falamos há pouco sobre essa turnê com o Napalm Death que vocês vão fazer a partir de abril nos EUA. Vocês também lançaram um disco colaborativo das duas bandas. Por isso, eu queria saber quem teve a ideia para fazer esse álbum? Foi algo que veio de você, do Shane (Embury), dos dois?
Sim, de nós dois. Nós realmente queríamos fazer o disco. Eles vieram para Los Angeles em maio do ano passado para gravar. Eu tinha algumas músicas, o Shane também. O lineup que gravou essas faixas foi eu, o John (Cooke), que é o guitarrista do Napalm, o Shane e o Dale. E o Barney também, que faz os vocais. Então o Steven (McDonald, baixista do Melvins) não está no disco, nem o Coady (baterista, que voltou à banda) e o baterista do Napalm (Danny Herrera) também não participa. Mas é uma colaboração verdadeira entre as bandas.
E vocês tem planos de talvez tocar essas músicas com todos juntos no palco durante essa turnê?
Não, não vamos ter tempo para fazer isso juntos. Mas eu realmente gostei do disco, acho que acabou ficando ótimo.
E vocês planejam disponibilizar o álbum em alguma plataforma digital no futuro? Até agora, foi lançado apenas em CD e vinil.
Provavelmente isso vai acontecer em algum momento, apenas não sei exatamente quando.
Vocês já tinham feito algo similar com o Mudhoney há alguns anos, quando gravaram um disco colaborativo, com integrantes das duas bandas. Há algum outro artista ou banda com a qual gostaria de fazer isso no futuro?
Vou colaborar com o ABBA, ouvi falar que eles venderam muitos discos (risos).
Sim, isso seria ótimo, com os hologramas deles (risos).
Isso, exatamente. Vou fazer uma turnê de hologramas com o ABBA.
Falando em colaborações, você já tinha tocado antes com os caras do Napalm Death, mais especificamente com o Shane e o Danny, em uma banda chamada Venomous Concept, que obviamente fazia referência direta ao Poison Idea no nome. Por isso, queria saber qual foi a importância na sua vida de algumas das bandas de Portland do início, meio dos anos 1980, como Wipers e Poison Idea? Aliás, vocês já gravaram um cover muito bom do Wipers, de “Youth of America”.
Eu amo Wipers, acho que eles são incríveis. E realmente gosto do Poison Idea, acho eles incríveis, de verdade. Ainda falo com o Jerry (A. Lang, vocalista da banda), provavelmente algumas vezes por mês. Aliás, na parte final da nossa turnê com o Napalm Death teremos o Hard Ons da Austrália tocando com a gente e o Jerry será o vocalista deles nesses shows. Esses shows vão ser muito divertidos, mal podemos esperar. Tenho muito respeito por eles (Poison Idea). Acho que o “Feel the Darkness” (1990) é um dos melhores discos já feitos em Portland. E acho que ninguém chega perto do Wipers. Especialmente no “Youth of America” (1981), que é um disco em que todas as músicas são boas.
E você teve a chance de ver eles ao vivo nessa época?
Sim, eu vi vários shows deles. Não sei quantas vezes, acho que mais de 10. Vi eles muitas vezes na turnê do “Youth of America” e também do disco seguinte, o “Over the Edge” (1983).
Há alguns anos, tive a chance de entrevistar o Steven McDonald e o Dale Crover, do Melvins, em ocasiões diferentes. E falamos sobre o que teria sido a primeira vez que você e o Dale conheceram o Steve, em um show em que você e o Dale tocaram com a Yoko Ono em Los Angeles – foi o que o Steve me contou.
Eu lembro disso. Mas eu o conheci… antes disso, ele não deve se lembrar. Foi quando nós ainda morávamos em San Francisco, e fomos para Los Angeles e fizemos um show com o Mudhoney. E nós conhecemos ele e o irmão dele nessa noite.
E você lembra de quando conheceu o Dale pela primeira vez? Porque no press release, por exemplo, você fala de quando conheceu o Mike pela primeira vez, durante o ensino médio.
Ah, eu vi ele tocando, ele tocava em uma banda cover horrível e eles estavam tocando músicas realmente terríveis. Mas vi ele tocando bateria e pensei “Oh, esse cara sabe tocar”. E então eu me lembrei dele e seguimos a partir daí.
E você lembra quais eram as músicas terríveis que ele estava tocando?
Ah, coisas do Loverboy, merdas assim, REO Speedwagon. Apenas música ruim para dançar um pouco, sabe?
Vocês sempre foram uma banda muito produtiva, mas especialmente nesses últimos 10 anos isso ficou ainda mais forte. Desde 2021 vocês lançaram 5 álbuns, além das colaborações com o Mudhoney e o Napalm Death. E isso tudo com uma pandemia no meio e esses lançamentos ainda incluem um álbum acústico gigante, que eu realmente gosto.
Sim, eu adoro esse disco. É um dos meus álbuns favoritos que nós já gravamos.
Ahh, legal. Por isso, eu queria saber se você compôs muita coisa na pandemia, tipo você acabou criando um baú de riffs ou algo assim? Ou as coisas apenas aconteceram naturalmente nos últimos anos?
Bom, estou sempre compondo. Durante a pandemia nós fizemos três transmissões da Melvins TV, nós fizemos o disco “Working with God” (2021). Também fizemos um disco chamado “Bad Mood Rising” (2022 – lançado pela Amphetamine Reptile Records). Fizemos apenas um monte de coisas. E no final da pandemia nós gravamos o “Tarantula Heart” (2024). A pandemia para mim foram dois anos em que não fizemos muita coisa. Nós gravamos o álbum acústico (“Five Legged Dog”, de 2021), mas era um disco quádruplo, então era muita coisa. Acho que esse disco ficou muito bom, adoro ele.
Sim, é um dos meus favoritos da banda também. Aliás, além de ser uma banda muito produtiva, vocês também provavelmente estão entre os artistas mais colaborativos nas últimas décadas. Vocês estão sempre lançando splits, discos colaborativos ou gravando os seus discos com diferentes convidados. Qual a importância de sempre ter essa troca com outros artistas para se manterem uma banda criativa todo esse tempo?
Ah, não sei, acho que é algo divertido de fazer. Já fizemos muitos discos no passado. Temos um longo histórico como banda e já lançamos muitos discos. E parece haver espaço para isso. É algo divertido de fazer, não sei do que mais chamar isso. E também penso “Por que não?”. Nós temos o nosso próprio estúdio, então por que não?
Você falou antes sobre como acha o “Feel the Darkness”, do Poison Idea, um dos melhores discos já lançados por uma banda de Portland. Por isso, queria que você me dissesse três discos que mudaram a sua vida e por que eles fizeram isso. Não precisam ser os únicos três, porque isso é quase impossível, mas três dos discos que te impactaram na sua vida.
Ah sim. Bom, eu realmente gosto do “Who’s Next” (1971), do The Who. Acho que “Won’t Get Fooled Again” é uma música incrível. Eu realmente gosto do The Who de forma geral, eles realmente mudaram a minha vida. Eu também incluiria outro disco deles, o “The Who Sell Out” (1967). Acho que o The Who de forma geral.
Também diria o “Solid Gold” (1981), do Gang of Four. Ele tem músicas com tempos muito estranhos, que acho que são muito inventivos e realmente gosto de como eles se aventuraram nesse disco. E, por fim, o “Never Mind the Bollocks” (1977), do Sex Pistols. Quando escutei esse disco pela primeira vez, percebi que era heavy metal com um toque diferente.
E teve algum show, banda ou disco que te fez querer tocar guitarra?
No início dos anos 1980, vi um show do Iggy Pop que foi muito bom. Em termos de shows, também vi o Van Halen na turnê do “Women and Children First” (1980) e foi um ótimo show também. Vi vários shows do Black Flag e alguns deles foram muito bons. Eu nunca vi o Birthday Party tocar, mas tem muitos (shows).
O “My War” (1984), do Black Flag, foi um disco importante para você quando estava começando o Melvins, passando de uma banda mais punk e começando a criar o seu próprio som?
Sim, eu realmente gosto desse disco. Mas não sei qual foi a maior influência para a gente. Acho que o “My War” era um disco ótimo, muita gente não gostava dele, mas ainda acho que é um bom disco.
Sim, também gosto bastante do disco. Mas talvez na época muita gente tenha achado que era uma mudança muito grande na banda.
As pessoas falavam “Ah, eles estão tocando devagar”. Bom, o Flipper sempre tocou devagar. Então não sei do que eles falando (risos).
Essa é a última pergunta. Você criou um som muito específico com o Melvins, que acabou influenciando muitas bandas ao longo do tempo, lançou mais de 30 de discos com a banda, tocaram ao redor do mundo. Por isso, queria saber se há algo em especial de que você tem mais orgulho na sua carreira?
Ahh, não sei. Eu provavelmente poderia escolher cinco discos nossos que eu gosto. Acho que os meus favoritos seriam “Colossus of Destiny” (2001), “Five Legged Dog” (2021), acho que o “Hostile Ambient Takeover” (2002), o “The Bootlicker” (1999), e também o mais novo, “Thunderball” (2025). Acho que se você escutar esses discos todos vai ter uma boa ideia do que a banda é.
– Luiz Mazetto é autor dos livros “Nós Somos a Tempestade – Conversas Sobre o Metal Alternativo dos EUA” e “Nós Somos a Tempestade, Vol 2 – Conversas Sobre o Metal Alternativo pelo Mundo”, ambos pela Edições Ideal. Também colabora coma a Vice Brasil, o CVLT Nation e a Loud!